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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

A ‘Grande Substituição’: Porque nacionalistas de extrema-direita amam Israel

Vigília no Reino Unido em solidariedade às vítimas do ataque terrorista contra mesquitas da Nova Zelândia, em 15 de março de 2019 [Tayfun Salci/Agência Anadolu]

O vínculo entre Israel e os proeminentes movimentos de extrema-direita em todo o mundo não é um fenômeno meramente ao acaso, inspirado pelo ódio em comum contra o Islã e os muçulmanos.

Além do mais, o entendimento habitual de que essa relação problemática – entre Israel e a extrema-direita mundial – somente se refere à causa comum entre Israel e os supremacistas brancos não é mais suficiente para explicar a rede cada vez mais ampla que agora se espalha da Índia ao Brasil, da Europa à Austrália.Em outras palavras, este fenômeno não está mais confinado ao sionismo ou à supremacia branca, mas é contínua e ativamente redefinido como uma aliança sinistra entre diversos grupos, movimentos políticos e governos ultra-nacionalistas ao redor de todo o mundo, todos unidos pelo ódio aos imigrantes, refugiados e muçulmanos.

Por essa mesma lógica, Brenton Tarrant, cidadão australiano que assassinou cinquenta muçulmanos e feriu outras dezenas na pequena cidade neozelandesa de Christchurch não pode ser considerado um “lobo solitário” em seu ato de terrorismo, como alguns parecem desejar que acreditemos. Mesmo se fosse o único responsável pelo assassinato em massa dessas pessoas inocentes, é evidente que Tarrant é membro de uma rede de militância ideológica ampla, dedicada a espalhar ódio e racismo, por exemplo, contra imigrantes – especialmente muçulmanos, vistos como “invasores”.

Em seu “manifesto”, documento de 74 páginas compartilhado online pouco antes da execução de seu crime hediondo, Tarrant alude à extrema-direita, aos ideólogos racistas que o inspiraram, ao lado de seus companheiros “etno-soldados” – assassinos de mesmo pensamento que cometeram atos igualmente horríveis contra civis.

Não é por acaso que Tarrant nomeou seu documento como “The Great Replacement” (“A Grande Substituição”), em referência a uma teoria conspiratória similar popularizada por um veemente apoiador de Israel, Renaud Camus.

Renaud Camus é um escritor infame nascido na França, cuja “Grande Substituição”, uma interpretação ainda mais extrema da tese de Choque de Civilizações de Francis Fukuyama, contempla um conflito global que vê os muçulmanos como o novo inimigo.

A Grande Substituição, ao lado de outros escritos semelhantes amplamente populares entre a extrema-direita, representa a fundação ideológica dos esforços, até então, descoordenados e desconexos realizados por movimentos ultra-nacionalista ao redor do mundo, agora unidos em seu desejo de responder à “invasão muçulmana”.

Para repelir a “suposta” invasão, ideólogos de extrema-direita expandiram suas ações para além das fronteiras nacionais a fim de ampliar seu alcance, ao mesmo tempo que desafia a definição convencional de seus movimentos como neonazistas ou neofascistas.

Para mover sua influência do estágio teórico para ações de fato, esses momvimento trabalharam na conquista de legimidade para influenciar o resultado de eleições como Geert Wilders na Holanda, Matteo Salvini na Itália, Marine Le Pen na França, Jair Bolsonaro no Brasil e Viktor Orban na Hungria. Em alguns casos, obtiveram sucesso.

Cidadãos comuns deixam flores em homenagem à vigília pública da Avenida Linwood, próxima à Mesquita Linwood, onde ocorreu um dos tiroteios, em solidariedade às vítimas mortas durante ataques terroristas simultâneos em mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, 17 de março de 2019 [Peter Adones/Agência Anadolu]

O fato da migração islâmica para a Hungria ou Brasil, por exemplo, dificilmente representa um “problema” de urgência ou parece ter alguma relevância concreta nas declarações de Orban e Bolsonaro. Mas a postura desses líderes anti-islâmicos e pró-Israel prevalece em sua política internacional porque é o único caminho de maior integração com a aliança global de extrema-direita.

Entusiastas da Grande Substituição argumentam que o Islã e a civilização islâmica estão “substituindo etnicamente” outras raças e que este suposto fenômeno deve ser detido, inclusive por meios violentos, se necessário. Não é de se espantar que esses ideólogos vêm Israel como uma nação-modelo bem-sucedida na luta contra a “ameaça muçulmana”.

Gradualmente, Israel destacou-se como o denominador comum entre tais grupos, embora seja conhecidos tradicionalmente pelo seu ódio a judeus equivalente ao ódio a todos os outros. Para garantir o sucesso de sua marca global, esses movimentos de extrema-direita começaram a explorar outros conflitos envolvendo muçulmanos, de Birmânia à Índia. O tipo de movimento como o Samhati Hindu, conhecido por sua intolerância anti-islâmica, é essencial à essa nova marca global. E pela mesma lógica perturbadora, o ódio aos muçulmanos, portanto, torna-se sinônimo de amor a Israel. Dessa forma, não é absolutamente surpreendente o protesto de dezenas de milhares de nacionalistas hindus em Calcutá, em fevereiro de 2018, descrito por seus organizadores como “o maior ato pró-Israel” da história.

É como se o apoio cego e incondicional a Israel tenha se tornado uma pré-condição para ser abraçado pela comunidade global de extrema-direita e sua bizarra estirpe de pseudo-intelectuais.

“Jerusalém é a capital de Israel. Israel é um modelo de resistência,” tuitou o próprio Camus em dezembro de 2017. Ele clamou a seus apoiadores que “tornassem a Europa numa espécie de ‘Grande Israel’”, à evidente replicação do modelo racista de apartheid israelense.

A compatibilidade entre o ódio aos muçulmanos e o amor a Israel por esses islamofóbicos ultra-nacionalistas se tornou ainda mais claro ao examinarmos os nomes de alguns apoiadores principais da entidade denominada Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente (PEGIDA, da sigla alemã). Essa organização caracteriza-se como um movimento anti-islâmico composto por redes globais, cujo início data de 2014, na Alemanha, sob a designação “Patriotische Europäer gegen die Islamisierung des Abendlandes”.

Um dos principais apoiadores do PEGIDA, o parlamentar Geert Wilders reivindicou aos “bravos patriotas” da Europa a “assumir como exemplo o Estado de Israel, para lutar contra as trevas islâmicas”.

O ex-líder da Liga de Defesa Inglesa (English Defence League, ou EDL, no original), outro ávido apoiador de Israel, acredita que “os judeus também sofrem pelo mal muçulmano” e são “ameaçados por ele”.

Não é surpresa alguma que tanto Wilders quanto Robinson parecem ter recebido dinheiro do gabinete estratégico pró-Israel, o Middle East Forum (MEF), para compensar seus custos legais quando indiciados por incitação e racismo.

O Ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, também amigo próximo de Netanyahu, é frequentemente conectado ao PEGIDA, mais notavelmente, no ano passado, por reportagens do jornal alemão Der Spiegel.

Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu em 21 de janeiro de 2019 [Mehahem Kahan/AFP/Getty Images]

Salvini compreendeu a importância da amizade de Israel pouco antes das eleições gerais italianas, em março de 2018. Salvini lançou sua candidatura durante uma visita a Israel dois anos antes. “Israel simboliza o perfeito equilíbrio de realidades diferentes ao garantir a lei e a ordem. É certamente um exemplo a seguir em termos de segurança e política antiterrorismo,” ele disse em Tel-Aviv.

Esses vínculos suspeitos e ideológicos podem explicar os comentários ofensivos de Salvini após o massacre de Christchurch, na Nova Zelândia. “O único extremismo que demanda atenção cuidadosa é o extremismo islâmico,” disse Salvini durante uma visita oficial à cidade italiana de Napoli.

Porém, poucos são os exemplos dessa aliança sinistra tão transparentes quanto a comentarista conservador pró-Trump, Candace Owens, maior inspiração de Tarrant conforme seu manifesto.

Quando em Jerusalém, Owens escarneceu os membros do Partido Democrata por não celebrar a transferência da Embaixada americana, em maio do último ano. “É espantoso que nenhum único democrata eleito está aqui para comemorar este evento histórico em Jerusalém, um sinal genuíno de que não estão ao lado de Israel,” comentou Candace em seu Twitter. “Este pouco-caso não será esquecido tão cedo – nem na América, nem no resto do mundo.”

A lista de ideólogos de extrema-direita é extensa e cresce constantemente. Contudo, seu discurso cheio de ódio, suas “teorias” perturbadoras, ao lado de seu fascínio pela violência e pelo racismo israelenses estariam destinados à latrina da história se não fosse pelo preço alto da violência, então associado a esses movimentos.

Ao comentar sobre o julgamento de Darren Osborne, que atropelou com sua caminhonete um grupo de muçulmanos que saía das orações do Ramadã, em Londres, em 19 junho de 2017, a Comissão Islâmica de Direitos Humanos afirmou: “A corte ouviu como Osborne sofreu lavagem cerebral e foi radicalizado ao ódio contra muçulmanos por redes sociais de extrema-direita, regurgitadas por Tommy Robinson e Jayda Fransen.”

O mesmo padrão foi repetido inúmeras vezes, inclusive no Canadá, quando Alexandre Bissonnette matou seis fiéis na Grande Mesquita de Quebec, em 29 de janeiro de 2017. Um jornalista palestino, Ali Abunimah, descreveu Bissonette como um “fã do exército israelense e de outros grupos sionistas fervorosos, tais quais “United with Israel”.

De acordo com fontes israelenses, Brenton Tarrant visitou Israel em 2016 por nove dias. O fato das autoridades israelenses impedirem a divulgação das razões por trás da visita do terrorista australiano abriu uma Caixa de Pandora no que concerne ao possível vínculo entre Tarrant e Israel.

No entanto, a conexão entre Israel e ideólogos, políticos e seus “soldados étnicos” de extrema-direita não requer qualquer aprovação israelense. É somente

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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