Benjamin Netanyahu conquistou uma vitória eleitoral espetacular, sua quarta na última década. No entanto, apesar de os adeptos terem mais uma vez se curvado ao rei Bibi, sua festa da vitória pode não durar muito. A nova coalizão de Netanyahu representa pouco mais do que uma reencarnação da última, e seu primeiro ano será marcado pelas mesmas divisões que ameaçavam derrubar o governo anterior.
Vida longa ao rei
A eleição foi um final emocionante para a temporada da novela eleitoral de Israel. Tendo assistido a eventos se desenrolarem desde que o Knesset foi dissolvido em dezembro, com as pesquisas flutuando descontroladamente e os candidatos chegando enlameados a novos e sujos patamares, a perspectiva de que Netanyahu pudesse ser destronado parecia quase boa demais para ser verdade. Quando as pesquisas de boca de urna revelaram o primeiro-ministro nas cordas e seu cintilante novo rival, Benny Gantz, à beira de fazer história, todos prenderam a respiração.
Imagens da sede do partido Likud eram estranhamente silenciosas; caberiam bem imagens dos arbustos dos desertos dançando pela tela desolada (como em filmes do velho oeste). Enquanto isso, no QG de Gantz, fluxos de confete azul e branco e cenas de júbilo indicavam que, talvez, 2019 fosse o ano em que Netanyahu seria derrotado.
Infelizmente, não era para ser. Ao contrário de Gantz, que se apressou em fazer seu discurso de vitória, Netanyahu fez uma pausa, se recompôs e esperou que a realidade se estabelecesse. As pesquisas de opinião em Israel são notoriamente pouco confiáveis, e à medida em que a noite avançava e os primeiros votos oficiais surgiam, foi o rei Bibi que saiu por cima. Nas primeiras horas da manhã, tudo estava praticamente normal, com Netanyahu fazendo outro discurso empolgado e torcedores leais aplaudindo.
Não importa o que pense sobre Netanyahu como primeiro-ministro, político ou, mesmo como ser humano, não se pode negar que ele joga melhor do que seus rivais políticos. Ele vomita veneno quando necessário, jogando no tribalismo profundo da sociedade israelense para garantir votos à custa das minorias do país. Ele se associa aos homens fortes do mundo para polir sua imagem de Sr. Segurança e Bibi-Resolve. Ao lado de trunfos representados pelas medidas de Trump, Netanyahu segura suas cartadas finais escondidas até o último minuto, jogando-as na mesa no momento exato para um efeito devastador.
Uma vitória de curta duração
Ao garantir a reeleição, Netanyahu cimentou seu lugar como o rei dos reis, superando até o fundador do estado, David Ben Gurion, nos anais da história de Israel. No entanto, embora inevitavelmente passe as próximas semanas no calor dessa glória, seu circuito da vitória pode ser de curta duração.
Netanyahu está enfrentando a mesma situação que atormenta todos os primeiros-ministros israelenses – como formar uma forte coalizão a partir de uma fusão de partidos que têm menos em comum do que aquilo que os une. Sim, todos esses partidos pertencem ao bloco de direita, o qual mais uma vez se mostrou dominante esta semana. No entanto, abaixo desse alinhamento de nível superficial, os partidos que parecem compor a coalizão de Netanyahu são veementemente opostos uns aos outros e discordam sobre uma série de questões existenciais que o governo de Israel enfrenta.
O “acordo do século”
Em primeiro lugar, na lista de crises existenciais de Israel, está o tão esperado “acordo do século”, plano do presidente dos EUA, Donald Trump, que promete ter sucesso onde décadas de negociações de paz fracassaram. Atrasado mais uma vez, o acordo está supostamente pronto, mas mantido em sigilo até que Netanyahu forme seu novo governo, aparentemente a pedido do primeiro-ministro.
Embora muitos tenham visto isso como evidência da influência de Netanyahu sobre a Casa Branca, o que seu pedido por esse atraso na verdade mostra é que, apesar de sua postura, o acordo poderia causar-lhe sérios danos. O motivo não está no fato de que, como afirmou o governo Trump, “ambos os lados precisarão fazer concessões”, mas porque é improvável que as facções do Knesset se unam em torno do acordo
Apenas alguns dias após a eleição, o “acordo do século” já mexe com os nervos. O controverso membro eleito do Knesset, Bezalel Smotrich, que lidera a facção da União Nacional e está em segundo lugar na lista da União dos Partidos de Direita (URWP) – disse quarta-feira que seu partido não participaria de um governo que considerasse o plano de paz do presidente Trump.
“Não negocio um plano que estabelece um estado terrorista na fronteira do Estado de Israel”, afirmou Smotrich à rádio Kan, em referência a um futuro Estado palestino na Cisjordânia ocupada e na Faixa de Gaza. “Se ele [Netanyahu] cogita o plano de Trump, tudo bem. Mas se seguir adiante, provavelmente não terá um governo de direita. Não só por nossa causa, mas por seus próprios companheiros do Likud”, acrescentou.
Netanyahu precisa de Smotrich ao seu lado; embora seu partido da União Nacional represente apenas uma pequena proporção do URWP, suas declarações controversas e pontos de vista pró-assentamento fizeram dele um messias na direita. Isso, combinado com o fato de que Netanyahu deve a URWP por trazer o outrora intocável Otzma Yehudit para o rebanho, faz com que o ultimato de Smotrich seja ainda mais ameaçador para a estabilidade da coalizão.
O projeto de lei Haredi
Previsto para julho, o veredicto pendente sobre o chamado projeto de lei Haredi ameaça enfurecer um elemento muito mais poderoso da coalizão: os ultraortodoxos. Os dois partidos ultraortodoxos Shas e United Torah Judaism (UTJ) prometeram ficar ao lado de Netanyahu se ele fosse reeleito, tendo recebido numerosas concessões para os Haredim em troca de sua lealdade aos governos anteriores de Netanyahu. Eles agora trazem um total de 15 assentos para a nova coalizão, oito do Shas e sete da UTJ.
No entanto, sob esse casamento de conveniência, nuvens de tempestade estão se formando. Estes vieram na forma do projeto de lei Haredi, que procura recrutar os ultraortodoxos para o exército israelense, um dever do qual eles estão atualmente isentos. Em setembro de 2017, a Suprema Corte de Israel derrubou a lei atual, concedendo ao governo um ano para emendar a legislação ou enfrentar um recrutamento automático de jovens ultraortodoxos.
Uma alternativa propõe metas anuais mínimas para o alistamento ultraortodoxo que, se não forem cumpridas, resultariam em penalidades financeiras para aqueles yeshivás que ficarem abaixo do limite. Os partidos ultraortodoxos, naturalmente, lutaram veementemente contra essa emenda, levando a Suprema Corte a estender o prazo da lei em uma tentativa de aliviar as tensões e manter a coalizão governante em vigor.
A última prorrogação foi concedida em dezembro, depois que o então ministro da Defesa, Avigdor Lieberman – que liderou o recrutamento como parte de seu ataque aos ultraortodoxos – renunciou à sua posição, deixando a coalizão em risco de não sobreviver à votação.
Na época, comentaristas especularam que esse impasse poderia causar o colapso do governo. A esse respeito, a nova coalizão não será diferente, confiando mais uma vez nos mesmos partidos ultraortodoxos que há tanto tempo se opõem a qualquer progresso no assunto. No entanto, desta vez, as lutas de Netanyahu serão agravadas pelo fato de que o partido de Lieberman, Yisrael Beiteinu, possui cinco assentos – a quantia exata que pode derrubar sua maioria.
Lieberman conduziu sua campanha eleitoral atacando os Haredim, chegando ao ponto de compará-los ao Hamas – seu outro inimigo – com o slogan “não importa se você se render àqueles que levantam armas [Hamas] ou aqueles que se recusam a levantar armas [o Haredim]. Rendição é render-se.” Lieberman estará bem ciente de sua recém alcançada posição de líder, e inevitavelmente usará isso como alavanca para cumprir suas promessas de campanha.
Julgamento de Netanyahu por corrupção
Diante de tantos desafios, a prisão pode parecer a Netanyahu uma alternativa atraente. Depois de anos de investigações policiais, no que ficou conhecido como casos 1000, 2000 e 4000, o procurador-geral Avichai Mandelblit recomendou em fevereiro que Netanyahu fosse indiciado por várias acusações de suborno, fraude e quebra de confiança. Se for considerado culpado, pode receber uma sentença de prisão de até dez anos.
O julgamento de Netanyahu foi originalmente programado para o mais tardar até 10 de julho, mas surgiram notícias esta semana de que o Mandelblit está considerando adiar o processo até setembro. Isso, é claro, ocorre a pedido de Netanyahu e de sua equipe jurídica, que tem pressionado continuamente o Mandelblit para adiar suas decisões, de acordo com sua própria escala de tempo.
Netanyahu já iniciou as manobras necessárias para manter sua coalizão se ele for indiciado. Na sexta-feira, seu partido, Likud, teria entrado em contato com o partido Kulanu, do ministro das Finanças, Moshe Kahlon – que ganhou quatro assentos na eleição de terça-feira e deve se juntar à coalizão – para sugerir uma fusão. Kahlon alegou anteriormente que ele não se sentaria em um governo de Netanyahu se este fosse indiciado, sugerindo que a iniciativa de Netanyahu seja uma tentativa de garantir que ele não possa deixar a coalizão se isso acontecer.
Netanyahu não é estranho a esses esquemas intrincados e não perdeu tempo em elaborar um plano para garantir outro reinado de sucesso. Talvez a demora, tanto no “acordo do século” quanto no projeto de lei Haredi, seja parte de uma estratégia cuidadosamente elaborada, ganhando tempo até que seu destino seja decidido no tribunal. Se ele for considerado culpado, poderá deixar essas perguntas para como um problema para o seu sucessor, um cenário que poderia bem servir à sua narrativa de invencibilidade.
Uma coisa pode ser dita com certeza; se os espectadores pensavam que a vitória de Netanyahu seria absoluta, que sua nova coalizão transcenderia a soma confusa de suas partes, e que com ela o drama da política israelense morreria esta semana, eles irão se mostrar tristemente enganados. Netanyahu enfrenta outro ano difícil, e pode ser justamente seu último ano como primeiro-ministro de Israel.
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