O mundo testemunhou uma grande tragédia na Nova Zelândia, que resultou na morte de 50 pessoas e feriu dezenas de outras, incluindo crianças, durante as orações de sexta-feira em duas mesquitas.
Apenas algumas semanas atrás, um líder muçulmano pediu a uma capital ocidental que monitorasse as mesquitas, sob a justificativa (é claro!) de produzirem discursos extremista.
Há um elo crítico entre os dois eventos, pois as comunidades muçulmanas locais e no Ocidente sofrem hoje de um estado de orfandade e abandono. Lembremo-nos do fato de que todas as declarações racistas feitas por Trump em inúmeras ocasiões contra os muçulmanos não foram contrapostas por nenhuma reação factual ou razoavelmente considerável dos regimes árabes, como se o assunto não lhes importasse nem um pouco.
Isso aconteceu, indiferente ao fato da população das comunidades muçulmanas emigradas não residirem no Ocidente somente por benefício próprio, mas também porque muitos deles são acolhidos por parentes árabes em suas terras natais. Entretanto, também não leva seus regimes a lidar positivamente com essas populações.
Discutir as posições dos regimes parece inútil, o que significa que devemos olhar diretamente para as comunidades a que estamos nos referindo e suas reações ao massacre cometido. Casos menos sangrentos precederam este massacre, ainda nos últimos anos.
O que devemos dizer primeiro é que ninguém pode ignorar o fato de que parte das posições em relação às comunidades muçulmanas no Ocidente tem sido resultado de alguns atos temerários atribuídos a muçulmanos nos anos recentes, principalmente durante o novo milênio, acompanhados por discursos preocupantes. No entanto, esta é apenas uma parte do problema. Apesar da retórica extremista, adotada por certos grupos que reivindicam representar a totalidade do pensamento islâmico, ter de fato produzido alguns ataques aqui e ali, devemos lembrar ao mundo inteiro que se trata de uma perspectiva isolada e marginalizada, e que não expressa a postura essencial do islamismo, nem local, nem no exterior. Isso é demonstrado pelo fato de que milhões de turistas ocidentais visitaram países árabes e muçulmanos durante os anos de disseminação desta retórica, sem serem feridos ou importunados, salvo pouquíssimos incidentes. Como consequência, atribuir a responsabilidade pelo ataque na Nova Zelândia apenas à retórica extremista é evidentemente um erro, porque não devem ser ignoradas outras causas por trás do ataques.
Um dos motivos principais reside na retórica da direita racista que está crescendo e se espalhando no Ocidente. Neste caso, é um discurso de intolerância que pode incluir não-muçulmanos. Hoje, Donald Trump é um modelo de tal discurso discriminatório, que propaga o slogan “América primeiro”, embora os EUA sejam um país que promove a imigração e os imigrantes. Não obstante, o conceito nacional americano foi estabelecido por meios da discriminação racial contra os povos nativos.
O pior de tudo em relação à retórica racista é a retórica baseada na ideologia religiosa, que se concentra mais nos muçulmanos do que em outros. Na Nova Zelândia, uma raça em particular não foi alvo, mas sim uma religião específica. Os mortos deste ataque foram de todas as cores e raças. O fato do assassino ter mencionado inspiração pelas ações e discursos de Donald Trump, conhecido por sua discriminação contra a religião muçulmana, é prova suficiente disso, embora o assassino não tenha ocultado também sua ideologia religiosa.
Pode-se dizer que o ocorrido na Nova Zelândia deve dar às comunidades muçulmanas do Ocidente uma oportunidade para reagir e condenar esse discurso de intolerância, especificamente o fenômeno da “islamofobia”. Ao mesmo tempo, deve ser visto como um meio, ao mobilizar esforços, para expressar a si mesmo e à própria identidade, sem entrar em conflito com os outros. Ao contrário, deve fazê-lo enquanto estabelece uma coexistência positiva pela cidadania que não contradiga, portanto, outras identidades pessoais no Ocidente, além da identidade islâmica.
As comunidades muçulmanas no Ocidente precisam assumir uma postura incisiva por meio de seus representantes e suas ações, para que o sangue dos mártires na Nova Zelândia seja uma plataforma em direção a uma melhor perspectiva, mais esclarecida sobre seu papel e sua presença. Isso deve se distanciar das reações temerárias atribuídas aos muçulmanos.
Deve-se notar que qualquer condenação do ocorrido que ignore a expressão mais proeminente de racismo e ódio (isto é, Trump) é uma condenação incompleta. Também me faz lembrar de nossos regimes árabes, que permaneceram em silêncio diante de sua intolerância, bem como de suas posturas sobre as nossas principais questões, sobretudo a questão Palestina.
Este artigo foi publicado pela primeira vez em árabe em Al-Arab em 20 de março de 2019
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