Quando o ex-presidente Hosni Mubarak foi absolvido da corrupção, em janeiro de 2015, os analistas já o haviam previsto. Para muitos, era evidência de que o deep state (estado profundo) existia.
O deep state é uma frase que se associava regularmente à política egípcia após a revolução de 2011. Sadat, Mubarak, Al-Sisi – esses são os rostos descartáveis de uma velha guarda militar encarregada do Egito, que não está preparada para abrir mão dos privilégios que esta trazia.
A pedido dos manifestantes e da comunidade internacional que se uniram ao menos nos primeiros dias da revolta egípcia de 2011, esse deep state sacrificou Mubarak porque precisava parecer que oferecia concessões, mas depois o deixaram em silêncio. Seus confidentes falavam de um acordo entre ele – que era um deles – e os militares, que acalmariam o público e garantiriam os negócios como de costume para o antigo regime.
Antes da Primavera Árabe, circulavam vários artigos sugerindo que os generais não estavam satisfeitos com o fato de Mubarak estar preparando seu filho, Gamal, para sucedê-lo.
Enquanto Mubarak havia tido uma carreira na força aérea do Egito, Gamal não era militar. Como alguém de fora, não era possivel garantir que ele protegeria o monopólio do exército sobre a economia, a receita obtida com os restaurantes, clubes, fábricas e hotéis que representavam 40% da economia estimada.
Gamal havia sido associado a uma série de reformas de privatização neoliberal, impopulares com muitos egípcios que achavam que ele simbolizava a elite empresarial corrupta, a diferença entre ricos e pobres e a continuação do nepotismo em detrimento da democracia.
Em janeiro de 2011, centenas de milhares de manifestantes saíram às ruas para exigir que a família Mubarak renunciasse ao poder. Em 11 de fevereiro de 2011, após uma revolta de 18 dias, Mubarak acabou por deixar o cargo e foi a julgamento. Uma das acusações contra ele foi por levar à morte de 239 manifestantes.
O modo como o ex-presidente e seus filhos mais tarde olharam de trás de uma jaula no tribunal egípcio, acusados de outra acusação de desviar fundos públicos e usar o dinheiro para melhorar suas próprias propriedades, foi uma humilhação que muitos nunca teriam pensado ser possível durante os 30 anos do comando do ditador sobre o país.
Esse foi o homem que implementou a lei marcial em todo o país, que deu às forças de segurança a cobertura para deter membros da oposição sem mandados, julgá-los em tribunais militares e exercer controle sobre a imprensa. Mubarak era um aliado próximo e que manteve o acordo de paz do país com Israel.
E houve então a corrupção e os lucros. Na época da Primavera Árabe, vários jornais estimavam que a fortuna de Mubarak valia cerca de US$ 70 bilhões. Dois meses depois, o Washington Post disse que a soma dos ativos apropriados pela família de Mubarak era superior a US$ 700 bilhões e que eles haviam escondido sua fortuna em diferentes países do mundo.
Na época, um quarto do país vivia abaixo da linha da pobreza e as escolas, estradas, hospitais e serviços públicos estavam se deteriorando.
Apesar de Mubarak ter sido condenado à prisão perpétua em 2012, ele passou a maior parte do tempo em um hospital militar, que os ativistas na época comparavam às celas pequenas e infestadas de roedores em que os membros da oposição eram mantidos entre as sessões de tortura.
Os relatórios revelaram que, no Hospital Militar Al-Maadi, o ex-presidente desfrutava de entregas regulares de flores, jornais e artigos de viagem, visitas famíliares e uma vista do Rio Nilo. Ele finalmente saiu em 2017, depois que o mais alto tribunal de apelações do Egito o absolveu de conspirar para matar manifestantes.
A impunidade dos companheiros da era Mubarak é contínua desde então. Em novembro de 2014, o Tribunal Penal do Cairo também absolveu seu ex-ministro do Interior, Habib Al-Adly, e seis outros funcionários do Ministério do Interior, enquanto o magnata dos negócios Hussein Salem, que foi multado em US$ 4 bilhões por lavagem de dinheiro em 2011, alcançou um acordo de reconciliação de meio milhão de dólares com o governo.
Três dias antes da morte de Mubarak, seus filhos foram absolvidos da negociação ilícita de ações durante a venda de um banco. Tudo isso ocorre sob um regime que fez 60.000 prisões políticas e torturou centenas até a morte. Isso prova apenas que, mesmo após sua morte, o legado de Mubarak – corrupção, impunidade e brutalidade – o sucederá.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.