Entre os países intrometidos nos assuntos internos da Líbia, haveria aqueles que transformam seus conflitos domésticos em guerras por procuração, ao invés de respeitarem seus limites? Tais países estariam ajudando a espalhar as chamas que se mantiveram inflamando na Líbia nos últimos oito anos? Por que as Organização das Nações Unidas não pode barrá-los, aplicando suas muitas resoluções que tornam ilegais intervenções estrangeiras nos assuntos internos da Líbia?
De fato, os países da região e as potências internacionais intervêm na Líbia desde quando o conflito eclodiu, em fevereiro de 2011. Nos últimos oito anos, a Líbia se tornou um campo de batalha entre interesses e ideologias conflitantes.
O Qatar, desde o princípio, se apresentou como o maior defensor da chamada “Revolução de 17 de fevereiro”, a versão líbia da Primavera Árabe. Agora, portanto, afirma somente auxiliar o povo líbio a decidir seu próprio futuro. Doha apoia Abdel Hakim Belhaj e as milícias regionais da Líbia, na cidade de Misurata.
A Turquia, membro da OTAN e parceira econômica de longa data, participou da intervenção militar de 2011 na Líbia, que derrubou a duradoura ditadura de Muammar Gaddafi. Ancara, como Doha, presta auxílio a duas facções na Líbia; particularmente em Misurata, com raízes históricas turcas que remontam ao Império Otomano.
Ao longo desse eixo Doha-Ancara, o Sudão, vizinho do sudoeste da Líbia, até recentemente funcionava como um trampolim, atravessando armas para as facções líbias tuteladas por Doha.
Do outro lado, em oposição, estão Egito, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Estes países decidiram se unir para erradicar qualquer idéia remanescente deixada pela Primavera Árabe. O Cairo, sob domínio do presidente Abdel Fattah Al-Sisi, líder de um golpe de estado, e Riad, desde o início do governo de fato de Mohamed Bin Salman, em 2017, aliaram-se tanto na Líbia quanto no Iêmen. Os líderes egípcios sentem uma ameaça imediata enquanto a vizinha Líbia permanecer sob o caos, sem governo central.
Al-Sisi está certo ao se preocupar com as ameaças de segurança representadas pela anarquia na Líbia ao Egito. Ao general também desagrada a ideia de demasiada democracia ou de pouco controle diante dos riscos de segurança. Portanto, vê Haftar como a melhor escolha para a Líbia.
Riad e Abu Dhabi também desejam manter sob controle a emergente influência regional de Ancara.
Essa tríade fornece a Haftar todo o tipo de apoio. Os Emirados Árabes Unidos são acusados, por exemplo, de participação factual nas agressões através do uso de drones característicos de seu exército.
Do outro lado do Mediterrâneo, encontramos Itália e França em disputa sobre quem tem o direito de intervir na Líbia sem serem questionadas. Roma, antiga potência colonial do país, pensa que os outros países europeus deveriam agir conforme suas diretrizes. Em contrapartida, Paris acredita que a atual coalizão de governo em Roma não hesitaria em humilhar a França de qualquer forma possível. Mesmo após a visita de Fayez Al-Sarraj, líder do governo líbio reconhecido pela ONU, ontem às duas capitais europeias, ambos os países, no discurso, insistem no diálogo entre as facções na Líbia. Contudo, em campo, a França apoia Haftar e Roma apoia Al-Sarraj.
No fundo, nem Paris nem Roma acreditam que a força do outro representa uma ameaça aos seus interesses energéticos (gás e petróleo) no território líbio. De fato, boa parte do conflito entre França e Itália é relacionada a políticas europeias mais amplas, nas quais a coalizão italiana, atualmente no poder, se ressente dos esforços contundentes de Emmanuel Macron em busca de maior integração europeia, mesmo nas questões de defesa.
Em conclusão, os líbios lutam guerras de outros países, às custas de seu próprio povo e economia. A Líbia continuará a decair em guerras esporádicas, desde que as milícias estejam dispostas a se alinhar com potências estrangeiras regionais e internacionais.
A mesma análise aplica-se à Rússia, aos Estados Unidos e ao Reino Unido. Todas essas potências mundiais gostariam de ter uma base na Líbia estrategicamente localizada, embora não estejam dispostas a fazê-lo dentro das normas das relações internacionais, através das quais Estados soberanos firmam acordos de cooperação mutuamente respeitados. Tais potências preferem fantoches, não parceiros.
As resoluções 1970, 1973 e 2420, adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU nos últimos oito anos, decretam o embargo de armas e nenhuma intervenção nos assuntos da Líbia. Porém, a ONU é incapaz de executá-las. O órgão internacional sabe muito bem quem viola tais resoluções e quem ajuda a destruir a Líbia e desestabilizar toda a região; entretanto, suas ações são limitadas. Até agora, as Nações Unidas fracassaram em sugerir qualquer tipo de penalidade para esses países. Como sempre, países com poder de veto no Conselho de Segurança – EUA, Rússia, França e Reino Unido – não concordam em como lidar com a situação na Líbia. Este mesmo grupo, no entanto, esteve de acordo em 2011 e os militares intervieram no país empurrando-o para queda livre.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.