A primeira parlamentar de descendência palestina na Grã-Bretanha prepara um debate histórico para que o governo reconheça oficialmente o estado da Palestina, projeto que ela afirma ser provavelmente o “mais pessoal e comovente” conjunto de leis apresentado por ela desde sua posse em Westminster.Liberal-democrata e estrela política em ascensão, Layla Moran chocou as fileiras do Partido Conservador ao insurgir uma maioria de dez mil votos nas Eleições Gerais de 2017 e vencer no distrito de Oxford West Abington, considerado até então como cadeira segura do partido Tory. Na segunda quinzena de março, voltou a chocá-los com a segunda leitura de seu Projeto de Lei Particular, que propõe o reconhecimento da Palestina como estado pela Grã-Bretanha.
Desde a chegada de Moran em Westminster, a Palestina ocupada e Gaza em particular, tem sofrido alguns dos piores atos de violência praticados pela brutal ocupação israelense. Em um artigo para The House, revista de circulação interna do Parlamento, publicado nesta segunda-feira (18 de março), ela afirmou: “Há apenas alguns meses, após o aniversário da Nakba [a Catástrofe Palestina, ou criação do estado de Israel, em 1948], imagens horríveis dos mortos e feridos, homens, mulheres e crianças palestinas, estavam em todos os lugares. A violência é injustificável e inaceitável. Meu coração está partido pela Palestina e pelo povo palestino. Tenho família lá; é parte de quem sou.”
Prosseguiu ao destacar que a decisão “inflamatória” do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump de transferir a embaixada americana para Jerusalém, neste mesmo período, intensificou os sentimentos de profunda injustiça. “Sua retórica e suas decisões servem como catalisador à violência e para demonstrar seu desprezo pelo processo de paz, pela solução de dois estados e pela Palestina.”
Moran, cotada como possível líder do Partido Liberal-Democrata, explicou que: “Ao dar testemunho de minha ainda recente posição nas cadeiras do parlamento, senti (e ainda sinto) uma responsabilidade de fazer tudo que posso para ajudar na restauração da esperança dos palestinos. Caminho agora nos corredores do mesmo lugar que implementou a declaração de Balfour, há tantos anos atrás, e acredito que a Grã-Bretanha possui um dever a cumprir devido a esse documento. Temos a responsabilidade histórica de nos posicionar. A paz só pode ser alcançada através da solução de dois estados. Porém, enquanto não se tratarem de estados iguais, não é razoável colocar a responsabilidade dos acordos de paz somente sobre seus ombros.”
A transferência da embaixada americana para Jerusalém, promovida por Trump, foi outro lembrete gritante da desigualdade de condições entre Israel e Palestina, ela acrescentou. “Também é um lembrete de que o Reino Unido pode e deve usar de sua voz, através do Conselho de Segurança [da ONU] e de outras plataformas, para contribuir à retomada das negociações de paz com base na solução de dois estados, com Jerusalém como capital compartilhada. Não apenas temos uma responsabilidade em fazê-lo, devido ao nosso papel na declaração de balfour, como também é a coisa certa a fazer.”
O artigo é extremamente crítico ao processo de paz que, conforme ela diz, “não está presente em lugar algum”. Moran acusa membros da comunidade internacional de ignorar ou não compreender que o processo é agora “uma falácia”. Ao acusar radicais de ambos os lados de sequestrar a agenda a seu favor, ela também é crítica ao Hamas, afirmando que “a presença [do movimento] está fazendo retroceder o diálogo consideravelmente”.
No último mês de novembro, Moran esteve presente em outras manchetes com um ataque mordaz a Donald Trump, quando o presidente decidiu afundar a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) em uma crise financeira, ao reduzir a doação anual de Washington à agência. Como maior estado-doador da UNRWA, os efeitos do corte sobre os serviços essenciais fornecidos a milhões de refugiados palestinos foi severo, incluindo serviços sociais, de saúde pública e educação.
Com os Estados Unidos à margem de impor um “acordo do século” sobre os palestinos, Moran insiste que é mais importante do que nunca para a Grã-Bretanha se posicionar e usar de sua influência e voz. “O Reino Unido pode ajudar a restaurar o senso de esperança para os palestinos, podemos ajudar a trazer os partidos de volta à mesa de negociações e podemos ajudar a nivelar o tabuleiro. Mas só podemos fazê-lo caso reconheçamos o estado da Palestina. Dizer que acreditamos na solução de dois estados sem reconhecer um destes estados seria comicamente hipócrita se não fosse tão pernicioso.”
Em 2012, a Assembleia Geral das Nações Unidas garantiu à Palestina o status de estado observador não-filiado. Até então, foi reconhecida por 137 dos 193 países membros das Nações Unidas.
De acordo com Moran, seu projeto de lei irá pavimentar o caminho para o “devido reconhecimento” da Palestina como estado pelo governo britânico. “Sou palestina,” conclui. “Existe um estado palestino e é hora do Reino Unido reconhecê-lo.”
A mãe de Moran, Randa, é uma cristã palestina de Jerusalém e a congressista ainda possui família vivendo na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. A carreira de seu pai, um diplomata britânico, levou a família a viajar o mundo. Ela fala quatro idiomas além do inglês – francês, árabe, espanhol e grego – e não é a única de sua família a ter caráter de notoriedade. Sua bisavó, Wasig Jawhariyyeh, foi uma escritora celebrada que produziu uma série de memórias em torno da vida palestina sob domínio otomano e britânico, antes de fugir da Palestina quando foi criado o Estado de Israel.
A performance da parlamentar de 36 anos de idade, na sexta-feira (22 de março) será analisada de perto pelo Embaixador palestino em Londres, Dr. Husam Zumlot. Em 2018, ele relatou ao MEMO que o futuro debate em torno da soberania irá criar a atmosfera apropriada para uma “paz justa” no Oriente Médio , como porta de entrada para discutir e incentivar decisões de paz. Antes de se mudar para Londres, onde fez seu doutorado, Zumlot foi o principal diplomata da Organização para a Libertação da Palestina nos Estados Unidos, até o último mês de setembro, quando a gestão Trump decidiu fechar o escritório da OLP em Washington, como parte de um esforço para bloquear movimentos contrários a Israel na Corte Criminal Internacional.
Caso seu projeto de lei seja bem-sucedido, o reconhecimento da soberania palestina será um fator decisivo, graças à legisladora palestino-britânica em Westminster, onde a controversa declaração foi escrita pelo Lorde Arthur James Balfour, em 1917. Será um presságio o fato de Layla Moran ter entrado no Parlamento no ano do centenário da carta de Balfour ao Lorde Walter Rothschild, prometendo o apoio britânico a um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina? Saberemos adiante.