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Ramadã em tempos de coronavírus

Crianças palestinas de famílias carentes esperam por sopa distribuída por voluntários para o iftar, jantar de desjejum do Ramadã, na Cidade de Gaza, 27 de abril de 2020 [Mohammed Asad/Monitor do Oriente Médio]

Não há dúvida de que o Ramadã deste ano é diferente dos anos anteriores. O sentimento habitual de espiritualidade comunitária parece ausente e sua alegria parece perdida diante do pânico em torno do covid-19. A distância social impôs o fechamento de mesquitas, incluindo Al Masjid Al-Haram, em Meca, local mais sagrado para o Islamismo. Neste contexto, os muçulmanos não podem realizar a Umrah – peregrinação –, pela qual muitos religiosos aguardam todo ano. Mesmo aqueles que não tiveram a honra de visitar Al-Haram aguardam ansiosamente para assistir as orações noturnas do tarawih em suas televisões, transmitidas ao vivo da mesquita sagrada para compensar de algum modo a impossibilidade de visitar o local. A transmissão costumava lhes permitir vivenciar a atmosfera espiritual da prece, desfrutar da leitura do Corão, como se o recitassem junto dos sheikhs.

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As mesquitas estão fechadas em todos os países árabes, devido à crise de covid-19, mas estão abertas em alguns países islâmicos, como Indonésia, Paquistão e Afeganistão. Algumas mesquitas nos países ocidentais também estão abertas, com orações organizadas para manter os fiéis distantes uns dos outros, de modo a preservar medidas de “distância social”. O resto dos países islâmicos poderia ter feito o mesmo, mas preferiram manter o chamado lockdown. É possível que tenham encontrado no covid-19 um pretexto para atingir velhos objetivos.

O Ministro de Recursos Religiosos do Egito, por exemplo, prometeu julgar por traição qualquer um que reúna pessoas para conduzir orações de sexta-feira. De fato, mostrou-se demasiadamente para fechar mesquitas e locais de culto. Mesmo diante de reivindicações populares para reabrir mesquitas e para que o Corão pudesse ser recitado, mesmo sem a presença de fiéis, o ministro mostrou-se inflexível sobre a proibição.

Embora as horas de toque de recolher tenham sido reduzidas em todos os países árabes e que a proibição foi suspensa para locais como boates, parques e shoppings, a ordem permanece imposta sobre mesquitas. A inflexibilidade em relação a locais de culto é impressionante – afinal, por que os governos árabes recorrem a tal abordagem arbitrária? Os governos alegam que a aglomeração de pessoas em mesquitas ajuda a propagar o vírus, mas ignoram aglomerações em mercados ou transportes públicos. Por acaso, o covid-19 invade somente mesquitas e afeta somente os fiéis? Quantos crimes são cometidos sob o pretexto do coronavírus, embora a doença pouco tenha a ver com eles?

Fato é que governo autoritários pretendem alterar a identidade islâmica de seus países. O príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita Mohammed bin Salman decidiu assumir a lei francesa como base constitucional do país, no lugar do Corão e suas recomendações. Trata-se justamente da base sobre a qual se organiza a constituição do estado estabelecida pela própria família saudita. “Desejam em vão extinguir a Luz de Deus com as suas bocas; porém, Deus nada permitirá, e aperfeiçoará a Sua Luz, ainda que isso desgoste os incrédulos.”

Então, sim, o Ramadã em tempos de coronavírus é diferente de seus predecessores. Todo muçulmano sente um pouco de tristeza dada a ausência das principais manifestações de alegria e generosidade habitualmente praticadas neste período, um mês marcado por fazer o bem e aproximar-se de Deus. Tais manifestações incluem o desjejum coletivo diário – agora, os mais pobres e transeuntes não têm onde comer.

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Entretanto, uma coisa não mudou: a televisão. Novelas, shows de entretenimento e jogos habituais continuam a ser transmitidos como todos os anos – e a falta de programas históricos e religiosos é novamente notável. Essa política foi adotada nos países árabes conforme o lançamento de canais por satélite da região, na década de 1990, a fim de distrair alguns dos fiéis do mês sagrado de culto. O coronavírus intensificou essa política e revelou defensores que a justificam sob pretexto de entretenimento, diante das políticas de “fique em casa”. Uma atriz chegou a descrever a si mesma mujahida – guerreira santa –, supostamente forçada a deixar sua casa apesar dos perigos de covid-19 para gravar seu programa e sacrificar a si mesmo em nome do entretenimento.

Todos utilizam o coronavírus como desculpa para justificar vícios anteriores, à medida que a pandemia decorre justamente de ações humanas. O vírus surgiu como um aviso às pessoas, mas continuam a ignorá-lo.

O covid-19 representa uma oportunidade para aproximar as pessoas de Deus, e não distanciá-las ainda mais de Seus preceitos. Este vírus microscópico que ninguém ainda pode derrotar deveria estimular nossa reflexão sobre o que vivemos e lembrar-nos de nossas fraquezas e fragilidades. Não importa o tanto de conhecimento ou poder que possua, isso deriva da sabedoria de Deus, não de nós mesmos. A atual conjuntura deveria levar as pessoas a mais perto de Deus e seus anseios – deveria nos levar a maior certeza e fé, manifestadas em nosso comportamento. O coronavírus pode até mesmo ser uma bênção de Deus a quem compreende.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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