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Vamos celebrar o Dia Internacional da Mulher

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Pela primeira vez desde a invasão e ocupação do Iraque em 2003, mulheres no país estão celebrando o Dia Internacional da Mulher, de forma que recorda comemorações que suas mães e avós possam ter testemunhado. Enfim, após uma ausência que pretendia durar, as mulheres retornaram à vida pública.

Sob palavras de ordem como “Protestando por meus direitos” e “Queremos nossa pátria”, mulheres marcharam lado a lado com homens solidários, reivindicando seu direito de reconquistar seu espaço público nas praças e ruas de sua nação. Suas mães e avós ajudaram a construir tais praças e ruas desde a década de 1920, para então estabelecer um estado moderno. Agora, as mulheres iraquianas participam desde outubro de protestos para libertar sua pátria da ocupação iraniano-americana sob pretexto de “democracia” ou “religião”. Sua presença, participação e habilidade de construir um país são determinadas hoje, como no passado, pela luta das mulheres e pelo desenvolvimento de suas capacidades coletivas. O poeta Jamil Sidqi Al-Zahawi esteve entre os primeiros a homenagear a determinação feminina. Seu artigo “Mulheres e sua defesa”, publicado em agosto de 1910, e sua obra poética investiram contra o retrocesso da comunidade em nome da religião e celebraram sucessivamente os apelos para que as mulheres árabes pudessem lutar por seu direito à liberdade.

Não é surpresa alguma que mais de cem anos depois mulheres iraquianas tomem as ruas novamente para reivindicar sua liberdade e continuar sua revolução contra políticos unidos por uma miscelânea de submissão ao ocupante, corrupção e uso da fé como artifício obscurantista, a fim de impedir as mulheres de trabalharem ao lado dos homens de modo independente, livre e digno. Essa é a experiência comum a todos os povos que vivem sob ocupação colonial. Mulheres organizaram-se para desafiar qualquer um que lhes impute acusações há muito fatigadas e sem qualquer originalidade, tais como aquelas anunciadas pelo suposto “mestre” – o clérigo xiita Muqtada Al-Sadr, que acusou recentemente a participação das mulheres de representar “nudez, promiscuidade, embriaguez, imoralidade e escárnio”. Al-Sadr chegou ao ponto de afirmar que a participação política feminina implica infidelidade, violações da Sharia e dos fundamentos divinos da religião, além de infringir suposta ofensa aos profetas e mensageiros. Tudo isso após mulheres estudarem, graduarem-se e tornarem-se profissionais excelentes durante um período no qual todos podiam trabalhar juntos, sem discriminação, a fim de construir o futuro do Iraque por meio da ciência, tecnologia e cultura.

As mulheres saíram às ruas vestidas com a bandeira iraquiana para celebrar a unidade de sua pátria, contra o sectarismo, o saque e a falsa democracia estabelecida por meio de fraude eleitoral. Protestaram contra seu suposto papel como meros meios políticos, utilizados por terceiros para chegar ao Parlamento, e contra violações de sua dignidade comuns nas instituições de governo. Protestaram também contra a prisão, tortura, acusações de prostituição e ameaças de estupro, caso decidam erguer a voz. Protestaram ainda contra a solução oficial para um milhão de viúvas que precisam de auxílio social, quando o governo decidiu indicá-las para um segundo casamento, tornando-as dependentes de subsídios masculinos, ao invés de devidamente empoderá-las através de assistência social digna e oportunidades de emprego em um dos países mais ricos do mundo.

Devemos celebrar ao lado de todas as mulheres do mundo, reafirmaram as mulheres árabes. Vamos nos unir ao mundo neste dia de comemoração que tanto precisamos, para não nos alienarmos em relação umas às outras, de modo que também possamos preservar nossa fé e nosso patrimônio. O propósito de nossa união é que as mulheres nos países árabes também tenham direito à verdadeira civilização, conforme acreditamos na justiça, na igualdade e na dignidade humana.

Mulheres nos países árabes, da Palestina ao Iêmen, Iraque, Síria, Tunísia, Líbano e além, precisam sobreviver em meio a sua luta ou mesmo conquistar seus direitos básicos, para que possam então ter a oportunidade de respirar por um instante e recarregar suas forças, exauridas pelo cotidiano, pela luta contra o passado, pelas guerras impostas e todas as formas de ocupação. Por vezes, precisamos lutar para não perder até mesmo o que nossas mães e avós conquistaram ao longo de gerações e gerações; afinal, merecem que sua luta seja honrada e comemorada enquanto continuamos a viver e lutar por nós mesmas, em uma região atolada em 40% das guerras e conflitos que tomam conta do mundo hoje.

Mulheres árabes detidas enquanto celebram o Dia Internacional da Mulher

Vamos celebrar a resistência das mulheres palestinas, que nos deram esperanças onde quer que estejam. Elas são o símbolo da mulher árabe, a mulher na qual todas as lutas se combinam. As mulheres palestinas carregam nos ombros com êxito e força seus desafios, por sua presença, resistência e beleza, conforme permanecem obstinadamente em sua própria terra, determinadas a viver uma vida plena. Não é preciso mencionar que também levam consigo um senso profundo de pertencimento e identidade.

Vamos celebrar, dizem as mulheres detidas e prisioneiras políticas, em desafio à ocupação e à opressão das autoridades locais, que tanto querem silenciar suas vozes e sepultar suas opiniões, além de marginalizá-las ou negar sua própria existência. Os opressores querem transformá-las em máquinas emudecidas, que respondem automaticamente a seus caprichos, sem voz ou presença.

“Não será hoje o Eid?”, admirou-se Awatef Al-Muzghni, combatente tunisiana detida nas prisões do país, as quais Ben Ali transformou em casa para todos que se opuseram a seu regime autoritário. Em seu artigo publicado na antologia Cadernos do sal: Escritos tunisianos sobre a experiência da prisão política (em tradução livre), Al-Muzghni relata como desafiou as autoridades, após limpar as lágrimas, para reconquistar sua voz e determinação e, enfim, celebrar o feriado islâmico com suas companheiras. Al-Muzghni decidiu fazê-lo para que a ocasião não passasse despercebida, para que ela e seus companheiros não se tornassem apenas vítimas da dor. Desejavam divertir-se, mesmo que por algumas horas, com suas crianças e famílias, entoando os Eid Takbeers. Conseguiram o que queriam quando, apenas alguns minutos depois, os corredores da prisão foram tomados por comemorações do Eid.

Que a celebração do Dia Internacional da Mulher nos recorde dos milhões de mulheres forçadas a deixar suas casas devido a invasões, bombardeios ou milícias bárbaras. Na Síria, Iêmen e Iraque, e antes mesmo na Palestina, as mulheres sofreram com o deslocamento forçado, e não souberam à época o que aconteceria a elas e suas famílias nos dias seguintes. Não poderiam saber que seriam expulsas da noite para o dia a países que lhes ofereceriam tendas em um primeiro instante, para negociar suas vidas logo adiante. Escaparam dos perigos impostos em seus próprios países apenas para enfrentar ameaças em locais não menos cruéis e severos. Permanecem despojadas de quaisquer direitos e são fisicamente exiladas, então continuam a lutar para manter sua humanidade.

“Feliz Dia Internacional da Mulher para você e seu país” é a mensagem que recebi de uma guerreira palestina, em referência à nova geração de manifestantes iraquianas que reivindicam uma pátria. É assim que as mulheres árabes saúdam umas às outras no Dia Internacional da Mulher. Uma forma única entre as mulheres do mundo, que frequentemente podem contentar-se com apenas mais um dia feliz. Desse modo, as mulheres árabes simbolizam uma afirmativa de união entre suas aspirações pessoais e públicas e todo o significado de sua existência, associada à existência de sua própria terra.

Este artigo foi primeiro publicado em árabe, no website Al-Quds Al-Arabi, em 10 de março de 2020.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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