Mesquitas regozijam-se com o apelo comemorativo de “Allahu Akbar, Allahu Akbar, Ia Illaha ila Allah!” (Deus é Grande, Deus é Grande; não há deus senão Deus); violinistas tocam “Ana baladi”; soldados beijam os mais velhos na testa. Estudantes, com os olhos marejados se sentem humildes frente à enorme massa de pessoas cantando “tsgut bas”. E uma mulher parada em cima de um carro aponta para o céu com o chamado da liberdade, que ecoa para as regiões mais distantes do Sudão, vibrando nas veias das mídias sociais; uma gloriosa vitória para todo o Sudão. Em 11 de março de 2019, a liberdade não é mais um sonho. O Sudão está paralisado. Há uma percepção vívida das perspectivas de um Sudão melhor; um Sudão que costumava existir apenas nas letras das canções de Mohammed Wardi está finalmente aqui.
Sempre que me pedem para descrever o Sudão para aqueles que não estão familiarizados com o país, eu costumo dizer que é um país com saúde gratuita, não porque a lei ou o governo garantam, mas porque cada pessoa tem um parente, um amigo ou um conhecido que é ou conhece um médico. Para os outros, há os altruístas que pairam fora dos hospitais, com maços de dinheiro procurando pagar contas médicas. É um lugar onde, a partir da idade da consciência, todo sudanês é designado a um dever, uma obrigação com o seu país e o seu povo; e ao longo da vida há um ser escondido nos cantos mais escuros da mente, para nos lembrar constantemente de nossos deveres. Somente quando a suave e misericordiosa foice da morte penetra e separa o espírito do corpo físico somos emancipados dessas obrigações. As primeiras palavras após a passagem de uma pessoa, depois de “descanse em paz”, são “jahiz”, que significa “pronto”; a pessoa cumpriu suas obrigações e agora está pronta para ser libertada. Um lugar onde os dois Nilos se encontram. Um lugar onde você pode encontrar quase todos os tipos de terreno. Um lugar pleno etnias e diversidade. Um lugar com uma história que remonta milhares de anos antes de Jesus (Que a paz esteja com ele). Um lugar que inspira atordoante admiração diante de sua beleza.
No Sudão hoje, as pessoas se alegram apenas brevemente. O presidente foi destituído e em seu lugar há militares encarregados do país. As pessoas estão muito familiarizadas com o regime militar e não serão silenciadas por mais 30 anos. Embora os militares tenham anunciado um período de transição de dois anos, isso não parece apaziguar o protesto popular. E agora? Parece haver um ciclo político na história sudanesa contemporânea, onde os sistemas de governo militar absoluto não permitem a diversidade política, e assim todos os esforços para combater a hegemonia militar são reprimidos e oprimidos. A opressão se acumula à indignação em massa e se manifesta na forma de uma revolução, apenas para ser trocada por outra hegemonia. Os manifestantes temem a repetição deste ciclo. Além disso, o Sudão tem sido atormentado por inúmeros grupos milicianos e exércitos leais a diferentes facções. E é necessário que haja um período de transição para estabelecer sistemas eleitorais; identificar as demandas dos manifestantes; e permitir que partidos oprimidos e oposição política se recuperem e que coalizões sejam formadas.

Manifestantes sudaneses pedem a demissão do presidente sudanês Omar Al-Bashir, em Cartum, no Sudão, em 7 de abril de 2019 [Stringer/Agência Anadolu]
Em segundo lugar, o governo de transição deve incluir observadores neutros; pessoas que não têm interesse no resultado, para garantir que não usem essa plataforma para campanhas políticas. Os membros neutros do comitê devem preferencialmente ser advogados constitucionalistas, cientistas políticos e economistas conscientes da realidade do Sudão.
Em terceiro lugar, juntamente com o comitê de transição, deve haver uma comissão militar de prontidão, disposta a proteger e defender as fronteiras e os manifestantes do país neste momento crítico. Mais uma vez, os membros não devem se aliar ao regime anterior.
Finalmente, o governo de transição deve ter um objetivo claro, e deve estabelecer sistemas de votação em todo o país no menor tempo possível, de preferência não mais do que seis meses a partir de agora. Durante este tempo, todos os ministérios vitais devem funcionar como estão, até que os ministros sejam nomeados pelo governo recém-eleito. Os estratos superiores do NISS devem ser desmantelados e a comissão militar deve assumir o controle.
Este é um momento crítico para o Sudão, um momento em que o sonho, através das palavras mágicas de “tsgut bas”, pode se tornar realidade. O acúmulo de mágoa e sofrimento e o desejo de um Sudão melhor chegaram a este momento. Podemos progredir para além do domínio tirânico, da opressão institucional e da realidade econômica e política esmagadora. Estaremos nós, fortes e com as cabeças erguidas. Jahzeen, estamos prontos.
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