O general Abdel Fattah Al-Sisi está tentando construir uma ditadura autocrática para rivalizar com os regimes deste tipo do século XX. Sisi parece ter certeza que consolidará seu nome na história como um dos “grandes líderes” do Egito moderno.
Entretanto, Sisi subestimou o fato de que ditaduras absolutas não possuem qualquer futuro e que seu regime tirânico deverá fracassar como todos os seus antecessores – como a Espanha do general Francisco Franco, a Romênia de Nicolae Ceauşescu, o Iraque de Saddam Hussein, a Líbia de Muammar Gaddafi e muitos outros. A questão não se resume apenas ao contexto histórico distinto, em particular à Guerra Fria, tampouco à revolução tecnológica digital, a qual tornou-se um dos principais meios de conscientização coletiva sobre as posturas tomadas por líderes nacionais.
O assunto também se refere à incipiente incapacidade da ditadura de Sisi em comprar a lealdade do povo e de eventuais apoiadores, devido majoritariamente ao déficit de recursos financeiros e incentivos internacionais. Os ditadores supracitados, e outros além, possuíram enorme abundância de recursos econômicos, materiais e financeiros que lhes permitiram extorquir as massas, a fim de garantir sua hegemonia por um longo período. Eram também indivíduos bastante habilidosos, à medida que concediam algum espaço para participação política de terceiros, embora limitado ou restrito, esforços bem sucedidos para domar a consciência coletiva da população.
O que Sisi tenta fazer no Egito é construir uma ditadura individual “livre”, cuja implementação lhe seja barata. Ao fazê-lo, Abdel Fattah Al-Sisi, sua família e a comitiva à sua volta parecem lucrar do processo. Embora tenha removido a coleira que antes subjugava os anseios do Exército, não apenas em relação a acordos de negócios, mas também referente a decisões de estado (devido à desconfiança ou desprezo de Sisi por mobilizações civis), tais medidas não são suficiente para garantir a lealdade militar a longo prazo. Este tópico é particularmente relevante à luz das informações recentes que comprometem Sisi em acusações de corrupção e pilhagem do patrimônio público, assunto bastante cotidiano hoje no Egito. Hosni Mubarak, ex-ditador, foi mais esperto ao ceder às demandas de generais do exército, sem diretamente submetê-las à opinião pública, como fez o presidente Sisi.
Além disso, Sisi não parece confiante em encontrar o parceiro certo para estabelecer sua autoridade, mesmo como mera formalidade, pois despreza e desconfia de representantes civis. Sisi também receia que uma parceria deste tipo poderá ser o início de seu fim. Conforme sua linha de pensamento, todas as instituições como exército, polícia, imprensa e mesmo setor privado são meras ferramentas ao seu serviço, e não devem sequer ousar lhe oferecer parceria, muito menos competir com seu poder ou desafiá-lo.
Sisi poderia muito bem ter dado ares de legitimidade ao seu regime ao abrir as portas para grupos de oposição e permitir certo nível de liberdade de expressão, ao menos àqueles que o apoiaram às vésperas do golpe de julho de 2013. Entretanto, Sisi sabe também que Mubarak foi deposto logo após permitir esta mesma liberdade (embora bastante restrita) à imprensa e não deseja sofrer o mesmo fim do ex-ditador.
A forma como Sisi administra sua pretensa ditadura poderá fazê-lo tropeçar e cair, em incidentes ainda piores do que aqueles impostos a Mubarak, que construiu seu poder com base em um certo pluralismo partidário. Tal previsão não é fantasia alguma, tampouco esperança, à medida que Sisi utiliza seus poderes somente para intimidar adversários e apavorar apoiadores. Sisi perdeu grande parte de qualquer suposta credibilidade que já teve, mesmo às vésperas do golpe que depôs o falecido presidente eleito Mohamed Morsi. Essa crise de legitimidade que impõe-se a Sisi se dá devido principalmente ao seu monopólio sobre o poder nacional e seu caráter de unilateralismo, além do fracasso contundente em enfrentar a crise econômica e social que assola a população comum do Egito. Portanto, não é nenhuma surpresa que certo grau de rejeição, descontentamento com sua liderança e incerteza quanto ao futuro do regime pareça cada vez maior. O sistema proposto por Sisi está estremecido em suas bases, seja por um desvio individual quanto às promessas anteriormente feitas, seja devido às revelações divulgadas pelo empreiteiro e ator Mohamed Ali, cujos vídeos expuseram a corrupção sistêmica flagrante no país.
O destino de ditaduras aparentemente estáveis, não importa se estão em declínio, como o regime de Sisi, é inevitável. Todas elas caem – e como caem deve ser considerado. A menos que a morte natural seja o caminho de saída para um ditador, como ocorreu com Franco ou Augusto Pinochet (do Chile), seu destino termina por ser assassinato, execução, prisão ou exílio. Todos estes são destinos possíveis, sobre os quais Sisi parece estar ciente. Devido a esta noção bastante presente, o atual presidente egípcio parece se apegar ao poder como nunca antes. Sente-se ameaçado pela oposição – apesar de suas fraquezas e do fato de que seus líderes são assassinados pelo regime, ao lado de cidadãos comuns. Sente-se ameaçado também pela própria corte à sua volta, indivíduos supostamente mais próximos ao seu poder. Sisi pode jurar quantos juramentos quiser, pode prometer mais uma e outra vez que não almeja autoridade, pode mentir o quanto desejar sobre evitá-la, mas nada disso evitará sua queda espetacular, mais cedo ou mais tarde. A ditadura de Abdel Fattah Al-Sisi é de fato uma ditadura frágil.
Este artigo foi publicado inicialmente em árabe, no jornal Al-Araby Al-Jadeed, em 11 de novembro de 2019
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