Um colapso financeiro, econômico e cambial no Líbano pode ser uma receita pesada para uma crise, facilmente escalável para uma rebelião pública que pode levar a uma revolução por mudança ou à submissão a acordos para adiamento de crises; deixando o país sob risco de duras concessões econômicas e políticas, expondo outra rendição ao que resta da soberania do Estado.
No entanto, os protestos do Líbano em 17 de outubro parecem ter aberto o caminho para uma rebelião antes de ocorrer uma crise desse tipo. Talvez o Líbano ainda esteja caminhando para essa crise, como resultado das condutas políticas de fortes divisões e disputas.
Os incêndios em massa que devastaram grandes áreas do Líbano já causaram alvoroço no país, com moradores acusando o governo de não estar preparado para tais ocorrências e e este sendo forçado a recorrer à ajuda de forças estrangeiras.
Apenas dois dias depois, em vez de emitir uma declaração sobre seus planos de melhorar os serviços para garantir que o corpo de bombeiros e o exército pudessem lidar com esses incidentes, o governo deu um salto ao contrário, ao declarar um novo conjunto de impostos, incluindo aqueles sobre aplicativos de voz na internet (protocolo VoIP) para fazer chamadas, como WhatsApp, Skype, Viber, Facebook e FaceTime. Isso desencadeou uma bola de fogo raivosa que se desdobrou em amplos protestos nacionais. O imposto provocador foi semelhante ao imposto sobre o argileh (cachimbo de água/shisha) no início de maio de 2019. Ambos são vistos localmente como um mecanismo de fuga para um público crescente de desempregados, já perturbado pela corrupção no governo em meio à recessão econômica.
Os libaneses foram humilhados pelas crescentes políticas irresponsáveis do governo, que protegiam somente os privilégios das lideranças políticas e de seus aliados corporativos, às custas dos interesses públicos ou estaduais de segurança nacional.
O governo tem adotado estratégias de empréstimos financeiros, acumulando dívidas nacionais esmagadoras, contribuindo para uma economia ainda mais dependente, lançando mão da estabilidade socioeconômica libanesa e da soberania nacional do estado e mantendo o país refém de manipulações estrangeiras.
Enquanto isso, bloqueia ou adia serviços públicos urgentes e demandas sociais. Mantém-se dominado por um cartel político-corporativo que, consciente ou inconscientemente, lava o Estado ao colapso e à violência emanantes.
No entanto, é possível que o nascimento da rebelião pacífica de 17 de outubro tenha consigo, preservadas, as sementes de uma revolução imanente. Uma que há muito espera pelas reformas eleitorais que permitiriam ao Líbano ter um parlamento incluindo a maioria dos libaneses, representando o movimento de rebelião, a maioria dos jovens desempregados ou estudantes entre 18 e 21 anos de idade que não têm permissão para votar ou escolher representantes no legislativo. Ou que tivesse a maioria das forças nacionais não-sectárias ou seculares, hoje autorizadas a participar das eleições somente sob as cotas sectárias impostas na lei eleitoral. Mesmo em 2017, apesar das reformas introduzirem o voto proporcional, este permaneceu dominado pelos círculos eleitorais sectários.
A atual rebelião realmente contribuiu para o crescimento da consciência pública, política e econômica. Abriu discussões públicas sobre as soluções essenciais para uma potencial crise, gerando um papel sem precedentes para o público na discussão e na determinação da crise do país, ou nas escolhas de políticas internas e externas importantes para alcançar uma estratégia econômica soberana. Especialmente à luz dos novos recursos naturais de energia de hidrocarbonetos no Mar Mediterrâneo do Líbano, que prometem garantir riqueza e prosperidade econômicas. Israel, com apoio dos EUA, reivindicou grandes áreas de territórios libaneses ricas em reservas de gás natural.
O Líbano continua proibido de resistir às ameaças ou de obter ajuda para reunir os meios necessários para se defender de quaisquer intervenções econômicas, políticas ou armadas estrangeiras. É proibido especialmente de manter discussões com a China ou a Rússia, às quais os EUA continuam fortemente opostos em meio das mudanças de poder econômico global.
No entanto, a questão permanece na fronteira doméstica libanesa, na luta contínua por uma justiça social proibida, que anteriormente levou o país a uma guerra civil mortal. Infelizmente, as demandas por justiça socioeconômica e política permaneceram proibidas ou foram adiadas no final da guerra, impedindo reformas aguardadas desde a primeira constituição do Líbano, em 1926.
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