“Todo palestino em Jerusalém é alvo da ocupação israelense,” disse o arcebispo palestino da Igreja Greco-Ortodoxa de Jerusalém, Atallah Hanna, em 29 de janeiro, durante um encontro com uma delegação dos Médicos sem Fronteiras, organização internacional de ajuda médica e humanitária.
“Os lugares sagrados e subsídios cristãos e muçulmanos são almejados com o objetivo de transformar nossa cidade, esconder sua identidade e marginalizar nossa existência árabe e palestina,” acrescenta o arcebispo.
Hanna, que está na vanguarda da luta dos palestinos cristãos e muçulmanos contra os planos de judaização de Israel, está evidentemente certo em sua observação sobre Jerusalém como alvo. Contudo, a verdade é que há uma campanha sistemática para despojar não somente a cidade santa de sua identidade palestina, mas todo o território.
Alguns dias após os comentários do líder cristão, autoridades israelenses realizaram escavações na mesquita histórica de Al-Bahr, na cidade de Tiberias, costa ocidental do Mar da Galileia. Em seu lugar, Israel pretende estabelecer um museu, prática muito comum no passado a fim de apagar símbolos históricos da existência palestina.
O desprezo israelense pelos direitos históricos do povo palestino está profundamente enraizado na ideologia sionista. De fato, desde o princípio, ideólogos sionistas promoveram a ideia de que a Palestina era um local desprovido de cultura ou herança cultural – um deserto árido, à espera dos pioneiros sionistas para fazê-lo “florescer”.
Para que tais afirmações obtivessem algum grau de verossimilhança e a fim de consolidar o mito da Palestina como “terra sem povo para um povo sem terra”, o movimento sionista precisou erradicar a própria existência do povo palestino.
Após o estabelecimento do Estado de Israel, seus líderes jamais mantiveram segredo de que essas eram suas intenções. “Não é verdade que havia um povo palestino na Palestina considerando a si mesmo como povo palestino. Não é verdade que viemos e roubamos o país deles. O povo palestino simplesmente não existe”, disse a Primeira-Ministra de Israel Golda Meir (1969-74) em entrevista ao the Sunday Times, em junho de 1969.
O conceito de que os palestinos não são um povo com noção coletiva de nacionalidade perseverou como um aspecto essencial do sionismo até os dias atuais e se espalhou para além das fronteiras de Israel. Cristãos evangélicos americanos, em particular, são ávidos adeptos da ideia, o que levou alguns políticos americanos a também abraçá-la publicamente. Em 2011, por exemplo, Newt Gingrich, então candidato à presidência dos Estados Unidos, declarou à emissora de TV the Jewish Channel que os palestinos eram um “povo inventado”.
A aplicação prática dessas ideias resultou em um processo paralelo: para a construção de qualquer estrutura judaico-israelense – cidades, assentamentos, anéis rodoviários ou inúmeros edifícios de arte, cultura e religião, entre outros – tornou-se necessário demolir e apagar cidades, aldeias, ruas, casas, sítios culturais e religiosos da Palestina histórica.
Em 19 de julho de 2018, o Knesset israelense aprovou a “Lei Básica do Estado-Nação”, praticamente sancionando em termos oficiais o regime de apartheid, ao definir Israel como pátria nacional do povo judeu e marginalizar a população palestina, sua história e idioma. No entanto, a lei é somente o ápice de décadas de esforços discriminatórios.
Durante o mandato britânico, por exemplo, as autoridades coloniais utilizavam predominantemente nomes árabes para localidades, cidades e aldeias; havia cerca de 3.700 dessas denominações. Em contraste, havia somente duzentos topônimos hebraicos, a maior parte assentamentos judeus, incluindo assentamentos recentes em processo de construção sob a tutela do movimento sionista. Este era um indicativo razoável da distribuição demográfica e da propriedade de terras na Palestina da época. Na década de 1920, início do mandato britânico, os judeus (inclusive colonos recém-chegados) eram apenas onze por cento da população total.
Porém, assim que foi criado o Estado de Israel, contra a vontade do povo palestino e do restante da população árabe no Oriente Médio, foi lançada uma campanha feroz para “remapear” a Palestina.
Um carta de 1948, enviada por Yitzhak Gruenbaum, então Ministro do Interior do Estado de Israel, dizia: “Os nomes convencionais devem ser substituídos por novos nomes… para tanto, com o objetivo de consolidar nossa presença como fato histórico e nos aclamar como um povo saudável cujas raízes estão plantadas no solo deste país, devemos dar início à hebraização fundamental de nossos mapas nacionais.”
Pouco depois, uma comissão do governo foi criada e encarregada de renomear tudo que fosse palestino para que o novo estado pudesse reivindicar suas cidades, aldeias e toda uma variedade de áreas geográficas.
Outra carta, escrita em agosto de 1957 por um oficial israelense do Ministério de Assuntos Exteriores, exigia que o Departamento Israelense de Antiguidades acelerasse o processo de destruição das casas palestinas durante a Nakba. “As ruínas das aldeias árabes e dos bairros árabes, ou os edifícios vazios desde 1948, levantam associações contundentes que resultam em considerável dano político.” Concluía, “Devem ser eliminadas.”
Os primeiros sionistas estavam errados. Destruir as aldeias palestinas, mudar os nomes das ruas e demolir mesquitas e igrejas não podem poderão alcançar o objetivo de apagar a identidade de toda uma nação.
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