O Dia Mundial dos Refugiados das Nações Unidas, celebrado anualmente em 20 de junho, não deveria representar apenas uma lembrança da “coragem, força e determinação de mulheres, homens e crianças forçadas a fugir de sua terra natal sob ameaça de perseguição, conflito e violência.”
Também deve ser uma oportunidade para a comunidade internacional compreender e trabalhar verdadeira e ativamente para encontrar uma solução sustentável para o deslocamento forçado, pois, antes de mais nada, nenhum homem, mulher ou criança deve ser forçado a suportar tal experiência exaustiva, devastadora e humilhante.
Os palestinos que resistiram à degradação do exílio por mais de setenta anos incorporam o sofrimento dessa experiência coletiva mais do que qualquer outro grupo.
Ser refugiado significa viver perpetuamente no limbo – incapaz de recuperar o que foi perdido, a pátria amada, e incapaz de moldar um futuro alternativo e uma vida de liberdade, justiça e dignidade.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), atualmente existem 68.5 milhões de pessoas em todo o mundo que foram expulsas de suas casas. Dentre elas, 25.4 milhões são classificadas como refugiados.
Dos refugiados registrados oficialmente, 5.4 milhões são palestinos, conforme as estimativas da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).
Para os palestinos, a cruel realidade de ser refugiado é reforçada pela ausência de qualquer horizonte político, salvo o suficiente para transmitir algum sentido de esperança para uma solução próxima, mesmo após setenta anos desde a gênese da crise dos refugiados palestinos.
Abandonados nessa jornada aparentemente eterna em busca de sua pátria, os palestinos agarram-se cada vez mais à esperança, porque somente ela é capaz de alimentar seu sentido de autodeterminação, a fim de reiterar que nenhuma distância nem o tempo poderá ficar entre eles e seu Direito de Retorno. Este direito concedido internacionalmente está registrado nos corações e mentes de milhões de palestinos em todo o mundo.
A imagem arquetípica do refugiado – homem, mulher ou criança agarrado à haste de uma barraca, mapeando um caminho para o exílio a algum lugar desconhecido, implorando pela ajuda de funcionários da ONU e pela misericórdia do mundo – é, por definição, insuficiente para desconstruir a complexidade de sua identidade. Ser refugiado é pertencer a um lugar que o despejou, e ainda assim procurar um lar alternativo em lugares aos quais você não pertence, culturalmente e em todos os outros sentidos, pode confundir o sentimento de existência própria de qualquer ser humano. Somente o trauma psicológico já é arrasador.
À medida que os palestinos ainda mantêm um senso de identidade em seus vários espaços de exílio – campos de refugiados na Palestina e no Oriente Médio – sua prolongada odisséia é vista como um “problema” a ser consertado, ou absolutamente descartado, para que Israel mantenha a maioria demográfica de sua população judaica.
O mero fato de o povo palestino viver e se multiplicar é uma “ameaça demográfica” para Israel – considerado até mesmo uma “bomba demográfica”. Essa noção definitivamente racista é adotada de forma absoluta pelos aliados de Israel em Washington e em outros lugares do mundo.
Quando Israel e seus amigos argumentam que os palestinos são um “povo inventado”, não apenas pretendem aniquilar a identidade coletiva palestina, mas também justificar, em suas próprias mentes, os crimes ininterruptos de assassinato e mutilação de civis palestinos, sem qualquer impedimento moral ou mesmo consideração ética.
Israel e os Estados Unidos farão qualquer coisa em seu poder para banalizar a centralidade da questão dos refugiados palestinos e sua relevância concernente a qualquer projeto de paz no futuro da Palestina histórica.
Quase um milhão de palestinos tornaram-se refugiados após a criação do estado de Israel sobre as ruínas da Palestina histórica, durante a Nakba, em 1948. Centenas de milhares de pessoas adquiriram esse status lúgubre nos anos seguintes, em particular durante a guerra e a subsequente ocupação israelense dos territórios de Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza, em 1967.
Os 5,4 milhões de refugiados registrados na UNRWA são apenas os refugiados originais e seus descendentes.
Israel jamais concordou em assumir a responsabilidade pelas conseqüências de seu princípio violento – a limpeza étnica, a enorme destruição de cidades e aldeias e o próprio apagamento da Palestina histórica.
Mesmo durante o Processo de Paz de Oslo, Israel se recusou a discutir a questão central dos refugiados, preterindo-a às “negociações finais do status [de refúgio]”, que jamais ocorreram e, muito provavelmente, jamais ocorrerão.
Enquanto isso, os refugiados palestinos foram condenados a subsistir nestas condições de injustiça como refugiados – nem cá, nem lá. Caso houvesse a classificação do refúgio por segundo, terceiro e quarto grau, referente ao número de deslocamentos, certamente os palestinos teriam se enquadrado em tais categorias.
De fato, milhões de refugiados palestinos foram exilados mais de uma vez: da Palestina à Jordânia ou Líbano; de lá para a Síria e vice-versa.
A invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, e a atual guerra na Síria demonstraram com clareza que os refugiados palestinos com condições de vida relativamente melhores também não estão seguros.
A pequena comunidade de refugiados palestinos no Iraque foi perseguida após a invasão, a tal ponto que foram forçados a se deslocar, em massa, para qualquer país disposto a recebê-los. Muitos acabaram como refugiados na América do Sul.
O mesmo cenário sórdido foi repetido na Síria e, tragicamente, será repetido em outro lugar no futuro.
Em vez de remediar a crise com certo grau de responsabilidade moral e legal, as sucessivas administrações dos Estados Unidos tentaram marginalizar a importância do Direito de Retorno.
Israel, por outro lado, teve como alvo central as comunidades de refugiados por meio de confrontos e massacres, principalmente durante a guerra de 1982 e a invasão do Líbano, e o subsequente massacre dos campos de Sabra e Chatila, em setembro do mesmo ano.
Agora, com a ajuda do governo de Donald Trump, Israel e Estados Unidos atualmente orquestram campanhas ainda mais sinistras para fazer com que os refugiados palestinos desapareçam através da própria destruição da UNRWA e da redefinição do status de refugiados a milhões de palestinos.
Ao negar à UNRWA a necessidade urgente de recursos, Washington deseja impor uma nova realidade, na qual nem os direitos humanos, nem a lei ou mesmo a ética internacional tenham qualquer relevância de fato.
Trump parece não se importar em nada com o destino dos refugiados palestinos, assim como Jared Kushner, seu conselheiro presidencial e genro, além de outros oficiais americanos. Neste momento, os americanos observam e alimentam expectativas de que sua estratégia insensível enfim submeta os palestinos aos ditames do governo israelense.
Os israelenses desejam que os palestinos abandonem seu direito de retorno como moeda de troca para a “paz” na região. A “perspectiva” compartilhada por israelenses e americanos para o povo palestino significa basicamente a imposição do apartheid e a manutenção do exílio em uma espécie de provação sem fim.
O povo palestino jamais aceitará essa injustiça.
O direito de retorno continua a ser uma força motriz por trás da resistência palestina, como demonstrado pela Grande Marcha do Retorno, em Gaza, a partir de março de 2018.
Todo o dinheiro nos cofres de Washington não será capaz de reverter o que é agora uma crença profundamente enraizada nos corações e mentes de milhões de refugiados em toda a Palestina, no Oriente Médio e no mundo.
Os refugiados palestinos podem não estar no topo da agenda política do Oriente Médio no momento; contudo, é sua persistência, determinação e eterna esperança que manterão sua causa viva até que a lei internacional seja respeitada e os direitos humanos sejam efetivamente consagrados.
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