A maioria dos especialistas e comentaristas concorda que o seminário “Paz para a Prosperidade” patrocinado pelos Estados Unidos, organizado pelos partidários mais pró-Israel do governo do Presidente americano Donald Trump, em Manama, Bahrein em junho deste ano, fracassou em seus esforços para liquidar a luta palestina por libertação e soberania nacional de uma vez por todas. Um mês depois, os regimes de Israel e dos EUA estão lutando para compensar alguns dos danos causados às suas políticas imperial e colonial arrogantes.
Os regimes israelense e norte-americano seguem uma estratégia dupla: primeiro, estão travando outra rodada de guerra de propaganda para semear mais divisões e descontentamento entre diferentes cidadãos árabes e influenciar a opinião pública árabe e palestina sobre normalização, paz e política externa dos EUA.
Segundo, eles não estão simplesmente ampliando e expandindo o projeto colonialista e o regime de apartheid de Israel, etnocrático e sionista, mas, mais importante, estão realinhando poderes autoritários e reacionários no Oriente Médio (Israel-Arábia Saudita-Turquia) com o crescente poder dos governos populistas e nacionalistas de direita em todo o mundo, a serviço dos interesses e do império dos Estados Unidos. Isso inclui os recentes esforços americanos para cortejar os palestinos e reintegrar a Autoridade Palestina (AP) e sua liderança na órbita do poder imperial dos EUA.
O fiasco de Manama
O seminário “Paz para a Prosperidade” foi convocado na suposição de que os palestinos não têm mais importância no novo mapa geopolítico do Oriente Médio e nas lutas emergentes entre as superpotências na região. De fato, a aposta dos Estados Unidos era que qualquer solução permanente para o projeto colonial-ocupante etnocrático sionista na Palestina poderia ser alcançada não apenas sem a participação dos palestinos, mas também com a sua completa e voluntária rendição.
Nos absurdos termos orwellianos do embaixador israelense na ONU, Danny Danon, a rendição é boa, pois significa simplesmente paridade no processo decisório que trará a paz, o que no léxico do Grande Irmão significa reforçar o status quo e legitimar para sempre o projeto colonial-ocupante etnocrático sionista na Palestina.
Felizmente, a comunidade internacional ainda considera a luta palestina pela liberdade uma importante causa política global e uma questão de direitos humanos que deve ser resolvida dentro das estruturas existentes dos tratados e acordos legais internacionais.
Mais imortante ainda, a comunidade internacional deixou claro que não continuará a financiar, indevidamente, a ocupação israelense dos territórios palestinos, juntamente com seu projeto colonial-ocupante etnocrático sionista e o regime do apartheid. Por um lado, o projeto sionista e a ocupação militar soviética são tão anacrônicas em seus modos de dominação e opressão que se tornaram uma anomalia inaceitável nas estruturas do capitalismo de vigilância e regimes autoritários em todo o mundo.
Por outro lado, a ausência de qualquer solução política real no vergonhoso plano americano sugeriu que a ocupação militar israelense seria o mais provável beneficiário real de mais da metade dos US$ 50 bilhões que foram destinados a fundos de desenvolvimento na Palestina. Israel provavelmente seria responsável por supervisionar esses fundos e seguramente canalizaria a maior parte deles para seus cofres, do mesma modo que os fundos internacionais são atualmente administrados e controlados.
Não é preciso dizer que a administração de Trump não prometeu contribuições para este esquema. O governo dos Estados Unidos já fornece tantos bilhões de dólares de impostos suados em ajuda a Israel que qualquer fundo de ajuda adicional pode levantar preocupações sobre a ideologia nacionalista econômica de Trump entre seus partidários da extrema-direita e da supremacia branca.
Normalização de pitching: Garotos-propaganda da paz
Assim que o seminário de Manama terminou, a máquina israelense “hasbara” (propaganda) e sua contrapartida americana começaram a reorganizar desesperadamente suas campanhas de mídia no mundo árabe a fim de colocar os árabes uns contra os outros e moldar a opinião pública em favor da visão dos EUA de prosperidade e felicidade para o Oriente Médio.
Por sua vez, o Ministério de Relações Exteriores de Israel convidou uma pequena delegação de blogueiros e influenciadores árabes, ou “jornalistas e personalidades da mídia”, segundo o ministério, para visitar Israel, encontrar diferentes líderes israelenses – incluindo ativistas islamofóbicos radicais de extrema direita. empenhados na destruição da Mesquita Al-Aqsa – e para aprender mais sobre diversidade e multiculturalismo em Israel.
A agenda israelense era usar esses garotos-propaganda para a paz para encorajar o público árabe a visitar Israel e forjar laços entre seus países e o estado israelense. No entanto, esta flagrante tentativa de promover a normalização e a reabilitação de violações israelenses da lei internacional de direitos humanos foi um enorme tiro pela culatra.
O vídeo do suposto jornalista saudita Mohammad Saud, verbalmente hostilizado e atacado fisicamente por palestinos enquanto caminhava pelas ruas da Cidade Velha de Jerusalém e expulso da Mesquita Al-Aqsa, se tornou viral e desmontou a narrativa da propaganda israelense sobre a normalização.
Primeiro, Saud, assim como o resto dos blogueiros e personalidades da mídia nessa visita, é completamente desconhecido do público árabe. Ele estuda direito e vive nos Estados Unidos e, como alguns ativistas sauditas disseram, não voltou à Arábia Saudita por muitos anos.
A Federação de Jornalistas Árabes também negou que esses jornalistas fossem membros da federação ou de qualquer uma de suas organizações afiliadas. A federação também confirmou sua oposição a todas as formas de normalização com “o inimigo sionista” e prometeu apoio para a plena libertação da Palestina e o estabelecimento de um Estado palestino com Jerusalém Oriental como sua capital.
Em segundo lugar, vários comentaristas sauditas e personalidades da mídia ficaram intrigados com a insistência de Saud em vestir roupas tradicionais sauditas, como a bisht (capa). Esta não tem apenas um significado cultural especial mas é usada geralmente para marcar uma posição de classe alta em ocasiões excepcionais. O vestuário imediatamente expôs sua presença ao público palestino que já havia sido avisado sobre as visitas. Saud saudavelmente não se preocupou com sua recepção pública, e o uso da bisht foi uma tentativa deliberada de provocar uma reação visceral e criar uma barreira entre as esferas pública palestina e saudita.
Isso não significa que não haja nenhum árabe e outros influenciadores árabes e personalidades da mídia que tenham pedido a normalização com Israel e que culpam os palestinos pela divisão entre “nossos primos, os judeus” e o mundo árabe. Eles existem e Israel precisa deles mais desesperadamente do que nunca por duas razões principais.
Primeiro, o regime israelense precisa desses influenciadores para separar os palestinos de outros árabes, ou das ruas árabes, já alienadas em relação aos seus governos e aos corredores do poder. De fato, alguns comentaristas sauditas já atacaram os palestinos, alegando que o “ódio e rejeição dos palestinos [aos sauditas] é maior do que aos israelenses”.
De um modo ainda mais fundamental, Israel precisa deles para resolver muitas das contradições que quebraram o edifício da “democracia” etnocrática e não liberal israelense, especialmente a contradição entre religião e secularismo no Estado judeu. Em particular, precisa deles para confirmar a crença em seus mitos bíblicos fundamentais, algo que os israelenses têm dado como garantido como base para a sua “ação de direito” sobre para a terra da Palestina ao longo do último século. Nas últimas décadas, no entanto, esses mitos bíblicos foram desmascarados e expulsos por ninguém menos que os arqueólogos e historiadores sionistas e israelenses.
Alguns argumentam que a maioria dos israelenses é secular, mas ainda acredita que Deus lhes prometeu a Palestina. No entanto, como o filósofo esloveno Slavoj Zizek aponta, a crença é reflexiva e sempre precisamos que os outros acreditem por nós, para que possamos continuar fazendo o que fazemos. Os influenciadores muçulmanos, que reciclam exegeses corânicas medievais baseadas principalmente em textos talmúdicos (“israelitas”), são urgentemente necessários para que o público israelense possa continuar acreditando que eles são os legítimos donos da Palestina.
No entanto, a ira dos palestinos com a visita desses influenciadores diaspóricos desconhecidos é equivocada. A verdade é que muitas delegações (semi)oficiais do mundo árabe, artistas e turistas religiosos muçulmanos da Turquia e da Europa podem ser vistos em Jerusalém e em outras cidades palestinas diariamente. Portanto, não está claro como esses grupos se encaixam nesse debate sobre normalização.
O Sr. Saud, em particular, parece ter sido um alvo conveniente do descontentamento palestino, mas ele não deveria ter sido usado como um substituto para o papel do governo saudita no “acordo do século”. De fato, há peixes maiores para fritar aqui. As maçãs podres isoladas não devem ofuscar os esforços sistemáticos e institucionais de normalização em que alguns países árabes se engajaram pública e privadamente, em nome de suas preocupações com o Irã e a ascensão do bloco de poder xiita.
Falsas promessas de prosperidade e alegria
De sua parte, relatos apontam que a equipe americana liderada por Jared Kushner, genro do Presidente Trump, fazem uso de mineração de dados para descobrir padrões de opiniões a fim de apresentar o “acordo do século” diretamente ao povo árabe, influenciar a mídia árabe a apoiar os esforços diplomáticos da administração no processo de paz do Oriente Médio e melhorar a imagem da política americana na perspectiva da população árabe. Os americanos decidiram aumentar as apostas no Serviço de Informações de Difusões Estrangeiras (FBIS, em inglês, sob jurisdição da CIA), ao utilizar operações de mineração de dados para atingir a opinião pública árabe e “conectar-se com as populações locais da forma mais eficiente possível – para compreender melhor ‘o que move as ruas’ por todo o mundo árabe.”
Segundo o relatório apresentado, a equipe de Kushner analisou órgãos de imprensa antiamericanos e anti-israelenses, termos positivos e negativos utilizados para caracterizar a política externa dos Estados Unidos e mesmo a distribuição de telefones celulares entre os palestinos, para compreender o consumo de notícias nos postos de controle de Israel. Parte do esforço serve para aumentar ainda mais a distância entre o povo palestino e sua liderança. Um assistente próximo de Kushner é citado no documento da seguinte forma: “Acreditamos que podemos alcançar o povo [palestino] dessa maneira […] as ruas foram abandonadas por sua liderança.”
A real intenção do projeto de mídia de Kushner, no entanto, é ainda mais perniciosa. Como aprendemos a partir do escândalo da Cambridge Analytica, seu objetivo mais provável é construir perfis psicológicos de um número amplo de árabes e palestinos e utilizar seus perfis para atingir os indivíduos com mensagens específicas que apelem à sua psicologia em torno de temas como paz, política externa americana, Autoridade Palestina, projeto colonial sionista, etc.
Com base nos princípios estabelecidos por estudos sobre psicologia positiva e felicidade, desenvolvidos – como destaca Zizek – em colaboração com o complexo cognitivo-militar, o plano de Kushner parte da premissa de que “indivíduos são muito melhor controlados e ‘compelidos’ na direção desejada quando continuam a sentir-se livres e autônomos em relação à sua própria vida”.
Não é surpresa alguma que a equipe de Kushner deseja nos fazer crer que apesar de “90 por cento dos palestinos não confiarem na administração,” ainda há uma mudança positiva na opinião pública palestina no que se refere à parte econômica do plano “Paz para Prosperidade”. Os americanos realmente acreditam que os palestinos irão cair em suas promessas de utopia sem limites – prosperidade, felicidade, sem desemprego ou pobreza –, mesmo conscientes de que os fundos prometidos não estão garantidos.
Não obstante, a tentativa de Kushner de manipular os árabes e palestinos para comprar sua narrativa e moldar suas escolhas em relação ao seu próprio bem-estar e felicidade, de acordo com os interesses dos governos americano e israelense, simplesmente não funcionará. Apesar de seu plano de marketing esquematizado para vender promessas coloridas de prosperidade e alegria, a equipe de Kushner percebeu a tempo que não será capaz de subornar o povo palestino. A mensagem ressonante recebida das ruas palestinas e da liderança palestina é a seguinte: “A Palestina não está a venda”.
Kushner não entende o paradoxo de seu plano. O principal problema aqui é que os novos mecanismos de controle social utilizados por ele contradizem os modos anacrônicos de opressão e dominação da ocupação militar de Israel e sua política de apartheid. Nas palavras de inúmeros críticos ao plano, a prosperidade não pode ser alcançada enquanto as condições estruturais (a ocupação militar israelense, o regime de apartheid e o projeto colonial de assentamentos sionista) que inibem a prosperidade estiverem vigentes.
Reagrupando poderes autoritários e reacionários
Além de suas campanhas de mídia, os americanos estão realinhando poderes autoritários e reacionários a região com governos nacionalistas, populistas e de extrema-direita em todo o mundo, para servir aos interesses do império americano em suas lutas projetadas sobre várias superpotências na região.
Em certo nível, os críticos estão certos ao destacar que o seminário de Manama pretendia oferecer uma distração da Nakba ainda vigente, que continua a acontecer e ser ignorada em toda a Palestina. A recente demolição de dezesseis edifícios residenciais no bairro de Wadi Al-Hummus, na aldeia palestina de Sur Baher, por forças da ocupação israelense foi condenada prontamente como um crime de guerra e um “ato flagrante de limpeza étnica.”
Críticos também observam corretamente que a visita de John Bolton, Conselheiro dos Estados Unidos de Segurança Nacional, a Israel e sua turnê pelos territórios ocupados do Vale do Jordão é nociva ao povo palestino. A visita de Bolton deve levar a outro ato descarado dos Estados Unidos em reconhecer o controle ilegal de Israel sobre os territórios palestinos ocupados, em desrespeito à lei internacional.
No entanto, há ainda mais nuances nestes movimentos. O império americano busca consolidar sua base de poder na região diante de qualquer confronto possível com outras superpotências mundiais. Alguns críticos sugeriram que os Estados Unidos já não precisam mais do Oriente Médio e que a eficiência da política externa americano deve ser mensurada por como os Estados Unidos lidam com “China, Índia, Rússia, União Europeia e outros estados-nação relevantes no mundo”.
Esses críticos claramente subestimam a importância da região para os Estados Unidos, à medida que o sistema capitalista global sofre mudanças em direção a estruturas de uma capitalismo autoritário que desligam o capitalismo das estruturas democráticas de governabilidade e conduzem a uma nova onda de regimes populistas, nacionalistas e de extrema-direita. Como observou o filósofo Noam Chomsky:
“Estes objetivos recaem sobre uma estratégia mais ampla de compor uma aliança global reacionária sob a égide dos Estados Unidos, incluindo as “democracias não-liberais” do Leste Europeu (como a Hungria de Viktor Orbán, entre outras) e o grotesco presidente brasileiro Jair Bolsonaro… Esta é uma estratégia natural para o Partido Republicano de Trump e McConnell, bastante inclinada ao espectro internacional da extrema-direita, mesmo além dos partidos ‘populistas’ europeus, há pouco tempo atrás considerados ainda uma franja insignificante.”
É de acordo com essas dinâmicas que os esforços recentes da administração de Donald Trump para adular e cortejar o Presidente palestino Mahmoud Abbas e a Autoridade Palestina devem ser compreendidos. Aquecer as relações com a Autoridade Palestina não é meramente, como alguns observaram, um reconhecimento tardio, por parte da administração de Trump, da relevância e centralidade dos palestinos em qualquer resolução histórica para o conflito, mas sim parte da campanha para realinhar e consolidar os poderes autoritários e reacionários na região.
Tornou-se claro que vários agentes estatais na região não irão cooperar com os americanos, enquanto os palestinos forem excluídos do processo. Reintegrar os palestinos à órbita do império americano pode garantir que todos os agentes em questão comportem-se bem.
Tais dinâmicas também seriam capazes de explicar a decisão da Autoridade Palestina de suspender todos os acordos estabelecidos com Israel após a demolição das casas em Wadi Al-Hummus. A Autoridade está pegando pesado com os americanos, mas esta decisão já foi feita no passado e jamais implementada.
Além disso, como observado corretamente por alguns críticos, suspender tais acordos não significaria nada sem lidar com o destino e a função da própria Autoridade Palestina. Os Estados Unidos podem também realizar algumas concessões e reatar algumas relações formais com os palestinos; entretanto, não se engane – isso tudo é feito em nome dos interesses nacionais dos Estados Unidos e de sua hegemonia imperial.
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