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Jamal Khashoggi: questões sem respostas e hipocrisia por todos os lados

Jornalista saudita Jamal Khashoggi fala em uma conferência em Ancara, Turquia [Gökhan Balci/Agência Anadolu]

O primeiro aniversário do assassinato bárbaro de Jamal Khashoggi, jornalista saudita radicado nos Estados Unidos, se aproxima; entretanto, a maioria dos líderes mundiais parecem desejar esquecer o caso e seguir em frente, sobretudo o petulante príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman, governante de fato da Arábia Saudita. Seus ministros bajuladores ainda negam seu envolvimento em qualquer aspecto da hedionda morte de Khashoggi, em 2 de outubro do ano passado, dentro do consulado saudita em Istambul, na Turquia. Contudo, imagino como poderão reagir estes indivíduos covardes a um documentário americano transmitido nesta terça-feira, 1° de outubro de 2019, no qual Bin Salman é registrado assumindo plena responsabilidade pelo assassinato de Khashoggi, “porque aconteceu sob minha tutela.”

Alguns poucos governos ocidentais e suas agências de inteligência insistiram na época que o príncipe herdeiro de fato ordenou a morte de Khashoggi. Essa confissão mais recente provavelmente não causará nenhuma indignação global, pois o que tinham a declarar já foi dito anteriormente, ainda nas primeiras semanas após o crime hediondo, em 2018. O governo turco, na ocasião, divulgou os detalhes horrorosos do assassinato, em um período de dias ou semanas. O tempo, como dizem, cura muitas feridas; porém, também nos faz esquecer.

Após um período “apropriado”, quando se expressou toda a falsa indignação sobre o incidente, os negócios voltaram ao normal, em termos de petróleo e comércio de armas entre a Arábia Saudita e os governos do Ocidente. É fato que Mohammad Bin Salman evitou visitar a Europa ou os Estados Unidos no período interino, para desviar a atenção; contudo, admitiu recentemente a Martin Smith, jornalista veterano da rede PBS, sua culpabilidade: “Assumo toda a responsabilidade pois aconteceu sob minha tutela.”

Onde está Jamal Khashoggi? – cartum [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

A princípio, o governo saudita negou ter qualquer participação no desaparecimento do jornalista, quanto menos em sua morte, mesmo após serem divulgadas gravações de vídeo que mostravam Khashoggi entrando no consulado saudita e jamais visto novamente. Entretanto, quando as evidências incontestáveis produzidas pelo governo turco vieram à tona, incluindo gravações de áudio que registraram o momento do assassinato e do brutal esquartejamento do corpo, a narrativa proveniente de Riad mudou subitamente, a fim de culpar “agentes rebeldes”.

Segundo a promotoria pública da Arábia Saudita, o então vice-diretor de inteligência do país serviu de bode expiatório, em parte, porque ordenou a repatriação de Khashoggi, crítico bastante vocal do governo saudita radicado na capital americana Washington, que logo se tornou uma pedra no sapato dos governantes do reino. Segundo a narrativa, o chefe de negociações ordenou então que executassem o jornalista após suas conversas sobre um retorno “voluntário” fracassarem efetivamente.

O promotor deteve Saud Al-Qahtani, ex-conselheiro real, como um dos homens que deu a ordem via Skype para os executores, segundo informações da agência Reuters. A agência também alegou que foi Al-Qahtani quem informou o esquadrão de execução sobre os movimentos de Khashoggi em Istambul. Em sua entrevista para a rede PBS, Smith pressiona o príncipe herdeiro a especificar como seria possível que tal assassinato ocorresse sem o seu conhecimento.

De modo bastante insidioso, o príncipe responde: “Temos vinte milhões de pessoas. Temos três milhões de funcionários do governo.” Smith pergunta então se os assassinos teriam autoridade para requerer jatos do governo para que entrassem e saíssem rapidamente de Istambul. Bin Salman logo retruca: “Tenho oficiais, ministros que acompanham essas coisas, eles são responsáveis. São eles que têm a autoridade para tanto.”

Onze oficiais sauditas supostamente serão julgados pelo assassinato. Todavia, as audiências são realizadas em absoluto segredo e é, portanto, bastante difícil saber se haverá justiça, ou mesmo se é possível acreditar nas palavras ditas pela máquina de marketing do governo saudita. Até então, Riad rejeitou todos os apelos da ONU para que o príncipe herdeiro e outros oficiais de alto escalão sejam investigados. É bastante improvável que os membros principais do Conselho de Segurança da ONU demonstrem qualquer apoio aos pedidos reiterados por justiça feitos por diversas organizações internacionais.

Em junho, o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump fez piada com sua contraparte russa, Vladimir Putin, sobre a possibilidade de se livrar de jornalistas, durante um encontro entre os dois líderes na cúpula do G20, no Japão. Cercado por repórteres, Trump apontou para eles e disse: “Livrem-se deles. Fake news é um termo ótimo, não? Você não tem esse problema na Rússia, mas nós temos!”. Putin respondeu de modo bastante atípico, em inglês: “Também temos. É a mesma coisa.”

O diálogo foi condenado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), órgão internacional com sede em Nova Iorque, porque ao menos 26 repórteres foram mortos durante o mandato de Putin como presidente. Muitos deles eram jornalistas investigativos que analisavam casos de abuso de poder e corrupção dentro do governo russo. Jornalistas nos Estados Unidos também estão sob ataque constante durante comícios promovidos por Trump, onde a imprensa é referida como “inimiga do povo.”

Em 2018, cinco funcionários do Capital Gazette foram mortos por um atirador que invadiu a redação do jornal na cidade de Anápolis, estado de Maryland, Estados Unidos. Após o incidente, a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) incluiu os Estados Unidos na lista de cinco países mais mortais para o trabalho jornalístico. Embora a natureza do assassinato de Jamal Khashoggi seja extraordinária, infelizmente o assassinato de jornalistas por todo o mundo é bastante comum.

Segundo o Presidente da Turquia Recep Tayyp Erdogan, o assassinato do jornalista saudita representa “uma grave ameaça à ordem internacional”. O presidente turco ainda caracterizou o crime como “provavelmente o incidente mais controverso e marcante do século XXI.” Em um artigo de opinião para o jornal americano The Washington Post, onde trabalhava Khashoggi, Erdogan reiterou também que, às vésperas do primeiro aniversário do assassinato, ainda sabemos “muito pouco sobre o acontecido.”

O que de fato sabemos é que questões ainda precisam de respostas, à medida que os “negócios de costume” varrem os fatos mais desagradáveis para debaixo do tapete, marcados pela enorme hipocrisia generalizada no que concerne às relações internacionais. Porém, não em todo canto.

Erdogan prometeu continuar as investigações sobre o caso. Para ele, há três questões fundamentais a serem respondidas: “Onde estão os restos de Khashoggi? Quem assinou a ordem para matar o jornalista? Quem enviou os quinze assassinos, incluindo um especialista forense, a bordo de dois aviões sauditas para Istambul?”

Pessoalmente, ainda acrescentaria uma quarta pergunta: “Porque qualquer país que se diz civilizado e respeitoso às leis ainda faz negócios com a Arábia Saudita?” Caso os anseios de Mohammad Bin Salman para trazer os responsáveis à justiça fossem verdadeiros, já estaria feito. Devemos seriamente acreditar que o príncipe herdeiro é incapaz de nos dizer quem são os assassinatos e onde esconderam Khashoggi?

Na noite de quarta-feira (2), o Monitor de Oriente Médio sediará um evento em memória do jornalista: “Lembrando-se de Jamal – Um ano depois”, realizado na Biblioteca Britânica, em Londres. O MEMO teve o prazer de receber Jamal Khashoggi em um de nossos eventos na capital britânica ainda ano passado, somente alguns dias antes de ser assassinado. “Jamal Khashoggi pode ter sido silenciado fisicamente,” relata o MEMO, “mas sua memória e sua filosofia terão um impacto duradouro sobre os jovens na região e sobre os jornalistas em todo o mundo.” Penso que se trata de uma homenagem apropriada a um jornalista cujo assassinato brutal tornou-se uma causa conhecida por todos e todas que valorizam a liberdade de expressão e buscam responsabilizar governos internacionais por seus crimes hediondos.

“Punirei todos os envolvidos,” diz o príncipe herdeiro. Qual foi o papel de Mohammad Bin Salman na morte de Khashoggi? – cartum [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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