Certa vez, o filósofo Maulana Jalaluddin Rumi disse: “A amizade dos sábios é boa; mas um inimigo sábio é melhor do que um amigo tolo.” Não posso afirmar que isso se aplica à atual elite política israelense, como por exemplo o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu. Um dos aspectos que chamou minha atenção ao ler a autobiografia de Ben Gurion e Golda Meir, ex-primeiro-ministros de Israel, foi a dedicação de ambos à sua causa.Uma história marcante trata do episódio no qual Ben Gurion tentou invadir a Palestina ainda sob domínio otomano, a partir do porto de Beirute. Devido a uma epidemia, as autoridades otomanas costumavam manter os recém-chegados em quarentena por dez dias. Oficiais corruptos ofereciam aos viajantes uma alternativa mais simples conforme o pagamento de uma pequena propina. Ben Gurion preferiu ficar em quarentena a gastar os recursos da Agência Judaica. Algo similar ocorreu com Golda Meir quando foi indicada como primeira embaixadora israelense em Moscou. A fim de não gastar os recursos da embaixada, ela se acostumou a comprar queijo do mercado local em grandes quantidades e preservá-lo sob o frio da janela.
Evidente, do meu ponto de vista como refugiado palestino, nada que pudessem ter feito poderia compensar a mim, minha família ou meu povo por todo o sofrimento que nos foi afligido. Ainda assim, é o tipo de inimigo que poderíamos respeitar. Certamente, eram criaturas distintas de Netanyahu e seu bando. Suborno, fraude e quebra de confiança são algumas das acusações implicadas contra Netanyahu, o “Rei de Israel”, pelo procurador-geral israelense em seu documento de acusação.
Os mais graves golpes aplicados por Netanyahu contra o sonho sionista foram a sabotagem sistemática da solução de dois estados e os esforços convictos para aprovar no Parlamento a infame “Lei Básica” (Lei Básica do Estado-Nação), ações que expuseram ao mundo a natureza anti-democrática, reacionária e racista do Estado de Israel.
Netanyahu sabotou a Autoridade Palestina de todas as formas possíveis e privou os palestinos de qualquer infraestrutura básica, ao mesmo tempo que bloqueou todas as alternativas para saírem de Israel. Em lugar de promover soluções políticas à situação em Gaza, ele intensificou o bloqueio, que já dura doze anos, e comandou a morte de 186 manifestantes pacíficos na fronteira, sob os olhos atentos da mídia internacional. Justificou de forma indecorosa os seus crimes contra humanidade pela simples afirmação de que Israel é a única democracia na região, como se tais ações fossem compatíveis a uma democracia. Netanyahu trabalhou arduamente para espalhar o medo do Islã em todos os cantos do mundo, ao ponto de tornar-se o guru da islamofobia. Aliou-se, personificado em Israel, a regimes autoritários árabes e africanos e conspirou contra a Primavera Árabe, tudo em nome da defesa de sua suposta democracia.
Netanyahu não apenas adotou a ideologia ultra-nacionalista como também acolheu de braços abertos representantes kahanistas, figuras radicais da sociedade israelense, e tentou trazê-los de volta ao Parlamento. Yael Patir, diretor do Programa Israelense J Street, escreveu: “o fato do Otzma Yehudit [Poder Judaico] tornar-se um partido com raízes ideológicas repousa na condução política do Estados Unidos, o que leva à indignação e condenação por parte de organizações judaico-americanas, como o AIPAC e o Congresso Judeu Americano, que costumam evitar críticas tanto às políticas de Israel como a seu primeiro-ministro.” Pela primeira vez na história dos lobistas americanos a favor de Israel, o AIPAC (Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelenses – considerado uma organização fundamentalmente inclinada ao Likud) expôs duras críticas a um primeiro-ministro israelense em atividade. O grau de racismo adotado por Netanyahu estarreceu a comunidade judaico-americana e causou um declínio súbito do apoio ao Estado de Israel, não apenas entre os Democratas americanos, como também entre membros do Partido Republicano.
Após transformar Israel na perfeita manifestação do Estado de Apartheid, Netanyahu investiu numa guerra feroz contra todos aqueles que ousassem questionar ou criticar essa situação deplorável, ao estigmatizá-los como antissemitas, utilizando seus contatos com aliados americanos e europeus e sua vantagem junto à mídia convencional para isolar opositores e destruí-los. Seu ataque contra o movimento de boicote demonstra sua incompreensão diante da realidade presente. Pela primeira vez na história do movimento sionista, tanto representantes islâmicos quanto da esquerda, considerados a princípio adversários, trabalham lado a lado contra a hegemonia e a propaganda israelense. Muçulmanos, cristãos, hindus, budistas, ateus e judeus, inclusive alguns judeus israelenses, rejeitam seus esforços racistas. Diante de todas as suas tentativas de impor a marca de terroristas a palestinos e muçulmanos, Netanyahu fracassou e os olhos agora estão atentos em direção à Israel, um estado então envolvido em “potenciais” crimes de guerra e lesa-humanidade.
Seu ego, sua teimosia, seu egocentrismo e seu alto nível de narcisismo não apenas irão levar Netanyahu à decadência inevitável, mas também o projeto sionista como um todo. Não se trata de mero prognóstico, antevisto por árabes e radicais de esquerda; trata-se de uma premissa bastante lógica, observada por indivíduos como o conhecido historiador israelense Benny Morris, há poucas semanas atrás.
Palestinos, se preparem. Companheiros, parece chegar o momento de voltarmos para a casa.
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