A publicação, neste mês, de um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre Gaza revelou leituras chocantes. Contudo, como por hábito, quase não há um sussurro sequer sobre o assunto na “grande” imprensa tradicional, simpática a Israel.
O relatório indica que, no decorrer do ano seguinte ao início dos protestos da Grande Marcha do Retorno, em março de 2018, agressores do exército israelense mataram 277 palestinos, incluindo 52 crianças.
A maior parte foi assassinada a sangue frio durante protestos populares massivos e desarmados na linha de fronteira entre Gaza e Israel. Manifestantes retornaram então toda semana, e voltaram a fazê-lo, de novo e de novo, desde março de 2018, para protestar contra Israel e seus crimes.
Sobretudo, os protestos pedem pelo direito ao retorno de todos os refugiados – pressuposto não-negociável da luta pela libertação da Palestina. Portanto, são protestos mais do que meramente simbólicos. Os manifestantes marcham pelo retorno verdadeiro à suas casas e à sua pátria.
A população da Faixa de Gaza é, em enorme maioria – 73 por cento –, constituída por refugiados. Dessa forma, caso pergunte ao jovem manifestante refugiado, pacífico, desarmado, que arrisca sua vida pelo retorno à sua pátria, de onde ele é, não terá como resposta “de Gaza.” Irão lhe contar que nasceram em Jaffa, que nasceram em al-Majdal, ou que são de algum outro centro populacional palestino agora chamado de Israel. Irão lhe contar isso, pois é verdade.
Eles são refugiados, e não se esquecem nem esquecerão, geração após geração. Agora, pelo decorrer de todo o ano passado, marcham pelo princípio de seu longo retorno à Palestina.
Eles nos contam a verdade histórica objetiva: seus pais e avós foram expulsos sob a mira de armas e ameaças de bombas, vítimas daquilo chamado por um futuro primeiro-ministro israelense de “sionismo cruel.”
A Nakba foi o evento definitivo na história palestina – embora ainda esteja em curso, desde 1948. O evento mais infame de todos, envolveu a expulsão de cerca de 800.000 palestinos de suas casas, a maioria, à força.
Não foi por acidente, ou por consequência involuntária da guerra, como reafirmado pela propaganda sionista. Foi consequência deliberada de décadas de mobilização sionista a fim de “transferir” a grande maioria da população nativa para fora do país pelo único crime de não ser judaica.
Desde o plano de Theodor Herzl para “expurgar a população miserável” para além da fronteira, até as ameaças atuais de anexar a Cisjordânia, proferidas pelo governo israelense, o sionismo sempre vinculou-se aos crimes de guerra, às expulsões forçadas, ao terrorismo, racismo e repressão da população palestina nativa.
Então, lemos agora neste relatório da OMS que houve aproximadamente 7.000 ferimentos a bala dentre os dois milhões de habitantes de Gaza somente no último ano.
Como relatado por minha colega Maureen Murphy, na rede de notícias The Electronic Intifada: “Muitos destes feridos possuem danos extensivos e, em alguns casos, irreversíveis aos seus ossos, estruturas neurovasculares e tecidos conjuntivos. Dentre as vítimas, milhares sofrem amputações caso não tenham acesso a tratamentos externos para os seus terríveis ferimentos. Até então, três profissionais da saúde foram mortos e outros 700 foram feridos. Milhares de cirurgias eletivas foram adiadas devido à já eminente crise no sistema de saúde decorrente da onda de baixas emergenciais.”
Tal modelo sistêmico de violência e política cruel que visa lesionar seriamente manifestantes armados só pode ser deliberado. Novamente, é uma política histórica.
Vale recordar a ordem infame de Yitzhak Rabin, Primeiro-Ministro de Israel e Prêmio Nobel da Paz, para que seus soldados “quebrassem os ossos” das crianças palestinas, em Gaza e Cisjordânia, durante os protestos contra a ocupação no decorrer da primeira Intifada – o levante popular do povo palestino por liberdade.
O sionismo é intrinsecamente racista; da mesma forma, é intrinsecamente violento.
Uma colônia de assentamentos judaicos em um território histórico, a Palestina, amplamente não-judaico, só pode ser sustentada por tamanha violência sistêmica e massiva.
Esta é a realidade brutal por trás do chamado “estado judeu.” Um projeto homogêneo como o sionismo em um país heterogêneo, multirreligioso e multiétnico como a Palestina está fadado ao fracasso a longo prazo, da mesma maneira como fracassaram os reinos formados pelas Cruzadas europeias, neste mesmo território.
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