Desde 1948, Abu Ibrahim tem esperado para retornar à residência simples que ele e o pai construíram em sua aldeia, invadida por forças nascentes da ocupação israelense e transformada então em um assentamento agrário moshav. Embora tenha perdido a maioria de seus parentes e amigos que fugiram da aldeia com ele, Abu Ibrahim ainda possui esperanças de um dia retornar.
“Caso eu não retorne vivo para viver em minha casa,” ele contou ao MEMO na véspera do 71° aniversário de sua Nakba pessoal, “espero retornar morto e ser enterrado no cemitério de minha aldeia.”
Mohammad Ibrahim Al-Najjar – conhecido pelo kunya Abu Ibrahim – tem agora 88 anos de idade. A memória de sua aldeia, Yasur, inclui a maneira como ele e seus parentes e amigos sofreram limpeza étnica sob a artilharia pesada de gangues terroristas judaicas.
De acordo com Abu Ibrahim, todos os palestinos viviam, na época, uma vida “simples” e “estável” em suas aldeias e cidades por toda a Palestina histórica. “Como a maioria das aldeias,” ele explicou, “em Yasur vivíamos de cultivar nossos animais. As pessoas que viviam nas cidades costumavam trabalhar em fábricas ou no transporte.”
Yasur era uma aldeia palestina 40 quilômetros a nordeste da Faixa de Gaza. Os sionistas expulsaram os residentes – mais de mil pessoas – sob mão armada, em junho de 1948, e construíram o moshav chamado Talmei Yechi. Os residentes de Yasur fugiram para outras aldeias e passaram por Al-Majdal, agora Ashkelon, antes de chegar a Gaza, onde ficaram. Hoje, eles e seus descendentes vivem como refugiados em Gaza e a diáspora ampla é estimada em mais de 7.000 pessoas.
Quando Abu Ibrahim alcançou idade suficiente para compreender a ocupação britânica da Palestina, perguntou ao seu pai sobre a presença militar em três lados de sua aldeia. “No lado oeste,” ele lembrou, “havia um aeroporto. No sul, havia um campo militar. No norte, os quartéis.”
Durante o período do Mandato Britânico, afirmou, os residentes de Yasur não sofreram muito, mas eram proibidos de possuir qualquer tipo de armamentos, mesmo que uma única bala. “Caso alguém tivesse uma bala, poderia ser enviado para a prisão por anos e anos.” Judeus palestinos, no entanto, possuíam permissão para comprar, portar e armazenar armas.
“Os residentes de nossa aldeia eram pacíficos. Muitos deles, incluindo meu pai, trabalhavam nos campos britânicos ao lado dos ocupantes e dos imigrantes judeus e, no fim do dia, iam trabalhar nas fazendas enquanto os judeus iam aos campos de treinamento militar administrados pelas autoridades de ocupação britânica.”
Abu Ibrahim era jovem demais para se lembrar muito dos levantes palestinos da década de 1930; contudo, na década seguinte, segundo ele, tinha idade o bastante para observar e recordar. “As gangues judaicas começaram a executar ataques esporádicos aqui e ali em toda a Palestina. Em 1948, os britânicos entregaram a Palestina aos judeus e deixaram a maior parte das armas com eles para executar os massacres dos palestinos.”
Ele soube dos massacres em cidades e aldeias palestinas. “Apesar disso, continuamos a viver normalmente. Sim, tínhamos medo, mas era muito necessário cuidar de nossas fazendas e animais. Então, em 9 de junho, acordamos sob o barulho de balas atiradas contra nossas casas pelas gangues judaicas. Não pudemos fazer nada senão fugir.”
Ele tinha apenas 16 anos, e teve que cuidar de sua mãe, irmão, irmã e do pai, que então era cego. “Nós nos convencemos de que era normal, mas havíamos empacotado nossas malas a partir do momento em que ouvimos sobre massacres em outras aldeias.” Ele e os outros moradores de Yasur se dirigiram a Beit Jibrin, 21km a noroeste de Hebron, antes de partirem para Gaza via Al-Majdal.
“Somente três dos residentes foram mortos e mais quatro ficaram feridos. Fomos a Al-Majdal e ficamos por alguns dias, esperando que pudéssemos voltar a nossa casa, mas os ataques continuaram e milhares de pessoas caminharam para o sul, ao longo da costa do Mediterrâneo, em direção a Gaza.”
Alguns dos refugiados palestinos em Gaza procuraram uma chance de se mudar para outro lugar. Os familiares de Abu Ibrahim, juntamente com cerca de 5 mil pessoas, continuaram sua caminhada ao longo da costa até El-Arish, no Egito. Lá eles viviam em um campo de refugiados em um antigo quartel do exército britânico. Em 1951, eles voltaram para Gaza e passaram a viver no Campo de Refugiados de Al-Maghazi. Ainda esperavam voltar para sua aldeia, o que nunca aconteceu.
“A ONU criou a ‘Agência de Ajuda e Trabalho para os Refugiados da Palestina’ – UNRWA – para atender nossas necessidades urgentes,” destacou Abu Ibrahim. “No início, nos dava barracas, depois construía salas de barro e depois pequenas casas improvisadas que mais tarde foram transformadas em fortes prédios de concreto pelos refugiados.”
Aos 88 anos, Abu Ibrahim viveu sob a ocupação britânica, domínio egípcio e ocupação israelense. Apesar de terem se passado 71 anos desde que fugiu de sua aldeia e que esta foi transformada em uma comunidade agrícola israelense, ele ainda sente saudades de Yasur, sua escola primária e sua mesquita.
Ele relatou ao MEMO que ensina seus filhos e netos sobre sua aldeia e sua localização exata, a fim de não perdê-la para quando exercerem seu legítimo direito de retorno. “Tenho quase 90 anos agora,” observou ele. “Eu ainda tenho muita esperança de que irei para casa, mas no caso de não ir, ensino meus filhos e netos sobre a aldeia, seu povo, suas fazendas e sua localização exata, a fim de irem direto a ela quando a hora chegar e eu não estiver com eles.”
Yasur é apenas uma das mais de 550 cidades e vilarejos palestinos dos quais os moradores foram expulsos e substituídos por judeus imigrantes. A maioria dos lugares foi varrida do mapa pelos israelenses. O próprio Abu Ibrahim estava entre os mais de 750 mil refugiados palestinos que agora somam 12 milhões de homens, mulheres e crianças que ainda vivem em campos de refugiados ou espalhados pelo mundo.
A comunidade internacional e as Nações Unidas têm sido incapazes ou não estão dispostas a garantir que a justiça seja oferecida à Palestina e aos palestinos. No entanto, os próprios palestinos não perderam a esperança de voltar para suas casas, independentemente de suas condições atuais.
“Se eu morrer antes de voltar,” concluiu Abu Ibrahim, “meus filhos e netos continuarão lutando por seu direito de retorno. Os velhos morrem, os jovens vivem e se lembram.”
O mundo não deveria esquecer esse simples fato. O povo da Palestina não vai simplesmente ir embora só porque Israel e seus aliados querem. Ele tem um direito legítimo, de acordo com a lei internacional, de retornar à terra da qual foram alvo de limpeza étnica, e Abu Ibrahim não está sozinho em acreditar que, um dia, exercerão esse direito.
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