Lembranças das revelações de torturas americanas em Abu Ghraib

O infame complexo prisional de Abu Ghraib no Iraque revelou-se o centro de uma rede extensiva administrada pelo exército dos Estados Unidos após a invasão da coalizão no país, em 2003. Abusos e tortura de prisioneiros iraquianos civis majoritariamente inocentes nas mãos de soldados americanos eram comuns. A verdadeira dimensão do que ocorria no complexo foi vazada em 28 de abril de 2004, um ano após a invasão e a queda de Saddam Hussein, e impressionou o mundo.

O quê: A tortura de prisioneiros na Prisão de Abu Ghraib, administrada pelos Estados Unidos, no Iraque

Onde: Abu Ghraib, Iraque

Quando: 28 de abril de 2004

O que aconteceu?

Após a invasão liderada pelos Estados Unidos no Iraque, em março de 2003, o exército americano passou a estabelecer e implementar sua administração por todo o país derrotado, o que incluía o funcionamento de uma rede vasta de complexos prisionais que detinham civis e suspeitos de participar na insurgência iraquiana. Uma dessas prisão era Abu Ghraib, a 32 quilômetros da capital Bagdá, célebre por atos de tortura e pelas condições de vida absolutamente precárias durante o período de Saddam Hussein. Foi demolida no decorrer das invasões e então reformada pelas forças de coalizão americanas, em 2003.

Janis Kerpinski, General da Brigada da Reserva do Exército americano, foi incumbido de comandar as prisões militares dos Estados Unidos em todo o Iraque, incluindo Abu Ghraib, devido ao seu posto de comandante da 800ª Brigada da Polícia Militar. Apesar da experiência como oficial de inteligência e operações e de seu serviço na Guerra do Golfo, em 1991, e nas Forças Especiais, Karpinski não possuía experiência alguma na administração de um sistema prisional ou na tratativa com prisioneiros; é importante notar, tampouco possuíam tal expertise a maior parte dos soldados sob seu comando.

No decorrer do ano seguinte, a administração americana de Abu Ghraib utilizou diversas técnicas de interrogatório e tortura brutal, em particular nos meses de outubro e novembro de 2003. A situação começou a mudar, no entanto, em 31 de janeiro de 2004, quando o Major-General Antonio M. Taguba foi indicado para conduzir uma investigação formal quanto aos abusos de tratamento na prisão e às atrocidades cometidas contra os prisioneiros. Em 3 março, o Relatório Taguba estava completo e acusações foram subsequentemente registradas contra seis soldados declarados cúmplices dos crimes.

Vítima de tortura de Abu Ghraib [foto de arquivo]

Os fatos concretos e detalhes da tortura, no entanto, só tornaram-se públicos em 28 de abril de 2004, quando Donald H. Rumsfeld, Secretário de Defesa dos Estados Unidos, apresentou o relatório ao Congresso e a rede CBS transmitiu fotografias dos abusos aos prisioneiros de Abu Ghraib em seu programa “60 Minutes 2”. O que se revelou foi a dimensão dos crimes de tortura e abuso cometidos por soldados americanos. Ainda mais assustador era o fato de que a grande maioria – 70 a 90 por cento – dos prisioneiros de Abu Ghraib eram inocentes civis detidos por engano, conforme a Cruz Vermelha Internacional.

Exemplos de técnicas de interrogatório utilizadas pelos soldados contra os prisioneiros incluíam “quebrar lâmpadas químicas e derramar o líquido fosfórico sobre os detidos; derramar água gelada sobre prisioneiros nus; espancar os detidos com cabos de vassoura ou cadeiras; ameaçar prisioneiros homens de estupro; permitir a um guarda da polícia militar que dê pontos nas feridas de prisioneiros lesionados ao serem arremessados contra a parede de suas celas; sodomizar prisioneiros com lâmpadas químicas ou talvez cabos de vassoura; e utilizar cachorros operacionais da polícia militar para apavorar e intimidar os detidos sob ameaça de ataques ou, em um caso específico, permitir que o animal de fato morda o prisioneiro.”

Todos os abusos e torturas que foram documentados – descobertos ilegais, deliberados e sistemáticos – foram cometidos por soldados da 371ª Companhia da Polícia Militar, ligada a um batalhão de responsabilidade dos quartéis generais da brigada de Karpinski.

O legado de Abu Ghraib

No decorrer dos meses seguintes, nos quais prosseguiram as investigações, revelaram-se ainda outras atrocidades e seus autores em Abu Ghraib, outros soldados e oficiais de alto-escalão foram indiciados. Houve algum vestígio de justiça após as revelações, tais quais a libertação de mais de quinhentos prisioneiros nos últimos dias de maio de 2004; o sentenciamento de alguns dos cúmplices nos abusos; e uma queda de 75 por cento dos casos registrados de abusos e mortes de prisioneiros após a revelação dos fatos.

Soldados americanos durante a invasão em Bagdá, Iraque, 2003 [DVIDSHUB/Flickr]

O legado de Abu Ghraib, entretanto, não desapareceu. Dentre a administração de Bush, houve quem encontrasse ainda formas de justificar seus métodos, interrogatórios e atrocidades sob o direito internacional. Em 11 de maio de 2004, por exemplo, Rumsfeld relatou a membros do Subcomitê de Defesa de Apropriações do Senado que os métodos foram autorizados e corroborados por advogados do Pentágono conforme as resoluções de Convenção de Genebra quanto ao tratamento de prisioneiros. Contudo, em 8 de junho, o Washington Post obteve um memorando escrito em 2002 como evidência de que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos havia aconselhado a Casa Branca a favor da tortura de prisioneiros suspeitos de envolvimento terrorista com a Al-Qaeda em terras estrangeiras, como algo “potencialmente justificável” à medida que as leis internacionais contra tortura “podem ser consideradas inconstitucionais caso aplicadas para interrogatórios” conduzidos na guerra ao terror.

Tal guerra ao terror, causa primária dos causus belli à invasão do Iraque e das subsequentes atrocidades, persevera com reverberações regionais e mundiais. A revelação das atrocidades cometidas em Abu Ghraib revelou ao mundo as injustiças perpetradas pela aparentemente interminável guerra ao terror; um legado trágico do complexo prisional iraquiano marcado para sempre.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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