Jared Kushner, conselheiro sênior de Donald Trump para o processo de paz no Oriente Médio, conseguiu ser bem-sucedido onde muitos fracassaram. Kushner conseguiu unificar palestinos em todas as instâncias da sociedade em repúdio ao primeiro estágio do “acordo do século”, isto é, o seminário de Manama, capital do Bahrein.
Este políticonovato e seu parceiro em negação aos direitos palestinos, Jason Greenblatt, tentaram pôr a carroça na frente dos bois, ao revelar sua visão para a prosperidade econômica de Israel e Palestina antes de apresentar um ponto de vista político que os palestinos possam aceitar.
Os israelenses relutantemente aceitarão ambos os pontos, uma vez que o pacote não seria adotado e apresentado pela equipe enviesada de Trump, caso não fosse aprovado pelo olho clínico de Netanyahu. Para reiterar este ponto, poderíamos argumentar ainda mais, afirmando que tais “estrategistas políticos” inexperientes compuseram juntos um plano – e convenceram Trump de que era dele – mas que é a própria visão de Netanyahu e da direita israelense sobre a submissão palestina.
O acordo, muito alardeado, está para nascer há meses; o parto precipitado foi postergado primeiro para dar lugar às eleições israelenses, depois até o fim do mês sagrado do Ramadã e, agora, no Eid Al-Fitr (celebração do fim do jejum). Acontece que o acordo é um par de gêmeos. O primeiro é o bebê econômico que está para nascer em Manama, Bahrein; o outro é o bebê político que terá de esperar para ver a recepção do irmão antes de decidir se deve emergir logo ou esperar outro dia. No pior dos casos – ou melhor dos casos, a depender do ponto de vista – jamais verá o mundo.
O parto do bebê econômico será forçado na capital do Bahrein por uma equipe americana pró-Israel diante de uma audiência ansiosa de ministros de finanças e empresários. Será uma narrativa alucinatória enfiada goela abaixo: o anúncio de uma nova e milagrosa alvorada no Oriente Médio. Todos os presentes desejarão um pedaço das ações. Investidores esperam lucros exorbitantes de infraestrutura e outros projetos, enquanto palestinos e israelenses estarão sonhando com seu futuro próspero financiado por dinares, dirhams e riyals do Golfo.
O bebê econômico olhará à sua volta na sala aos beneficiários de toda essa conjuntura, somente para descobrir que o elefante na sala, os “palestinos”, estárá ausente. Em seu lugar, estarão na sala aqueles que o separaram de seu irmão político e aqueles que vieram para vender ao elefante uma vida em cativeiro, despojada de sua esperança de viver em liberdade como outros elefantes na selva. Suas jóias da coroa, as presas de marfim, foram cruelmente removidas quando lhes despojaram Jerusalém e os refugiados, concedidos a Israel gratuitamente, a despeito dos acordos e regulamentos esperados em âmbito mundial, quando não da lei internacional.
O bebê econômico terá dúvidas se o seu nascimento é uma bênção ou uma maldição. Devido à ausência dos palestinos, haverá quem defenda investimentos em infraestrutura para entrincheirar a ocupação na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza. Questiona-se se o propósito da reunião não será financiar projetos que beneficiem os colonos e os assentamentos ilegais, tornando-lhes a vida mais fácil, em detrimento dos palestinos nativos.
O bebê de Manama sentirá as dores de seu parto em um país árabe sem qualquer relação com Israel, que, portanto, alimenta seu irmão mais velho: a normalização. Este filhote, por seu lado, poderia ser visto engatinhando sob a mesa; contudo, agora começa a caminhar, especialmente devido às falácias da conferência de Varsóvia. Isso porque é esperado que os americanos levem uma equipe israelense a Manama, deste modo, investindo no sonho de Netanyahu pela normalização das relações com os países árabes e muçulmanos, antes mesmo de estabelecer um acordo de paz com os palestinos. Não há mais telefonemas escondidos; mas sim apertos de mãos públicos e até mesmo abraços nos bastidores entre árabes e israelenses, todos conspirando pelo fim da causa palestina.
Embora a liderança palestina tenha deixado claro que não participará do seminário, uma tentativa cínica dos americanos para atrair empresários palestinos fracassou miseravelmente. Até então, há um conseso total: o evento vai contra os interesses nacionais e a causa palestina não poderá ser comprada. Saeb Erekat, Secretário-Geral da OLP, afirmou em breve declaração que “a Palestina não participará do encontro de Manama”. Ele acrescentou: “O pleno potencial econômico palestino só pode ser alcançado pelo fim da ocupação israelense e pelo respeito às leis internacionais e às resoluções da ONU.”
Jason Greenblatt, responsável por assediar os palestinos, ficou animado ao revelar a presença de ao menos um empresário palestino na conferência. Ashraf Jabari, de Hebron, anunciou estar “entusiasmado para participar”. Greenblatt comemorou no Twitter: “Obrigado, Ashraf Jabari, pela mente aberta ao lidar com nosso seminário econômico”.
No entanto, também reconheceu a ausência de Abdel Kari Ashour. Este empresário palestino de Gaza explicou a recusa: “A conferência do Bahrein almeja vender a Palestina por um punhado de dólares – vocês convidaram a pessoa errada.” Greenblatt rotulou essa “intransigência” não a indivíduos que reconhecem o absurdo de sua farsa, mas à suposição de que “não podem se permitir ser tão abertos, já que foram intimidados a boicotar nosso seminário.”
Com a principal parte interessada na resolução do conflito ausente do seminário de Manama, o evento prenuncia um fracasso espetacular. De certa forma, separar os gêmeos político e econômico será um tiro saindo pela culatra. A mensagem do bebê econômico ao seu irmão político será: embora já previsível, é certo que nascerá morto, a despeito de sua luta para respirar, diante das esperanças da maternidade de Manama; porém, deseja agora que não tivesse lutado, pois tudo que resultou foi em falsas esperanças de um futuro cintilante. A mensagem ao seu irmão político reitera: caso sobreviva ao seu próprio parto, será desfigurado e doente. É melhor deixar de nascer do que pagar para ver se o seu nascimento conquistará alguma coisa.
No Conselho de Segurança da ONU, Greenblatt exigiu o desmantelamento da UNRWA, Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, algo que Netanyahu reivindica há anos, sob a falácia de que a agência perpetua a questão dos refugiados. A UNRWA rejeitou esta alegação e lembrou a Greenblatt que é a ausência de solução para o problema do refúgio, e não seu desejo para continuar a existir como agência, que culminou na crise financeira vigente.
A UNRWA sediará uma conferência de doadores para garantir sua continuidade. O evento, ironicamente, está marcado para o dia 25 de junho, mesma data do início do seminário de Manama. Caso pudesse, o bebê econômico não estaria em Manama, mas na conferência que potencialmente garante a sobrevivência da UNRWA até que os refugiados palestinos sejam capazes de exercer seu direito legítimo de retorno, sem agressões, à sua pátria, a Palestina histórica.
A questão dos refugiados é somente uma entre várias questões fundamentais que ainda aguardam solução. O que é desanimador é a permanência de divisões entre palestinos, em seu momento mais crítico, além da ausência de estratégias para recuperar a iniciativa de libertação nacional. Kushner e Greenblatt, por ora, conseguiram unir os palestinos em repúdio ao seminário de Manama. Que este seja o primeiro passo para enfim conquistar a reconciliação e a constituição de novas estratégias profundamente necessárias envolvendo todos os palestinos. Unidos, derrotarão os esquemas que desejam extinguir sua luta. Um povo unido que obtenha seus direitos justos também trará paz, e muitos bebês saudáveis, para a conturbada terra santa.
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