Depoimento de Mahmoud Abbas sobre o horror do massacre de Sabra e Shatila, em que ele lembra do cheiro da morte e a visão dos corpos de homens, mulheres, crianças, animais, o que foi descrito pela ONU como genocídio. O vídeo mostra imagens dos campos e traz um relato. Os palestinos foram erroneamente acusados de matar o lider das falanges cristãs maronitas de direita, Bashir Gemayel, e estas, em 16 de setembro de 1982, abriram passagem às forças de Israel, que cercaram dois campos de refugiados: Sabra e Shatila. Com as saidas fechadas, as falanges estupraram, mutilaram, escravizaram e mataram 3.500 palestinos e libaneses, como recorda Abbas, “usando armas, facas e instrumentos de corte, machados.” Israel assumiu indiretamente a responsabilidade e seu primeiro ministro, Ariel Sharon, também ministro da defesa à época, foi apelidado de “açougueiro de Beirute” por ter permitido a entrada das falanges..
Abbas recorda que estava chegando de Burj Al-Barajnev quando viu os clarões no céu que Israel produzia com bombas para que as falanges enxergassem suas vítimas, já que era noite e não havia eletricidade nos campos. Passadas quase quatro décadas, não foi feita justiça e o sofrimento é revivido na memória. Palestinos em todo mundo, até hoje, lembram e homenageiam os mártires de Sabra e Shatila.
Trinta e sete anos atrás, um dos mais sangrentos capítulos da história palestina desdobrou-se em um campo de refugiados no Líbano. Cercado por forças israelenses por todos os lados, milhares de refugiados, abandonados pela liderança árabe e desprovidos de qualquer proteção da comunidade internacional, foram massacrados durante uma onda de assassinatos que durou dois dias, no campo de refugiados de Chatila e no bairro vizinho de Sabra, no sul de Beirute, capital do Líbano. O massacre foi executado pela milícia falangista cristã (Kataeb), aliado paramilitar de Israel no Líbano.
O que: Massacre de Sabra e Chatila
Quando: 16-18 de setembro de 1982
Onde: Sabra e Chatila, Líbano
O que aconteceu?
Em 15 de setembro de 1982, forças israelenses, que invadiram o Líbano três meses antes, avançaram contra a capital Beirute e cercaram o campo de refugiados de Chatila. Um acordo tênue de cessar-fogo já havia sido firmado pelos Estados Unidos, a fim de conceder salvo-conduto à liderança da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), além de 14.000 combatentes, para saírem do país, devastado pela guerra civil. A Resolução 520 do Conselho de Segurança da ONU, datada de 17 de setembro daquele ano, foi aprovada por unanimidade e condenou “as recentes incursões israelenses contra Beirute em violação aos acordos de cessar-fogo das resoluções do Conselho de Segurança.” Israel ignorou também esta resolução.
Virtualmente isolados do mundo exterior por tanques israelenses, centenas de combatentes falangistas – grupo paramilitar fundamentalista cristão inspirado pelo fascismo europeu – foram instruídos pelas forças de Israel a remover todos os membros da OLP da região. O que ocorreu nos dois dias seguintes horrorizou o mundo.
A Falange era arqui-inimiga da OLP. Ambos lutaram em lados opostos na guerra civil do Líbano, que resultou em mais de 120.000 mortes. A milícia libanesa desejava vingar-se da morte do presidente libanês recém-eleito Bachir Gemayel. Os falangistas acreditavam que os palestinos eram responsáveis pelo assassinato de Gemayel, em 14 de setembro – alegação absolutamente desmentida mais tarde. Dessa forma, o desejo de vingança dos extremistas libaneses provou-se fatal para os palestinos.
Na 38 horas em que Israel permitiu a milícia falangista a invadir livremente o campo de refugiados, os palestinos tiveram de proteger-se em abrigos provisórios enquanto sofriam horrores inimagináveis. A milícia operou por procuração em nome de Israel e estuprou, torturou, mutilou e assassinou mais de três mil residentes palestinos e libaneses de Sabra e Chatila. Tropas israelenses estacionadas em um estádio de esportes, localizado em ponto estratégico acima da região, dispararam pistolas sinalizadoras contra o céu noturno e efetivamente assistiram os assassinatos ininterruptos executados pela Falange libanesa. A despeito dos relatos de testemunhas oculares sobre os horrores em curso, o Exército de Israel permitiu a entrada de reforços a Chatila e chegou até mesmo a fornecer tratores aos falangistas, com o intuito de enterrar e ocultar os cadáveres da população palestina local.
Determinados a destruir a base da OLP no Líbano e instalar um governo fantoche em Beirute, o então Ministro da Defesa de Israel Ariel Sharon fez vista grossa sobre os eventos correntes. Segundo relatos, em 17 de setembro, detalhes do massacre foram comunicados a Sharon, futuro Primeiro-Ministro de Israel, que permaneceu então absolutamente impassível, ao permitir que o massacre continuasse por horas e horas.
O que aconteceu a seguir?
Choque e indignação vieram a seguir. O Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade a Resolução 521, que condenou o massacre. Em 16 de dezembro de 1982, a Assembleia Geral da ONU declarou o massacre como “ato de genocídio”.
Israel lançou uma investigação própria sobre o assunto em 28 de setembro de 1982, através da chamada Comissão de Inquérito Kahan. A investigação israelense concluiu que a “responsabilidade direta” sobre os eventos era dos falangistas e que nenhum israelense poderia ser “responsabilizado diretamente”, embora Israel pudesse ser considerado “responsável indireto”. O Ministro da Defesa Ariel Sharon, entretanto, foi considerado “pessoalmente responsável” por “ignorar os perigos do derramamento de sangue e do desejo de vingança” e “não tomar medidas apropriadas para evitar o massacre.” Sharon foi exonerado de seu cargo; contudo, sua reputação e carreira política pouco foram afetadas e Sharon tornou-se primeiro-ministro em 2001.
Para os Estados Unidos, que garantiram a segurança de civis deixados para trás após a saída dos combatentes da OLP, o massacre representou um enorme constrangimento. A reputação americana, em contraponto, foi altamente prejudicada e levou à decisão de empregar forças americanas em território libanês, com resultados desastrosos. O Presidente Ronald Reagan deu ordens para que a Marinha dos Estados Unidos retornassem ao Líbano e, somente um ano depois, em 23 de outubro de 1983, um total de 241 oficiais americanos foram mortos por dois atentados de carros-bomba que destruíram seus quartéis em Beirute. Reagan, dessa vez, retirou definitivamente as forças americanas do país.
Para os palestinos, a tragédia de Sabra e Chatila permanece um lembrete poderoso de seu aparente ciclo sem fim de deslocamentos forçados. O massacre de Sabra e Chatila foi ainda outra consequência da limpeza étnica executada na Palestina durante a Nakba de 1948 e novamente em 1967. Cerca de meio milhão de refugiados palestinos ainda são desumanizados e abandonados em território do Líbano, onde resguardam pouquíssimos direitos políticos e civis. Os refugiados palestinos no Líbano são parte dos 5.4 milhões de refugiados palestinos espalhados por toda a região em campos absolutamente precários que agora simbolizam uma noção perturbadora de permanência.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.