Em um movimento sem precedentes, o Knesset israelense votou pela própria dissolução, o que leva o país às urnas pela segunda vez neste ano.
Exatos cinquenta dias após as eleições gerais de Israel, em 9 de abril, e pouco menos de um mês após a posse oficial do 21° Knesset, o parlamento aprovou hoje (29) dissolver a si mesmo com uma maioria de 74 a 45 votos, portanto desencadeando novas eleições.
O movimento ocorre semanas depois das conversas desencontradas da coalizão vitoriosa, nas quais o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fracassou em compor um governo funcional. Netanyahu teria, a princípio, um mês para conduzir as negociações; contudo, Reuven Rivlin, presidente de Israel, concedeu-lhe duas semanas de extensão, após as discussões mostrarem-se complicadas.
A data limite para esta protelação expirou na noite do dia 29 de maio, à meia noite local (21h na hora de Greenwich ou 18h no horário de Brasília).
Apesar de inúmeras tentativas de última hora a fim de conquistar potenciais parceiros de coalizão, cada qual manteve-se resoluto em suas demandas, incapacitando a composição de governo por Netanyahu no período estabelecido. Como resultado, Israel deve retornar às urnas em setembro, marco histórico para o país, pois é a primeira vez em seus 71 anos de histórias em que duas eleições ocorrerão no mesmo ano.
Dissolução do Knesset
A votação no Knesset opôs membros esperançosos da coalizão de Netanyahu e seus opositores de fato. Os Membros do Knesset (MKs) filiados ao partido do primeiro-ministro, o Likud, e seus aliados votaram a favor da dissolução. Em contraponto, os parlamentares da aliança Azul e Branco (Kahol Lavan) – que conquistaram o mesmo número de vagas do Likud nas eleições gerais de abril, embora, desde a posse temporária de Netanyahu, não tenham sido incumbidos de compor o governo – buscaram evitar novas eleições.
O partido Azul e Branco acreditava que deveria ter a oportunidade de constituir um governo por si próprio, conforme estabelecido pela lei eleitoral de Israel. Embora improvável que Benny Gantz, líder da aliança e ex-chefe de Estado Maior do Exército israelense, fosse capaz de mobilizar apoio suficiente dos setores de esquerda, centro e dos partidos árabes para compor uma coalizão, ele argumentou que deveriam lhe conceder a oportunidade.
Os partidos de esquerda apoiaram a postura da aliança Azul e Branco. Tamar Zandberg, presidente do partido Meretz, argumentou que a votação de 29 de maio deveria ser postergada para além do prazo da meia noite; dessa forma, daria tempo a Rivlin a fim de nomear um novo candidato para compor o governo. Zandberg explicou: “Estamos preparados para uma obstrução [tentativa de adiar a votação para estender o debate] de, ao menos, três dias, o prazo máximo para o presidente imbumbir outro membro do Knesset de formar um novo governo.”
Em uma tentativa de última hora para atingir o partido Likud desprevenido, a obstrução foi eventualmente cancelada. Os partidos de oposição abdicaram de seu direito ao discurso no plenário de rejeição à proposta. Tais partidos possuíam a esperança de, ao minimizar o debate, postergar a votação antes de acumular apoio parlamentar suficiente para ser aprovada.
Notavelmente, as alianças de hegemonia árabe-israelense – o Hadash-Ta’al e o Ra’am Balad – pareceram divididas sobre na questão da dissolução do Knesset. O Hadash-Ta’al, a maior das duas facções, absteve-se da primeira leitura da proposta. O número dois do partido, Ahmad Tibi, afirmou: “Nossa posição não mudou, porque não queremos ser peões nos jogos políticos de Netanyahu e Miki Zohar [parlamentar do Likud]. É importante para nós que Netanyahu apresente-se ao presidente e diga ‘Eu fracassei’.”
Por outro lado, Mansour Abbas, líder do Ra’am Balad, declarou que sua aliança apoiaria a dissolução do Knesset, enfatizando que “caso houvesse uma alternativa realista para outro membro do Knesset compor um governo, reconsideraríamos nossa decisão de apoiar a proposta de dissolução do parlamento”. O número dois de Abbas, Mtanes Shehadeh, reiterou que o partido “não perderia a oportunidade de derrubar o governo de Netanyahu.”
No fim das votações de 29 de maio, todos os dez parlamentares árabe-israelenses votaram a favor da dissolução do Knesset.
Netanyahu fracassa em compor uma coalizão
A data de 29 de maio representou a última chance para Netanyahu garantir um acordo com potenciais parceiros de coalizão, uma tarefa na qual fracassou absolutamente.
Netanyahu tinha esperanças de que seus antigos parceiros do Knesset voltariam a se aliar com uma nova coalizão: os dois partidos ultraortodoxos, Shas e Judaísmo Unido do Torá (UTJ, da sigla em inglês); a União dos Partidos de Direita (URWP); o predatório partido Yisrael Beitenu, de Avigdor Lieberman; e o partido de centro Kulanu. Com o apoio desses partidos, o primeiro-ministro poderia compor uma coalizão governamental de 66 assentos, cinco acima dos 61 necessários para compor a maioria do governo no Knesset – que possui 120 assentos.
No entanto, divisões históricas entre estes partidos voltaram a transparecer durante as negociações da coalizão e, aparentemente, o prazo demonstrou-se insuperável. O maior obstáculo foi a demanda intransigente de Lieberman, ex-Secretário de Defesa, para aprovar a um projeto de lei haredi (ultraortodoxo), cujo objetivo era recrutar homens ultraortodoxos ao exército israelense, dever ao qual são atualmente isentos.
Ao assegurar cinco assentos no Knesset – a quantidade exata entre Netanyahu e a composição do governo – Lieberman recusou-se a abdicar ou diluir suas demandas. No dia da votação, ele manteve-se aparentemente impassível em seu curso, ao utilizar as redes sociais pela manhã para defender sua postura.
Em uma longo postagem em seu Facebook, Lieberman escreveu: “Mesmo eu, que estive na política israelense por anos e anos e pensei ter visto de tudo, estou espantado com os últimos dois dias pelo tanto de pressão, paranóia e especulação ao qual fui exposto.”
“Não sou contrário ao público ultraortodoxo,” prosseguiu Lieberman, “Sou a favor do Estado de Israel, sou pelo estado judeu e contra o Estado de Halacha (lei religiosa judaica).” Esta é uma crítica comum de Lieberman contra os partidos ultraortodoxos e suas tentativas de aprovar leis para beneficiar a comunidade haredi.
Lieberman foi ainda além: “Não sou um comerciante ou um agiota [porém] não temos intenção alguma de desistir de nossos princípios e compromissos com nossos eleitores. A proposta não é um capricho, ou mesmo ego ou vingança, mas uma pedra fundamental ao nosso sistema coerente. A proposta é entregar todos os alvos (propostos) e a data limite constitucional para o governo decidir sobre o assunto consiste basicamente em maquiar animais empalhados. Portanto, mantemos nossa postura firme a favor de nossa proposta – segunda e terceira leituras para o projeto de lei no Knesset em sua versão original […] não há alternativa.”
Embora Netanyahu tenha tentado um última vez apelar a Lieberman e aos partidos ultraortodoxos para cobrir a lacuna formada pelo projeto de lei haredi, no último instante, ambos os lados anunciaram rejeitar a proposta do primeiro-ministro. O movimento parece ter incomodado o partido Judaísmo Unido do Torá durante o processo. Fontes internas ao partido ameaçaram “apoiar outro candidato do Likud para compor o governo.”
Novas eleições
Dada a intransigência de Lieberman, Israel agora se encaminha para sua segunda eleição geral deste ano. A data foi marcada para 17 de setembro – pouco mais de cinco meses após as eleições nacionais de abril.
As reações ao prospecto são diversas, pois tanto o eleitorado quanto os parlamentares parecem exaustos pelas disputas políticas internas, além de não estarem recuperados ainda do último ciclo de campanha eleitoral.
As preocupações sobre o custo econômico de novas eleições também foram trazidas à tona. Um funcionário do Ministério das Finanças de Israel declarou na terça-feira (28) que realizar novas eleições custaria ao país 475 milhões de shekels (US$ 131 milhões), “uma reserva orçamentária que não existe”, considerando que Israel está “atualmente em déficit”.
Os partidos políticos de Israel ainda têm de reembolsar os empréstimos concedidos pelo Knesset para as eleições de abril, quantia hoje equivalente a 62 milhões de shekels (US$ 17 milhões) em dívidas. Além disso, a lei israelense atualmente estabelece que um partido não pode retirar um novo empréstimo a menos que tenha pago o anterior. Os partidos, portanto, foram forçados a requerer o adiamento da data de pagamento dos empréstimos originais para além das eleições de setembro.
Cada partido já começou a declarar suas posições. Alguns procuram fundir-se ao Likud ao invés de trabalhar como mero aliado. Segundo relatos, Moshe Kahlon, Ministro das Finanças, concordou em fundir seu partido Kulanu com o Likud, em recuo à sua promessa eleitoral de mantê-lo como um partido independente.
Na terça-feira, o secretariado de governo do Likud aprovou a fusão, reservando a quinta posição da lista de candidatos do partido a Kahlon. A aliança Azul e Branco criticou duramente o ministro das finanças por este movimento, enviando grupos de manifestantes à sua residência em Haifa para chamá-lo, segundo as palavras de ordem, de “covarde”.
A fusão daria ao Likud quatro assentos adicionais, aumentando sua base de governo para 39 ou 40 parlamentares. O movimento tornaria o Likud, portanto, o maior partido de longe na corrida eleitoral de setembro, efetivamente garantindo-lhe a composição do próximo governo. Mesmo que a aliança Azul e Branco continue unida – algo distante de estar garantido, considerando rumores de discórdia entre suas duas facções: a Resiliência de Israel (Hosen L’Yisrael), de Gantz, e o partido Yesh Atid, de Yair Labid – é bastante improvável que consiga conquistar mais de 40 assentos, a fim de desafiar o Likud.
Há também rumores que a Ministra da Justiça Ayelet Shaked irá se filiará ao partido Likud. Shaked e seu aliado de longa data, o Ministro da Educação Naftali Bennett, romperam com o partido Lar Judeu antes das eleições de abril e decidiram formar o partido Nova Direita (Hayemin HeHadash), com o objetivo de apelar à comunidade sionista religiosa de Israel. Embora se esperasse uma vitória, o novo partido sofreu uma desastrosa derrota em 9 de abril, quando não conseguiu sequer os 3.25 por cento de votos mínimos necessários para garantir assentos no Knesset.
A emissora pública israelense Kan mencionou, na manhã de quarta-feira, fontes internas ao Likud para afirmar que Netanyahu considera reservar o primeiro lugar na lista de candidatos a Shaked, na esperança de atrair seus apoiadores da chamada “nova direita” ao projeto. O acordo ainda não foi confirmado. Um porta-voz de Netanyahu reiterou que nenhuma decisão foi feita; Shaked recusou-se responder à reportagem da Kan.
Shaked também reuniu-se com Bennet, co-fundador do partido Nova Direita, na tarde de quarta-feira, o que desencadeou uma série de especulações em torno de uma possível reviravolta planejada pela dupla para as eleições de setembro.
Se Lieberman e seu partido, o Yisrael Beitenu, serão punidos nas urnas por levar o país a novas eleições, ou se sua postura secularista e sua agressiva base de apoio conseguirão se mobilizar diante de sua intransigência em relação aos seus princípios fundamentais, ainda permanece incerto.