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Manifestantes sudaneses se reunem em frente ao quartel-general central exigindo um governo de transição civil em Cartum, Sudão. 12 de abril de 2019. [Stringer/Agência Anadolu]

Mesquitas regozijam-se com o apelo comemorativo de “Allahu Akbar, Allahu Akbar, Ia Illaha ila Allah!” (Deus é Grande, Deus é Grande; não há deus senão Deus); violinistas tocam “Ana baladi”; soldados beijam os mais velhos na testa. Estudantes, com os olhos marejados se sentem humildes frente à enorme massa de pessoas cantando “tsgut bas”. E uma mulher parada em cima de um carro aponta para o céu com o chamado da liberdade, que ecoa para as regiões mais distantes do Sudão, vibrando nas veias das mídias sociais; uma gloriosa vitória para todo o Sudão. Em 11 de março de 2019, a liberdade não é mais um sonho. O Sudão está paralisado. Há uma percepção vívida das perspectivas de um Sudão melhor; um Sudão que costumava existir apenas nas letras das canções de Mohammed Wardi está finalmente aqui.

Sempre que me pedem para descrever o Sudão para aqueles que não estão familiarizados com o país, eu costumo dizer que é um país com saúde gratuita, não porque a lei ou o governo garantam, mas porque cada pessoa tem um parente, um amigo ou um conhecido que é ou conhece um médico. Para os outros, há os altruístas que pairam fora dos hospitais, com maços de dinheiro procurando pagar contas médicas. É um lugar onde, a partir da idade da consciência, todo sudanês é designado a um dever, uma obrigação com o seu país e o seu povo; e ao longo da vida há um ser escondido nos cantos mais escuros da mente, para nos lembrar constantemente de nossos deveres. Somente quando a suave e misericordiosa foice da morte penetra e separa o espírito do corpo físico somos emancipados dessas obrigações. As primeiras palavras após a passagem de uma pessoa, depois de “descanse em paz”, são “jahiz”, que significa “pronto”; a pessoa cumpriu suas obrigações e agora está pronta para ser libertada. Um lugar onde os dois Nilos se encontram. Um lugar onde você pode encontrar quase todos os tipos de terreno. Um lugar pleno etnias e diversidade. Um lugar com uma história que remonta milhares de anos antes de Jesus (Que a paz esteja com ele). Um lugar que inspira atordoante admiração diante de sua beleza.

No Sudão hoje, as pessoas se alegram apenas brevemente. O presidente foi destituído e em seu lugar há militares encarregados do país. As pessoas estão muito familiarizadas com o regime militar e não serão silenciadas por mais 30 anos. Embora os militares tenham anunciado um período de transição de dois anos, isso não parece apaziguar o protesto popular. E agora? Parece haver um ciclo político na história sudanesa contemporânea, onde os sistemas de governo militar absoluto não permitem a diversidade política, e assim todos os esforços para combater a hegemonia militar são reprimidos e oprimidos. A opressão se acumula à indignação em massa e se manifesta na forma de uma revolução, apenas para ser trocada por outra hegemonia. Os manifestantes temem a repetição deste ciclo. Além disso, o Sudão tem sido atormentado por inúmeros grupos milicianos e exércitos leais a diferentes facções. E é necessário que haja um período de transição para estabelecer sistemas eleitorais; identificar as demandas dos manifestantes; e permitir que partidos oprimidos e oposição política se recuperem e que coalizões sejam formadas.

Manifestantes sudaneses pedem a demissão do presidente sudanês Omar Al-Bashir, em Cartum, no Sudão, em 7 de abril de 2019 [Stringer/Agência Anadolu]

A fim de assegurar que o período transitório precário não se prolongue indefinidamente, é necessário tomar algumas medidas. A principal delas é que o líder do comitê de transição não deve ter laços íntimos com o antigo regime; este é um novo Sudão, não uma nova versão do antigo Sudão. Criminosos de guerra ou líderes do NISS do Sudão, um aparato cujo único propósito é silenciar qualquer oposição ao governo, não devem chegar nem perto do governo. Eles empregariam uma série de práticas draconianas para silenciar os críticos, desde executar agressões sexuais em centros obscuros de tortura – as “casas fantasmas” – para mais tarde serem usadas como chantagem para silenciar os críticos, até o assassinato.

Em segundo lugar, o governo de transição deve incluir observadores neutros; pessoas que não têm interesse no resultado, para garantir que não usem essa plataforma para campanhas políticas. Os membros neutros do comitê devem preferencialmente ser advogados constitucionalistas, cientistas políticos e economistas conscientes da realidade do Sudão.

Em terceiro lugar, juntamente com o comitê de transição, deve haver uma comissão militar de prontidão, disposta a proteger e defender as fronteiras e os manifestantes do país neste momento crítico. Mais uma vez, os membros não devem se aliar ao regime anterior.

Finalmente, o governo de transição deve ter um objetivo claro, e deve estabelecer sistemas de votação em todo o país no menor tempo possível, de preferência não mais do que seis meses a partir de agora. Durante este tempo, todos os ministérios vitais devem funcionar como estão, até que os ministros sejam nomeados pelo governo recém-eleito. Os estratos superiores do NISS devem ser desmantelados e a comissão militar deve assumir o controle.

Este é um momento crítico para o Sudão, um momento em que o sonho, através das palavras mágicas de “tsgut bas”, pode se tornar realidade. O acúmulo de mágoa e sofrimento e o desejo de um Sudão melhor chegaram a este momento. Podemos progredir para além do domínio tirânico, da opressão institucional e da realidade econômica e política esmagadora. Estaremos nós, fortes e com as cabeças erguidas. Jahzeen, estamos prontos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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