A Líbia tropeça entre os interesses do Ocidente, Estados Unidos e Rússia

Apelos confirmados por um armistício na Líbia, feitos pelo Presidente da Turquia Recep Tayyp Erdogan e corroborados pela sua contraparte russa Vladimir Putin, resultaram no anúncio de um acordo de cessar-fogo assinado por ambos os lados do conflito no país devastado pela guerra, em 12 de janeiro deste ano. Após discussões, os dois lados concordaram em assinar o acordo de cessar-fogo em Moscou, na última segunda-feira (13).

O cessar-fogo resguardou o objetivo de encerrar as hostilidades e dar início a um diálogo político entre as partes em conflito. Na segunda-feira, Fayez al-Sarraj – Presidente do Conselho Presidencial da Líbia e Primeiro-Ministro do Governo de Acordo Nacional, reconhecido pela ONU – e o militar renegado Khalifa Haftar pousaram em Moscou para assinar o acordo.

Representantes da Turquia e Rússia, incluindo Mevlut Cavusoglu – Ministro de Relações Exteriores da Turquia – e sua contraparte russa Sergey Lavrov, estiveram presentes. A Turquia recentemente assinou um memorando de entendimento referente a questões de defesa com o governo líbio reconhecido pela ONU; a Rússia, por outro lado, é aliada de Haftar. Uma aliança russa ainda encoberta com Haftar tornou-se clara após o Grupo Wagner, empresa de segurança por contrato filiada ao Kremlin, sofrer perdas no território líbio ao lutar lado a lado com as forças de Haftar.

Após negociações envolvendo as partes líbias, russa e turca, al-Sarraj assinou o cessar-fogo ainda na segunda-feira, com esperanças de dar fim aos nove meses consecutivos de ataques sobre a capital líbia Trípoli, executados por Haftar e seus aliados. Entretanto, Haftar não assinou o acordo, alegando precisar de dois dias para deliberações. Por que Haftar decidiu não assinar o cessar-fogo?

Em 2011, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) apoiou o levante popular líbio que resultou na deposição e morte do longevo ditador Muammar Gaddafi. Desde então, o país foi destruído mais uma vez por forças em conflito. Atualmente, há um governo liderado por Haftar, sediado na cidade oriental de Tobruk, que combate o governo apoiado pela ONU, liderado por al-Sarraj, com sede em Trípoli.

Desde abril de 2019, forças de Haftar atacam Trípoli. Nenhuma potência no mundo, sequer a ONU, condenou os ataques, exceto a Turquia. As potências globais limitam-se a pedir por soluções pacíficas para o conflito; em solo, no entanto, violam as sanções da ONU referentes ao envio de armas à Líbia. Quando a Turquia assinou o memorando de entendimento sobre questões de defesa com Trípoli, o mundo opôs-se veementemente à decisão turca.

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Entretanto, quando Haftar deixou Moscou sem assinar o cessar-fogo, Lavrov disse: “Jamais tivemos a intenção de que as conversas em Moscou fossem as últimas, capazes de solucionar todas as questões [do conflito líbio] sem exceções. Promovemos este encontro como um passo e uma forma de contribuir para a preparação de uma conferência internacional sobre a Líbia a ser realizada em Berlim.”

Erdogan declarou: “O golpista Haftar não assinou o cessar-fogo. A princípio, disse sim, mas depois, infelizmente, deixou Moscou, fugiu de Moscou … Apesar disso, achamos que as conversas em Moscou foram positivas, à medida que mostram a verdadeira face do golpista Haftar à comunidade internacional.”

Hafez Lighweel, professor de ciências políticas da Universidade John Hopkins, excluiu a possibilidade de Haftar assinar o cessar-fogo neste instante pois “não lhe cabe decidir”. Ao falar para a rede de televisão da rede Al Jazeera na noite de terça-feira (13), Lighweel descreveu Haftar como “mercenário”, responsável por executar uma guerra por procuração em nome do Egito, Emirados Árabes Unidos e outros.

Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia, encontra-se com o comandante militar líbio Khalifa Haftar na residência do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, na capital Moscou, em 13 de janeiro de 2020 [Ministério de Relações Exteriores da Rússia/Agência Anadolu]

Para Lighweel, Haftar não deve interromper os conflitos antes de ocupar Trípoli e livrar-se do governo legítimo e destaca que estes são os objetivos de seus aliados. Miftah Salama, acadêmico líbio, descreveu o Egito e os Emirados Árabes Unidos como “marionetes das potências ocidentais e dos Estados Unidos.” Segundo o professor líbio, suas ações falam alto em nome de suas relações com o Ocidente. Salama também reiterou que Haftar está parcialmente executando uma agenda russa.

Salama disse: “[O Ocidente, Estados Unidos e Rússia] esperam se beneficiar tanto quanto possível das reservas de petróleo da Líbia.” A Líbia possui mais de 48 bilhões de barris em reservas de petróleo cru, índice que a torna a maior reserva do tipo no continente da África e a nona maior reserva em todo o mundo.

Após Haftar decidir não assinar o acordo de cessar-fogo em Moscou, Aguila Saleh Issa, porta-voz da Câmara de Representantes pró-Haftar em Tobruk, negou que o militar líbio realmente precisava de dois dias para deliberar. O parlamentar destacou: “O cessar-fogo acabou e a guerra continuará.”

O professor Lighweel reiterou este fato ao revelar que oficiais emiradenses fizeram parte da delegação de Haftar a Moscou e lhe deram ordens para não assinar o acordo.

Rússia, Estados Unidos e outros países ocidentais ficaram bastante indignados com a situação na Líbia quando a Turquia decidiu sair em defesa do governo apoiado pela ONU, como forma de resistência aos ataques contínuos de Haftar. O apoio turco a Trípoli teria a intenção de ajudar a estabilizar o país e interromper o fluxo de petróleo no mercado negro líbio. O apoio do Exército da Turquia a Trípoli provavelmente será efetivado como intervenção, pois Erdogan já ameaçou Haftar de ensinar-lhe uma lição, logo após o militar líbio deixar Moscou sem assinar o cessar-fogo.

Manifestantes protestam contra os atos do comandante líbio Khalifa Haftar, em apoio ao Governo de Acordo Nacional, reconhecido pela ONU, na Praça dos Mártires em Trípoli, Líbia, 10 de janeiro de 2020 [Hazem Turkia/Agência Anadolu]

O Presidente dos Estados Unidos Donald Trump fez questão de realizar um telefonema para Haftar e reconhecer seu suposto papel significativo em proteger os recursos do petróleo. Guma El-Gamaty, acadêmico e político líbio, afirmou que Haftar “veria-se despojado de importantes vantagens políticas que reduziriam sua relevância, tanto interna quanto internacionalmente,” caso fosse derrotado por Trípoli e privado dos recursos petrolíferos.

O ex-Chefe do Estado Maior do Exército Líbio, Yousef al-Mangoush, reiterou à Agência Anadolu: “Está claro que a decisão não reside nas mãos de Haftar. Acredito que ele trabalhe de fato por procuração para outros agentes.” Sobre o apoio turco: “Penso que a Turquia concederá seu apoio declarado ao governo líbio em Trípoli. E este apoio, é claro, terá como objetivo encerrar a guerra, preparar a conjuntura e reconstruir o estado e suas instituições.”

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Potências ocidentais não parecem interessadas em qualquer solução pacífica ou política para os confrontos, que resultariam na permanência do governo atual no poder. “O único objetivo das potências ocidentais e Estados Unidos é prejudicar os acordos entre Líbia e Turquia”, declarou Salama.Mevlut Cavusoglu, chanceler turco, questionou anteriormente onde estavam os países da União Europeia durante os ataques contínuos sobre Trípoli, nos oito meses que antecederam a interferência da Turquia. “Caso Haftar mantenha-se assim, o processo de Berlim será irrelevante”, relatou Cavusoglu a repórteres após o fracasso dos acordos em Moscou.

Segundo Lighweel, Berlim ainda não anunciou oficialmente qualquer notícia sobre a conferência agendada pois tinha certeza de que o acordo em Moscou fracassaria. Para Lighweel, o fracasso do cessar-fogo também estava nos planos e anseios do governo alemão. O acadêmico argumenta que Berlim convidou diversas partes e países ao evento, a fim de envolvê-los diretamente e, portanto, tornar a crise líbia uma questão perpetuada.

Lighweel e Salama falaram então sobre os interesses de França, Itália e Rússia na Líbia. Ambos destacaram o silêncio francês e italiano concernente aos ataques contínuos sobre Trípoli, antes da interferência turca. Segundo os professores, tais países permaneceram convenientemente em silêncio ainda no que se refere à intervenção egípcia e emiradense e ao envio de armas aos grupos de Haftar. Sobretudo, os russos estão presentes em solo representados pelo grupo de mercenários Wagner.

Ao deliberar sobre as justificativas para a Rússia pressionar Haftar, Lighweel afirmou: “Turquia e Rússia são aliados estratégicos e mantêm fortes laços econômicos. A Rússia poderia sacrificar Haftar, que é um mercenário, para agradar a Turquia. Porém, está aguardando até o fim. Caso perca as esperanças em Haftar, evidentemente se colocará ao lado da Turquia, em firme oposição ao comandante líbio.”

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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