Identificar quem lucra com a ocupação de Israel favorece os palestinos nesta luta assimétrica

Um relatório há muito necessário publicado pelo Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas identificou 112 empresas que se beneficiam dos assentamentos ilegais israelenses na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental. Quase cem destas empresas têm sede em Israel; o restante origina-se de dezoito países incluindo Estados Unidos, França, holanda, Luxemburgo, Tailândia e Grã-Bretanha. Entre as empresas enumeradas pelo relatório estão nomes bastante conhecidos: Booking.com, Expedia, Airbnb, TripAdvisor, a gigante tecnológica Motorola e a enorme produtora e distribuidora do ramo alimentício General Mills. Empresas de construção e infraestrutura como a companhia britânica JC Bamford Excavators (JCP) e a francesa Egis Rail também estão listadas.

O banco de dados sobre tais empresas foi coletado sob mandato do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC) a partir de 2016, iniciativa proposta para votação por quatro países distintos – Malásia, Nova Zelândia, Venezuela e Senegal. Os Estados Unidos se abstiveram.

Em resposta imediata, Israel Katz – Ministro de Relações Exteriores de Israel – classificou a medida como uma “rendição vergonhosa” a países e organizações que desejam ferir Israel, ao alegar que a ONU tornou-se parceira e ferramenta do movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). Após condenar a ação, Israel declarou romper laços com o órgão de direitos humanos.

O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu demonstrou-se furioso por sua derrota internacional e ameaçou boicotar “quem quer que nos boicote.” O líder israelense condenou a lista das Nações Unidas como trabalho realizado por uma entidade supostamente tendenciosa e sem influência: “Ao invés de lidar com direitos humanos, este corpo tenta denegrir o nome de Israel. Rejeitamos e repugnamos qualquer tentativa do tipo nos termos mais veementes. Quem quer que nos boicote será boicotado.”

O relatório foi publicado um dia após o Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas discursar no Conselho de Segurança da ONU, onde declarou repúdio ao “plano de paz” de Donald Trump, intitulado “acordo do século”. A proposta foi revelada ao mundo em Washington há uma semana, na presença de Netanyahu e do líder da oposição israelense Benny Gantz, mas sem qualquer palestino presente na ocasião.

O tão aguardado relatório da ONU foi divulgado a despeito da enorme pressão exercida por empresas israelenses e parlamentares americanos que desejavam impedir sua publicação. Temiam que a iniciativa encorajasse os palestinos a processar legalmente as empresas identificadas, por meio de instituições internacionais. Apenas esta exposição a eventuais medidas legais deve afetar e retirar investimentos estrangeiros dos negócios em Israel.

Os israelenses consideram o relatório como uma “facada nas costas” e reiteraram sua absoluta rejeição. Ativistas contrários à ocupação que buscam justiça nos termos da lei internacional, entretanto, acreditam que se trata do mínimo a ser feito para demonstrar solidariedade efetiva aos palestinos oprimidos, cuja luta por autodeterminação e liberdade nacional retorna a 1948 – quando foi criado o Estado de Israel.

Previsivelmente, o Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos também declarou repudiou ao relatório. “Esta ação é apenas mais uma evidência de que o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, supostamente responsável por liderar a pasta na ONU, está excessivamente politizado e concentra tempo e recursos contra Israel de modo desproporcional”, afirmou Jim Risch, presidente da comissão, senador republicano por Idaho.

Pôster condena a Airbnb por promover viagens a assentamentos ilegais na Palestina ocupada [foto de arquivo]

O Escritório de Direitos Humanos da ONU, porém, defendeu sua posição. “Embora tais assentamentos sejam considerados ilegais sob a lei internacional, este relatório não fornece qualquer caracterização legal sobre as atividades em questão ou seu envolvimento com empresas privadas”, esclareceu Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos.

No que interessa aos palestinos, o relatório da ONU representa uma vitória simbólica para a lei internacional e sua justa causa. É visto então como um primeiro passo fundamental para restaurar a fé na lei internacional, segundo declarações emitidas por alguns oficiais da Autoridade Palestina.

Saeb Erekat, veterano negociador sobre a questão palestina e Secretário-Geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), declarou que a lista da ONU de fato impulsiona a credibilidade da UNHCR diante da intensa pressão e ataques severos impostos pela administração de Trump às instituições das Nações Unidas. “Embora a lista não inclua todas as empresas que lucram com o empreendimento colonial de assentamentos israelenses na Palestina ocupada, trata-se de um primeiro passo crucial para restaurar a esperança no multilateralismo e na lei internacional”, reiterou Erekat.

O Ministério de Relações Exteriores da Autoridade Palestina fez um apelo para que os estados membros da comissão de direitos humanos da ONU estudem o banco de dados estabelecido a fim de estipular que as empresas identificadas encerrem suas atividades nos assentamentos ilegais. O primeiro-ministro palestino Muhammad Shtayyeh prometeu assumir medidas legais contra as empresas, mas também propôs a elas considerar a possibilidade de transferirem suas fábricas e filiais a cidades e aldeias palestinas próximas, caso queiram retificar a atual conjuntura ilegal. Observou, no entanto, que as empresas precisarão pagar indenizações pelo uso ilegal de terras palestinas e por exercerem atividades econômicas contrárias às leis em defesa da soberania palestina, sem pagar os devidos impostos à Autoridade Palestina.

“Processaremos as empresas listadas no relatório por meio de corpos jurídicos e cortes internacionais, presentes em seus próprios países, devido a seu papel na violação de direitos”, acrescentou Shtayyeh.

Segundo a organização não-governamental Observatório de Direitos Humanos (Human Rights Watch), o banco de dados poderá auxiliar empresas e firmas privadas a encerrar o que foi classificado como “cumplicidade em abusos de direitos” e “deve pôr em alerta todas as empresas” para que saibam que não estão acima da lei internacional.

Todos os assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados são ilegais segundo a lei internacional, embora Israel alegue que os assentamentos tenham sido construídos em territórios “disputados” e que seu status deve ser decidido por negociações. Entretanto, Israel continua a violar as leis vigentes, além de diversas resoluções da ONU e direitos humanos fundamentais. Como parte das promessas e slogans de reeleição promovidos por Netanyahu, em abril e setembro últimos, o líder israelense comprometeu-se reiteradamente em aplicar a soberania de Israel e anexar mais de cem assentamentos ilegais na Cisjordânia ocupada. Não obstante, seu entusiasmo inicial ao lhe ser concedido tudo que desejava pela proposta de Trump logo desapareceu, pois Washington decidiu pressioná-lo a suspender os planos de anexação até as próximas eleições – terceiro ciclo em apenas um ano, marcadas para 2 de março.

Aproximadamente 620.000 colonos israelenses vivem em mais de 230 assentamentos ilegais e postos militares avançados, em torno de onze por cento da população judaica total na Palestina histórica. A realidade, contudo, é que os assentamentos já são administrados como se anexados, exceto oficialmente.

Considerando mais ou menos 600 postos de controle, o Muro do Apartheid e todos os assentamentos ilegais, apenas dezoito por cento da Palestina histórica está de fato disponível para um “estado palestino” – constituído, porém, por bantustões desconexos, à medida que os assentamentos de Israel são ligados por pontes fortificadas, túneis e estradas de uso exclusivamente judaico. Tais medidas punitivas devastaram a economia palestina; empresas palestinas quase não podem exercer suas atividades devido ao estrito controle israelense. A população palestina é absolutamente dependente da economia e moeda israelenses.

É por isso que o relatório divulgado pelo Escritório de Direitos Humanos da ONU é visto como tamanha vitória para os palestinos, embora ainda simbólica. Sem dúvida, serão proferidas acusações de “antissemitismo” contra todos que tentem boicotar as empresas que lucram com a ocupação ilegal israelense. Tais acusações difamatórias devem ser tratadas com a irrelevância que merecem. Agora é hora dos palestinos se beneficiarem deste pequeno impulso à sua causa, naquilo que até hoje é uma luta absolutamente assimétrica.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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