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Após amputação, motorista de ambulância torna-se campeão de halterofilismo

Nidal al-Da’our, agora com 37 anos, teve estilhaços cravados por todo seu corpo

O clube de halterofilismo no coração da cidade de Jabaliya, norte da Faixa de Gaza, é um dos mais notórios e movimentados centros esportivos no território costeiro. Surpreendentemente, o local é administrado por um ex-motorista de ambulância que sofreu ferimentos graves quando seu veículo foi atingido pela artilharia israelense, enquanto evacuava uma família sob a dura ofensiva militar contra Gaza, entre 2008 e 2009. Nidal al-Da’our, agora com 37 anos, teve estilhaços cravados por todo seu corpo — além disso, perdeu seu braço esquerdo.

“Recebi um alerta da comunicação de emergência de que havia uma família no bairro de Abed Rabbu, leste de Jabaliya, sob bombardeio da ocupação israelense”, recorda Nidal. “Vesti meu uniforme e preparei todos os itens necessários para os primeiros-socorros, entrei na ambulância e corri ao endereço que foi compartilhado pelo meu colega”.

Ser um motorista de ambulância e paramédico no território sitiado era — na melhor das hipóteses — bastante estressante. E quando as bombas caíam ao seu redor, com seu veículo de resgate sendo alvo deliberado das forças ocupantes, era ainda pior. Segundo seus amigos e colegas, no entanto, Nidal era habilidoso e valente; o que havia de melhor para um trabalho tão árduo nas circunstâncias extremas da Faixa de Gaza.

Tudo que se lembra da explosão é que estava a caminho de ajudar uma família, quando foi arrebatado por um enorme clarão e sua ambulância voou por mais de dez metros em pleno ar — “Então, caí inconsciente”.

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Acordou no dia seguinte no Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza. “Todo o meu corpo estava coberto de bandagens e doía, e eu não conseguia sentir minha mão esquerda. Já não estava lá”. No entanto, decidiu de imediato que não deixaria o incidente acabar com sua vida. “Eu jamais me renderia a essa nova realidade”, reitera Nidal.

Sem poder dirigir, perdeu seu emprego. No entanto, amigos e parentes logo se mobilizaram para ajudá-lo. “O principal problema não foi a falta de um trabalho, mas sim o fato de que passei a sofrer com atrofia muscular do lado direito do meu corpo. Os médicos recomendaram fisioterapia e era muito difícil para mim com uma mão só”. Ainda assim, deu início a seu tratamento e as coisas, pouco a pouco, ficaram mais fáceis.

As melhorias que isso trouxe a seu corpo e sua saúde o levaram a cogitar formas de superar ainda além sua amputação. A fisioterapia evoluiu para o treino de levantamento de peso e Nidal teve de inventar maneiras de lidar com os equipamentos disponíveis na academia.

“Comecei o treinamento de fisiculturismo sem sequer equipamento”, observou Nidal. “Quando vi o quanto isso ajudava, decidi ir um passo adiante e usar equipamentos de halterofilismo. Funcionou e, gradativamente, o processo de atrofia muscular foi interrompido, meu corpo se recuperou bem e comecei a retomar uma vida normal”.

As adaptações que fez ao maquinário disponível lhe proporcionaram a oportunidade de treinar como se ainda tivesse ambas as mãos. Ninguém poderia ajudá-lo em tamanho desafio. “A necessidade é a mãe da invenção e trabalhei duro nisso tudo, por conta própria”. Oito anos de treinamento intensivo já se passaram desde então.

Nidal tornou-se assim um exemplo para Gaza — não somente àqueles com traumas ou deficiências semelhantes, mas a toda a população sob cerco militar. “Decidi abrir um clube de halterofilismo por duas razões. Eu precisava de um lugar para treinar de modo regular e poderia ainda ajudar os outros e incentivá-los a praticar também”.

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Nidal recebeu apoio de amigos e parentes, sobretudo sua esposa, que o encorajou a abrir sua própria academia. “Foi uma ideia brilhante! Peguei o dinheiro e comprei o equipamento, aluguei um salão e comecei a realizar as sessões de treinamento”, relata o paratleta palestino.

O que guarda o futuro ao ex-motorista de ambulância? Nidal sonha em representar a Palestina nos Jogos Paralímpicos e outros torneios internacionais. “Tenho esperanças de mostrar ao mundo que a agressão israelense contra os palestinos nem sempre acaba com suas vidas; mas também pode incentivá-los a resistir e persistir sob a brutal ocupação”.

Entretanto, há uma coisa de que sente saudades: “Não posso carregar meus filhos e brincar com eles como outros podem. É então que realmente sinto falta de ter as duas mãos”.

Lágrimas correm em meu rosto ao concluirmos a entrevista. Sei muito bem como é ser ferido pela ocupação israelense — fui baleado por um franco-atirador em 2018. No entanto, a despeito da agressão, minha vida não mudou e pude segui-la mais ou menos como antes. Nidal al-Da’our, não obstante, é uma inspiração — eu o saúdo!

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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