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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Partido Trabalhista britânico é manipulado contra a solidariedade palestina

Partido Trabalhista parece considerar formalmente o uso da expressão absolutamente factual ‘lobby israelense’ como termo supostamente ‘antissemita’
Logotipo do Partido Trabalhista do Reino Unido [foto de arquivo]

Costuma-se dizer que jornalistas não devem tornar-se parte das histórias que contam.

Contudo, em algumas das melhores histórias já escritas, os próprios jornalistas de fato adentraram ao conto.

Como exemplo fundamental, penso em Gary Webb.

Webb era um jornalista ativista na Califórnia, Estados Unidos, que expôs a corrupção no governo local e nas forças policiais, conquistou uma carreira de sucesso e ganhou prêmios, até o dia em que a maior história de sua vida profissional caiu sobre seu colo e encerrou o sonho.

O escândalo exposto por Webb era grande demais e aborreceu forças muito mais poderosas do que agentes da lei de âmbito local. Suas revelações atingiram o próprio coração do estado paralelo conduzido pela inteligência e pelo Exército dos Estados Unidos, e prejudicou a narrativa crucial de “algumas maçãs podres”.

Em sua série de artigos investigativos para o jornal local San Jose Mercury News – intitulada “Dark Alliance” ou “Aliança Sombria” –, publicadas em 1996, Webb revelou relações da CIA com figuras obscuras de uma milícia de direita da Nicarágua, a qual vendia cocaína nos Estados Unidos e utilizava seus lucros para financiar a guerra contra o governo sandinista, de tendência à esquerda.

Tais gangues violentas da contrarrevolução – conhecidas como Contras – estiveram envolvidas nos piores e mais hediondos crimes de guerra cometidos contra a Nicarágua e seu governo revolucionário, com apoio da CIA.

Esta parte já era notória. Mas o que Webb revelou pela primeira vez foi que a guerra imperialista da CIA na América Latina alimentou indiretamente a epidemia de crack nos anos 1980 – que destruiu muitas comunidades afro-americanas em cidades por todo o continente.

Em seu livro sobre o escândalo – mesmo título da série de artigos – Webb representou a si mesmo como personagem nesta história quase inacreditável – contudo, absolutamente real.

No prólogo do livro, Webb conta como foi orientado por uma nova fonte. Mais tarde, volta a entrar na história: primeiro quando a imprensa nacional tentou difamar e matar a reportagem; então, quando este papel foi assumido pelo próprio jornal para o qual trabalhava.

Embora não me compare a Webb, também tive de entrar recentemente em minha própria história.

Pelos últimos cinco anos, cubro a narrativa manufaturada da chamada “crise de antissemitismo” no Partido Trabalhista do Reino Unido, principal partido de oposição ao governo conservador do Primeiro-Ministro Boris Johnson. Como demonstrei de modo bastante abrangente, a falsa narrativa foi utilizada para depor o então líder do partido Jeremy Corbyn e esmagar o movimento popular de esquerda que o levou à proeminência.

Definitivamente entrei nesta história em março de 2019, quando o Partido Trabalhista decidiu suspender minha filiação. Sua lista de “alegações” contra mim resumiam-se a um ataque político contra meu trabalho jornalístico.

Ostensivamente, as acusações referiam-se a suposto discurso de antissemitismo.

Contudo, na realidade, nenhuma das alegações na ata de suspensão sequer chegaram ao ponto de contestar quaisquer declarações factuais presentes em minhas reportagens ou comentários em redes sociais, como Twitter, cuja função era sintetizá-las.

Os tuítes que compartilhei eram frequentemente acompanhados por links para artigos que escrevi e que demonstravam o ponto exposto. Muitos destes artigos eram extensos e detalhados, esclarecendo pacientemente como cheguei a minhas conclusões e apresentando evidências primárias, incluindo documentos, registros de vídeo e áudio, e outras fontes de primeira mão.

Entretanto, todo esse trabalho tão cuidadoso foi ignorado pela burocracia sem rosto do Partido Trabalhista. As “acusações” contra mim foram apresentadas de modo trivial, como se bastasse a palavra deles contra a minha, sem necessidade de sustentá-las com qualquer fato concreto.

Os tuítes citados como “alegações” (aparentemente, de suposto antissemitismo) demonstram que o Partido Trabalhista agora considera oficialmente o uso da expressão absolutamente factual “lobby israelense” como termo supostamente “antissemita”.

Não importa a opinião das pessoas sobre a expressão e seu uso, é evidente que esta distorção conceitual agride os fatos, a compreensão básica sobre a verdade, o senso comum e a liberdade de imprensa.

Agora, o Partido Trabalhista declara efetivamente ilegal algumas das críticas mais banais e tradicionais em relação ao Estado de Israel. Tais iniciativas deveriam preocupar a todos, não somente membros do Partido Trabalhista e seus apoiadores.

Por todas essas razões, e devido ao tratamento impróprio e ilegal sobre meus dados pessoais, decidi escrever ao partido na última semana renunciando de minha filiação, em protesto declarado.

Ameaças recentes de expulsar-me caso não respondesse (novamente) a suas requisições e perguntas relacionadas às “alegações” foram, para mim, a gota d’água.

Renunciei após um período de quase um ano de reflexão. Não considero uma decisão fácil e expressei minha gratidão e solidariedade aos companheiros que permanecem no partido, a despeito desta caça às bruxas – determinados a resistir a ela.

A recente caça às bruxas dentro do Partido Trabalhista está apenas começando. Trata-se do último sinal de que a burocracia conservadora do partido britânico é tendenciosa e o manipula contra os palestinos e sua luta por libertação.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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