No último dia de inscrição das listas de candidatura para as eleições israelenses, os partidos árabes, ainda atordoados pela decisão do líder do Movimento Árabe para Renovação (Ta’al), Ahmad Tibi, de romper com a Lista Conjunta, anunciaram outro movimento surpresa. O Ta’al agora se aliou ao partido Al-Jabha (Hadash), de Ayman Odeh, e a Lista Conjunta se dividiu então em duas facções principais: a parceria Ta’al-Al-Jabha opositora da União Democrática Nacional (Balad) e a coalizão da Lista Árabe Unida (Ra’am).
Para o parlamentar Yousef Jabareen, do Al-Jabha, esta decisão está no melhor dos interesses para o povo árabe de Israel: “A coisa mais importante agora que temos duas listas é manter a atmosfera de concorrência construtiva, aberta e positiva junto à comunidade árabe,” ele argumenta. “O fato de estarmos em duas listas agora não deve ser proibitivo à continuação dos esforços e cooperações conjuntos.”
A Lista Conjunta, primeira aliança entre partidos de liderança árabe em Israel, foi constituída durante a corrida eleitoral de 2015, e estima-se que recebeu ao menos 82 por cento dos votos palestinos em Israel, compondo a terceira maior coalizão do Knesset.
“Tentamos o nosso melhor nas últimas semanas para manter a lista,” afirma Jabareen. “No entanto, algumas disputas de poder em cada partido não nos permitiram alcançar um comprometimento pleno, mas estou satisfeito que conseguimos nos unir em duas listas.”
Apesar do rompimento, ele está otimista que ambos os partidos irão preservar seus assentos atuais nas próximas eleições, e vê até a possibilidade de ampliá-los: “Tenho esperanças de que faremos ainda melhor, ao invés dos 13 assentos que possuímos, podemos aumentar para 15 ou 16.”
Este sucesso, no entanto, depende do engajamento dos eleitores árabes. O comparecimento entre os cidadãos palestinos de Israel tem sido observado como menor do que público amplo israelense, o que contradiz o comportamento habitual de grupos minoritários que procuram ampliar sua representação na sociedade.
“Penso que, em Israel, sentimentos de desespero e talvez desconfiança em relação ao sistema político israelense têm causado a recusa de muitos árabes em participar das eleições”.
Jabureen afirma: “Eu definitivamente compreendo tais posicionamentos, mas acredito que nós, como comunidade nacional nativa que enfrenta discriminação, alienação e exclusão sistemática da esfera pública de nossa pátria, nós não temos o luxo de desistir e de abdicar de representação nestes postos de influência.”
O parlamentar árabe também acredita que a representação na esfera política de Israel pode mobilizar apoios da comunidade internacional: “Nosso trabalho no Knesset não é limitado ao trabalho parlamentar; por vezes, mesmo a mais importante de nossas funções é realizada fora do parlamento, seja em campo, ao fortalecer nossa comunidade… seja ao representar a causa e os valores de nossa comunidade na arena internacional.”
Às vésperas da eleição, agendadas para o início de abril, o partido Al-Jabha tem esperanças de garantir votos ao promover sua agenda de empoderamento socioeconômico dos cidadãos árabes de Israel, assim como de combate à exclusão e à discriminação que enfrentam na sociedade.
“Acreditamos que esta ala política no Knesset também pode afetar o mapa político de Israel. Possuímos interesses políticos para bloquear o crescimento dos partidos de direita israelenses, liderados pelo Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu,” Jabareen continua, argumentando que é possível evitar uma maioria de direita no parlamento.
“É uma possibilidade agora que há certa unidade no centro do mapa político de Israel,” ele diz, em referência à aliança de Benny Gantz e Yair Lapid para formar o Partido Azul e Branco, hoje levemente à frente do Likud de Netanyahu nas pesquisas. “Não estou dizendo que essa alternativa de governo seria uma alternativa real que adotasse nossas posições, mas acredito que enfraquecer os perigosos partidos de direita deve ser um objetivo comum de todos que possuem esperanças de avançar no processo de paz.”
É mais fácil negociar com políticos de partidos centristas, ao contrário da direita, argumenta Jabareen.
Ainda assim, apesar de Netanyahu enfrentar certa concorrência, o discurso político israelenses continua a ser dominado pela direita, auxiliada, em parte, de acordo com Jabareen, pela inaptidão da oposição em oferecer alternativas viáveis com o objetivo de promover a paz com os palestinos.
“As ruas israelenses de fato não escutam uma voz alternativa,” enfatiza o parlamentar. “Infelizmente, a alternativa atual apresentada por Gantz e Lapid, a nova coalizão de centro, até então também não apresentou uma alternativa real contra Netanyahu. Porém, talvez o público israelense lhes dará uma chance que possa mudar a atmosfera política.”
Ele critica Netanyahu como um agente provocador, que “atira gasolina no fogo”, ao citar um discurso recente no qual o primeiro-ministro advertiu os partidos judaicos concorrentes, declarando que estes seriam dependentes de partidos árabes que desejam abolir o estado de Israel.
“Essa é uma clara incitação contra os partidos árabes e a comunidade árabe em Israel, ao negar a ela o direito básico de participação política. É uma incitação perigosa em termos gerais, mas definitivamente perigosa quando declarada pelo próprio primeiro-ministro.”
Como membro do parlamento israelense, Jabareen testemunhou em primeiro-plano a aprovação da controversa Lei do Estado-Nação, no ano passado, a qual ele descreve como um resumo da “agenda política da extrema direita do governo de Netanyahu.”
“Sua aprovação aprofundou nosso status legal inferior,” ele afirma, ao se referir ao modo como a lei nega o direito a um estado para o povo palestino ao lado de Israel e estabelece Jerusalém como capital israelense. “O direito de autodeterminação tornou-se um direito exclusivo aos judeus.”
Jabareen também fala do papel dos Estados Unidos na política israelense; desde o início da presidência de Donald Trump, a relação entre Washington e Tel Aviv é propagandeada por ambos os lados como mais íntima do que jamais foi. O presidente americano vem cortando recursos aos refugiados palestinos assistidos pela agência UNRWA, e causou semanas de protestos em todo o mundo após reconhecer Jerusalém como capital de Israel. O genro de Trump – e seu conselheiro sênior – Jared Kushner também é amigo íntimo da família de Benjamin Netanyahu.
“Vemos claramente uma forma de coalizão que trabalha de forma pragmática por trás da direita israelense liderada por Netanyahu e da gestão de Donald Trump,” relata Jabareen. “Acredito que Trump lhes deu a luz verde para ir adiante com a Lei do Estado-Nação. De fato, a proposta é apresentada desde 2011; é a mudança na administração americana que permitiu ao governo Netanyahu que avançasse com essa legislação no ano passado.”
Jabareen reitera que o projeto resguarda o apartheid como lei: “É irônico que o mesmo estado que, há décadas, chegou à conclusão de que segregação racial é moral e legalmente errada esteja basicamente aprovando sistemas de segregação similares aqui em Israel, como se nada tivessem aprendido com a história.”
Embora as eleições que se aproximam possam oferecer oportunidades de crescimento de representatividade da causa palestina aos partidos árabes, Jabareen afirma que ainda mais precisa ser feito pelos governos estrangeiros para contrapor a influência parcial dos Estados Unidos.
“A menos que haja uma intervenção internacional que convença Israel a aderir ao consenso global de solução de dois estados, receio que a situação irá se deteriorar a um conflito contínuo e total,” ele conclui. “É um grito de alerta para a comunidade internacional, antes que seja tarde demais.”