Quando começaram os protestos da Grande Marcha do Retorno, em março de 2018, o chamado do povo palestino foi claro, com demandas coletivas e absolutamente legítimas referentes ao reconhecido direito de retorno à Palestina histórica. A resposta de Israel foi posicionar franco-atiradores na fronteira e atirar para matar ou mesmo mutilar os manifestantes palestinos que ali exerciam seu direito fundamental de liberdade de princípios e expressão.
Na 42ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC), a alta-comissária Michelle Bachelet comentou sobre o assassinato de manifestantes palestinos pelo Estado de Israel. “Monitoramentos iniciais sugerem que foram mortos em circunstâncias onde não havia qualquer ameaça à vida ou de ferimentos graves; portanto, o uso de força letal é provavelmente excessivo,” afirmou Bachelet. Salvo o uso como último recurso, em caso de ameaça iminente, ela acrescentou, as ações de Israel “provavelmente constituem um ato de assassinato intencional.”
É bastante habitual a eterna especulação sobre as violações de direitos humanos por parte de Israel nos corredores e instituições da ONU. O Conselho de Direitos Humanos não é exceção. O tom de Bachelet é longe de assertivo no que concerne denunciar inequivocamente a estratégia premeditada do governo de Israel de matar civis palestinos. No entanto, isso há de ser esperado da ex-presidente do Chile, cujas ações executivas também agrediram as comunidades indígenas Mapuche, ao utilizar a antiga legislação de suposto antiterrorismo outorgada pela brutal ditadura militar de Augusto Pinochet.
A comunidade internacional volta a fracassar em relação aos palestinos. Quando tornou-se claro que os protestos da Grande Marcha do Retorno seriam permanentes, representantes da ONU recuaram em seu reconhecimento da narrativa palestina. Ao invés de investir um passo adiante e aderir às demandas do povo palestino pelo legítimo direito de retorno à sua própria pátria, a ONU preferiu embarcar em uma contra-estratégia, a fim de diluir a importância dos protestos. Em suas declarações, a ONU eliminou o contexto da Nakba fundamental à constituição da Grande Marcha do Retorno, ao atribuir as ações somente à indignação diante do bloqueio ilegal israelense e do ambiente exponencialmente deteriorante de Gaza. De fato, a ONU professou uma solução: o retorno do governo da Autoridade Palestina ao território sitiado.
Caso possa de fato persuadir a comunidade internacional de que as manifestações palestinas eclodiram devido somente a problemas humanitários, a ONU poderá manter suas próprias determinações sobre o povo palestino, as quais excluem em absoluto as demandas por descolonização, libertação e retorno.
O potencial da Grande Marcha do Retorno em conduzir a uma reflexão sobre a Palestina a partir de narrativas palestinas é uma preocupação política que falta à ONU. Portanto, tamanhos esforços para preservar as estatísticas vigentes, ao condenar apenas o assassinato e as agressões israelenses contra civis em protesto e alterar o foco do direito de retorno à provisão humanitária, além de evitar qualquer discussão possível em torno das falhas da Resolução 194 das Nações Unidas – que tenta reconhecer o direito de retorno do povo palestino, embora priorize efetivamente a colonização de Israel em detrimento dos direitos políticos palestinos.
Os últimos fiascos da ONU ilustram bem como a entidade ainda opera para isolar os palestinos ao subjugar seus direitos a uma retórica deliberadamente inconclusiva, em particular no que se refere às violações israelenses. Ao dar suporte ao projeto colonial sionista e à espoliação do povo palestino, este infindável debate das Nações Unidas sobre os assassinatos de civis palestinos por parte de Israel ou sobre a limpeza étnica como crime de guerra foi essencial para dar fim a qualquer possibilidade de reverter as violações israelenses.
Junto de Israel, a ONU corroborou à perseguição do povo palestino ao intencionalmente alterar suas demandas ao mesmo tempo em que criou hipóteses diversas, de modo a evitar que Israel e suas instituições sejam devidamente responsabilizados.
Entretanto, o fato da ONU ter construído um pedestal para sua supremacia não significa que devemos permitir que a luta palestina por libertação seja definida pelos parâmetros da entidade internacional. Que a ONU já não hesite mais: Israel matou palestinos deliberadamente. Agora, faça algo a respeito.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.