Há poucos enigmas políticos atualmente – homens fortes, certamente, mas não enigmas. Temos o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, longe de sê-lo; ou o Primeiro-Ministro do Reino Unido Boris Johnson, que é um Trump sem carisma, além de vários outros líderes pela Europa e por todo o mundo que, de alguma forma, encaixam-se na polaridade entre esquerda e direita do espectro político. O Presidente da Turquia Recep Tayyp Erdogan, no entanto, é uma exceção.
Essa característica mostrou-se evidente na última semana, durante a reunião da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em Londres, Reino Unido, na qual líderes e representantes dos 28 estados-membros da aliança reuniram-se para debater seu futuro e sobrevivência. Paralelamente à reunião de cúpula, Trump e Erdogan encontraram-se para discutir diversas questões incluindo os acontecimentos no norte da Síria após a chamada Operação Nascente de Paz, executada pela Turquia, anteriormente condenada pelos Estados Unidos, embora Trump tenha efetivamente concedido luz verde à ação.
Desta vez, no entanto, Trump elogiou a Turquia por fazer um “bom trabalho” no norte da Síria, após suspender a operação. Poderá tal declaração ser posta à parte da usual indecisão e inaptidão política de Donald Trump? Talvez. Mas uma atitude semelhante também destacou-se no mês de novembro, quando Erdogan visitou Trump na Casa Branca e tentou justificar a operação ao mostrar um vídeo de propaganda que enfatizava os crimes das milícias curdas contra civis turcos.
Trump novamente se encantou e ordenou ao Senador Lindsey Graham que obstruísse um projeto de lei que reconhecia o genocídio na Armênia, o que surpreendeu a todos ao redor do presidente americano. Outro exemplo da postura de Trump diante de Erdogan foi a retirada de tropas americanas da Síria neste ano, após apenas um telefonema de Erdogan, no qual supostamente foi sugerida a proposta.
A celebridade
Entretanto, foi logo após a reunião de cúpula e os decorrentes encontros diplomáticos que a popularidade de Erdogan evidenciou-se verdadeiramente. Erdogan realizou um evento em Londres na última noite da reunião da OTAN, no qual – apesar de supostamente mal organizado devido à contagem e tratamento dos convidados – o discurso do presidente turco foi recebido com aplausos duradouros e grande aprovação. Sua saída do local foi ainda mais histérica, pois multidões o aguardavam do lado de fora para cumprimentá-lo desesperadamente, quase como uma obsessão popular diante da sua personalidade.
Então, Erdogan participou de outro evento na cidade de Cambridge, ao qual foi convidado para inaugurar oficialmente uma nova mesquita ecológica. Sua presença foi recebida com cenas semelhantes, e sua declamação melódica do Alcorão Sagrado conquistou ainda mais o respeito e admiração da comunidade religiosa.
Essa fascinação com Erdogan dentre certos segmentos do público – alguns chamariam de culto à personalidade – é bastante conhecida há tempos. No entanto, é sua postura diplomática que o torna tão intrigante. Erdogan é provavelmente o único estadista ou líder estrangeiro recente a receber tamanha aclamação no Reino Unido ou no restante da Europa, embora também seja um dos mais difamados e desprezados pela comunidade política ocidental.
O Reino Unido é historicamente conhecido por estar na vanguarda da tolerância a todas as variações de partidos políticos, diplomatas e figuras exiladas da comunidade internacional. Esta tradição data, ao menos, dos primeiros congressos e conferências do Partido Comunista da Rússia, realizados em Londres na primeira década do século XX, dos quais participaram Lênin e Stálin. A pequena turnê de Erdogan no Reino Unido e sua facilidade em conquistar e atrair públicos enormes, todavia, é inteiramente distinta da presença de quaisquer outros políticos que estiveram ou visitaram o país.
Embora seu encanto – se assim podemos chamá-lo – tenha funcionado bem com Trump e nos comícios realizados em terras britânicas, houve de fato alguma resistência em relação a nações como Alemanha, que tentou impedir seu discurso durante a cúpula do G20 em Hamburgo, em 2017. Porém, após sucessivos protestos e comícios em apoio a Erdogan, desde então, a Alemanha passou a considerar necessário receber o líder turco para realizar conversas e negociações oficiais no ano de 2018. Por ocasião desta viagem, Erdogan também inaugurou mais uma mesquita na cidade de Colônia, na região do Rio Reno.
Ao presidente turco, a despeito de suas diversas controvérsias e disputas diplomáticas, foi concedido o direito de realizar turnês consecutivas em vários países estrangeiros, com um caráter ocasionalmente mais próximo de uma celebridade do que de um político convencional.
O revolucionário
Desde sua entrada no cenário político doméstico da Turquia, em meados da década de 1990, Erdogan sempre foi representado por um estilo político revolucionário, ao contrariar as normas tanto nacionais quanto internacionais. Ao restabelecer a legislação antes outorgada que impunha meios de repressão religiosa na Turquia, Erdogan irritou inúmeros secularistas em seu próprio país. Seu apoio contínuo a países predominantemente islâmicos e sua política de expansão da identidade cultural-religiosa turca o submeteu a acusações de ser um “radical islâmico” no poder. Suas intervenções militares no norte da Síria e seu apoio aos direitos dos turco-cipriotas aos recursos naturais no território do Chipre resultaram na caracterização pública de Erdogan como um possível ditador genocida e expansionista.
Seja ao apoiá-lo ou observá-lo com desconfiança devido a atitudes cada vez mais autoritárias e ao fato dos princípios do Partido Justiça e Desenvolvimento (AK) terem se deteriorado nos últimos anos, é inegável, no entanto, que Erdogan exerceu efetivamente um papel revolucionário no cenário internacional.
O que o distancia de outros fortes estadistas heterodoxos em outros lugares do mundo – populistas, por exemplo, como Trump, Vladimir Putin, na Rússia, Viktor Orban, na Hungria, ou Rodrigo Duterte, nas Filipinas – é o fato de que Erdogan é capaz de se fazer bem-vindo, embora não sem relutância, nos círculos políticos dos governos ocidentais, além de amplos segmentos da sociedade civil.
Apesar das sanções europeias contra a Turquia, impostas em 2019, e as relações ainda tensas com os Estados Unidos, o Ocidente jamais desprezou tanto e tanto dependeu de uma única figura e de toda a sua resistência política como despreza e depende do presidente turco Recep Tayyp Erdogan.
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