A decisão tomada pelo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump de manter as sanções impostas contra o Sudão é a mais clara indicação até então de sua má vontade em reconhecer ou aceitar os progressos feitos pela revolução sudanesa de dezembro e pelo subsequente governo interino. Na última semana, Ibrahim Elbadawi, Ministro das Finanças do Sudão, liderou uma delegação que realizou viagens internacionais a fim de apresentar a nova conjuntura do país. Ao retornar, em coletiva de imprensa do Aeroporto de Cartum, o ministro concedeu uma análise otimista das perspectivas de trazer a economia sudanesa de volta aos trilhos. Afirmou Elbadawi: “A bola certamente está conosco para que façamos todo o necessário para transformar a economia.”
Seus comentários foram realizados após uma série de reuniões com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O ministro sugeriu que o Sudão poderá escapar de pagar suas dívidas caso concorde com um plano de reajuste econômico estrutural que possa incluir apoio não-financeiro. Elbadawi declarou que “amigos do Sudão” poderão pagar pelo orçamento de 2020 juntamente com recursos direcionados a vinte ou mais projetos de desenvolvimento. Entretanto, poupou detalhes.
O Sudão ainda sofre com uma severa crise econômica, apesar da deposição do ex-presidente Omar Al Bashir e do plano anunciado pelo governo interino para estabelecer um pacote econômico de duzentos dias para medidas emergenciais. A política foi bem sucedida ao implementar efetivamente o fornecimento e distribuição de pães para a população. No entanto, o preço de produtos alimentares básicos continua a aumentar em níveis astronômicos.
Nas ruas de Cartum, um quilo de cebola é tão caro quanto um quilo de frango. Um quilo de carne vermelha é equivalente a uma semana do salário médio pago aos funcionários públicos do país. A tentativa do Sudão de dar o pontapé inicial para erguer sua economia depende bastante de investimentos no valor estimado de US$ 10 bilhões, para que enfim possa solucionar os problemas presentes. Contudo, a manutenção de seu nome na lista de terroristas torna impossível o alijamento de sua dívida externa, que chega ao déficit de US$ 60 bilhões.
A decisão de Trump ocorre a despeito de intensos esforços diplomáticos e de um crescente otimismo que toma conta do país, devido inclusive a declarações de apoio de estados vizinhos, como o Egito, e de figuras públicas, como ex-presidente americano Jimmy Carter, que reivindicam a retirada do Sudão da lista de entidades terroristas. A mensagem de Trump ao congresso americano, datada de 31 de outubro, trata-se evidentemente de um enorme revés. Escreveu o presidente: “Apesar dos recentes desenvolvimentos positivos, a crise constituída pelas ações e políticas do Governo do Sudão levou à declaração de uma emergência nacional… (em cinco ordens executivas distintas) a questão ainda não foi solucionada.” Trump prosseguiu: “As ações e políticas continuam a representar uma ameaça extraordinária e incomum à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos.”
Suas palavras foram recebidas com enorme desânimo e incredulidade por alguns setores da comunidade internacional. A decisão de Trump contradiz o entusiasmo do discurso proferido no último mês pelo Primeiro-Ministro do Sudão Abdullah Hamdook, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, na cidade de Nova Iorque. Na ocasião, declarou Hamdook: “Deixe-me tornar o mais claro possível, o Sudão jamais apoiará o terrorismo (aplausos). A situação foi causada pelo antigo governo que oprimiu nosso povo até ser deposto. Pedimos aos Estados Unidos que remova imediatamente o Sudão da lista de países que patrocinam o terrorismo.”
Especulações sobre as razões exatas da relutância de Washington em remover o Sudão da lista recaem sobre o suposto desejo da gestão de Trump de utilizar o estado africano como exemplo de sua política nacionalista “America First”. O governo americano não está disposto a suspender sanções que efetivamente abririam o caminho para novas oportunidades de investimentos, influência política e vantagens econômicas a serem exploradas potencialmente por concorrentes da economia dos Estados Unidos, como China e Rússia, em detrimento da hegemonia de Washington. Portanto, o regime de Trump deseja evidências de que o novo governo democrático será simpático aos interesses americanos, incluindo o apoio a aliados como Israel. Relatos não confirmados ainda sugerem que os Estados Unidos estão interessados em obter concessões de petróleo e outros investimentos, além de uma atitude sudanesa mais favorável à política externa americana.
Relatos também indicam que diplomatas americanos estão preocupados com a recente reunião de líderes de estados africanos realizada na cidade de Sochi, Rússia, a convite do presidente russo Vladimir Putin. Projetos relacionados à construção de uma nova usina de energia nuclear e à assistência militar russa colocam o Sudão do lado errado do território de sanções. Os membros militares do conselho soberano sudanês reafirmaram também seu compromisso com a ajuda obtida de Moscou e acordos extraordinários que abrangem investimentos militares e em infraestrutura, acertados pelo governo anterior.
Diante deste contexto, Washington e seus aliados europeus esperam utilizar suas vantagens para acuar o Sudão e pressionar o governo em Cartum a assinar todos os acordos e convenções internacionais possíveis, a fim de alinhar a nova conjuntura sudanesa aos interesses da comunidade internacional. No topo das prioridades, está concordar com a Convenção sobre a Eliminação das Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, em inglês), rejeitada pelo antigo governo sob pretexto de que se opõe aos valores islâmicos. A decisão de não ratificar o acordo, portanto, impediu o Sudão de filiar-se a entidades internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). O Primeiro-Ministro Abdullah Hamdook deve então visitar novamente Washington nos próximos meses para demonstrar sua disposição em ratificar acordos internacionais concernentes a direitos humanos e liberdades de imprensa.
Entretanto, é possível que haja um ponto de conflito a ser destacado. Enquanto se arrasta o julgamento do ex-presidente Omar Al-Bashir por corrupção e lavagem de dinheiro, a demanda para transferí-lo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), para que responda por crimes de guerra, pode tornar-se muito bem uma condição para atenuar a dívida sudanesa e remover o país da lista de estados que patrocinam o terrorismo.
Tal exigência pode criar um conflito crítico e interno nos quadros do conselho soberano que hoje governa o Sudão, considerando que os membros militares efetivamente prometeram jamais entregar o presidente deposto. Em último caso, a decisão pode dividir o novo governo interino e forçá-lo a escolher entre proteger o ex-presidente autoritário de um julgamento internacional ou proteger o futuro da prosperidade econômica do povo sudanês.
Seja qual for a decisão, torna-se claro que a recusa de Trump em remover o nome do Sudão de sua lista de estados patrocinadores de entidades terroristas pode exacerbar ainda mais a crise econômica no Sudão. Tal agravamento, nas palavras do ex-presidente americano Jimmy Carter, pode “frustrar o país novamente ao ponto de ebulição.”
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