Em 2014, Suhad Abu Fayed deu à luz a sua filha Huriye, uma criança de olhos reluzentes e cabelos cacheados. Quando Suhad levou Huriye para ver seu pai, Sameer, pela primeira vez, os guardas israelenses na prisão onde ele estava detido ficaram perplexos. “Quem é essa menina?” perguntaram. “Como pode ser sua filha se o seu marido está aqui dentro?”“Respondi que pensei que era infértil,” recorda Suhad. “Eu disse a eles que possuía amostras de meu marido desde antes de sua prisão, e então recebi tratamento e as utilizei para engravidar.”
Na realidade, Suhad engravidou de Huriye por meio de esperma contrabandeado de seu marido enquanto ele ainda estava na prisão. Sua história, embora rara, não é única, e é uma evidência da obstinação necessária às famílias palestinas para conquistar uma vida normal sob a ocupação israelense que já dura 52 anos.
“Meu marido era filiado às Brigadas Shuhadaa Al-Aqsa quando começou a Segunda Intifada,” relatou Suhad ao MEMO, referindo-se ao levante popular nos territórios palestinos ocupados (TPOs) de 2000 a 2005. “Ele foi caçado pela ocupação [israelense] por suas atividades e capturado em 2002. Então foi condenado a 18 anos.”
“Quando Sameer foi para a prisão eu já tinha três filhos: Nabeel, de quatro anos; Nibal, de três anos; e Manar, de cinco meses de idade.”
“Fui proibida de visitá-lo e raramente conseguia permissão para ir, quem sabe uma vez por ano, no máximo,” ela afirma. Suhad relata que a ideia de conceber uma criança por meio de esperma contrabandeado foi de Sameer.
“A primeira criança palestina nascida assim foi Muhanned, filho do prisioneiro Abelkareen Al-Rimawi, sentenciado a 25 anos de prisão nas cadeias da ocupação israelense,” registra Suhad. “Meu marido viu as notícias sobre sua experiência e me chamou para falar sobre isso. Ele disse que desejava ter um filho da mesma maneira.”
Ao ser questionada sobre como se sentiu com a ideia, Suhad relembra ficar entusiasmada. “Jamais encontrei nenhum mãe que fez isso. Ainda assim, quando ele me perguntou se eu havia gostado da ideia, fiquei extasiada e a acolhi. Eu amo ter filhos, é parte de quem sou. Graças a Deus, fomos abençoados com Huriye.”
Huriye – cujo nome significa “liberdade” em árabe – tem agora quatro anos de idade. Apesar de Suhad ter de se submetido a meses de tratamento in vitro e outros procedimentos rígidos, sob os quais as amostras de esperma só podem ser levadas ao hospital por um membro da família, ela acredita que todas as dificuldades valeram a pena.
“Subhanallah [Glória a Deus], uma vez que Huriye estava dentro de mim, mudou quem eu sou. Ela me deu auto-estima. Eu negligenciei a mim mesma por muito tempo,” continua Suhad. “Meus filhos eram minha prioridade. Esqueci de me cuidar por doze anos, somente contava os dias. Mas tudo mudou quando Huriye iluminou minha vida.”
“Meus filhos amam a ela mais do que tudo,” ela diz, carinhosamente. “É claro, ela mudou as nossas vidas; minha filha mais nova, agora com 17 anos, sempre foi a mais mimada da família. Sempre foi o centro das atenções, mas Huriye tomou este lugar dela. Todos na família querem ver Huriye e passar um tempo com ela. Minha filha recebe todo o amor possível.”
Ter Huriye tanto tempo depois de seu último filho também ensinou Suhad sobre si mesma: “Ela me mostrou a ter paciência, e me mostrou como a paciência pode nos recompensar. É claro que, dia ou outra, ela pode ser uma criança levada, como qualquer criança da sua idade, mas minha paciência foi recompensada pela gentileza que ela me concede.”
“Aprendi com Huriye que sou uma pessoa resiliente e forte. Ela é quem me deu coragem depois que eu desafiei o mundo inteiro para lhe dar à luz.”
Suhad foi a primeira esposa de um prisioneiro em Nablus e nos campos de refugiados ao redor a dar à luz através do método de esperma contrabandeado. Desde então, seis outras esposas cujos maridos estão presos em Israel seguiram os passos de Suhad. “Elas vieram falar comigo sobre seus medos e hesitações. Eu as encorajei e apoiei todos elas durante todos os procedimentos e tratamentos de fertilização in vitro, até que elas deram à luz.”
Perguntada por que acha que outras seguiram seu exemplo, Suhad explica que muitas vêem o procedimento como uma forma de contornar as restrições paralisantes impostas pela ocupação de Israel.
“É angustiante viver sob ocupação”, diz ela. “Fui vítima da ocupação de muitas maneiras; eles se recusam a me dar uma permissão para visitar meu marido, a única vez que eles me deram uma autorização de longo prazo foi para me chantagear: eles me prenderam por 24 horas, depois revogaram minha permissão e até meu cartão de identidade palestino. Eles não gostam que os palestinos se sintam confiantes e façam coisas que os desafiem”, continua ela, “mas não importa o quanto estamos felizes por termos conseguido Huriye, contra todas as dificuldades, tudo nos lembra a amargura e a mágoa que vem com a experiência dos prisioneiros.”
“Isso é pela Palestina e, é pelo prisioneiro que perdeu sua liberdade em prol da Palestina. É como trazer a vida de volta a uma alma morta.”
O marido de Suhad deve cumprir mais um ano de prisão. Ela, porém, começa a pensar no futuro. “Os pais do meu marido morreram enquanto ele estava na cadeia”, lamenta. “Eles viveram suas vidas desejando poder celebrar sua liberdade; continuaram falando sobre como planejavam celebrar. Eu acho que mesmo no dia em que for libertado, ainda haverá sentimentos de amargura e desgosto.”
No entanto, Suhad também possui esperanças. “Huriye sabe que a sentença de seu pai vai terminar no próximo ano”, ela diz ao MEMO. “Acho que ela é mais esperta do que uma criança normal da sua idade; tinha apenas dois anos quando começou a reconhecer a foto do pai em casa e conhece a voz dele pelo telefone. ”
“Eu também realmente gostaria de ter um outro filho, um irmão para a minha menina mais nova”, afirma Suhad com certa melancolia. “Eu rezo e peço a Deus para poder engravidar novamente. Quando a sentença do meu marido terminar, terei 40 anos e oito dias de idade. Mas eu amo ter filhos! Isso é comum entre a maioria das mulheres palestinas, então espero também ter outro filho.”