Oficiais israelenses discretamente confirmam que conversas “significativas” estão em curso com o Hamas para estabelecer um acordo de troca de prisioneiros, a fim de reaver soldados israelenses detidos pelo grupo palestino na Faixa de Gaza.
Em abril, Ismail Haniyeh, chefe do gabinete político do Hamas, em entrevista televisionada à rede Al-Araby, com sede em Londres, anunciou: “Temos quatro prisioneiros e estamos prontos para conversas indiretas.” No entanto, há duas questões fundamentais: por que o Hamas negociaria diretamente com Israel? E tal acordo poderia se materializar?
Percepções distintas sobre a negociação
As facções palestinas demonstraram opiniões e avaliações diversas sobre as negociações e conversas de paz com Israel. Para entender as perspectivas divergentes dentre os defensores da causa palestina, é necessário compreender suas motivações e seus objetivos. Para algumas organizações palestinas, o cerne da questão do conflito remonta a 1948, com a fundação do estado de Israel; para outras, o conflito começou em 1967, com a ocupação ilegal da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Durante anos, o Hamas adotou a visão maximalista da aniquilação de Israel. Essa postura foi firmemente defendida no estatuto e nos manifestos do Hamas. A organização acreditava que recuperar a terra palestina usurpada por Israel dependia principalmente da resistência militar e da total relutância ao direito de existir do Estado de Israel, como potência ocupante, sobre as terras da Palestina histórica.
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Entretanto, havia outro espectro político liderado pelo ex-presidente palestino Yasser Arafat e pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que acreditava na negociação como meio indispensável para conquistar os direitos do povo palestino. Este campo lutou por anos e anos para negociar e buscar uma solução de dois estados. Os Acordos de Oslo, em 1993, estabeleceram o reconhecimento desta perspectiva pela liderança palestina na ocasião, ao consentir com direito de existência de Israel em troca de um recuo das forças ocupantes presentes na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Nas eleições parlamentares de 2006, o Hamas reservou sua cadeira na mesa de negociações após uma vitória surpreendente contra o antes dominante partido Fatah. Imediatamente, a comunidade internacional pediu ao Hamas que aceitasse e respeitasse os requisitos determinados pelo chamado Quarteto de Madrid – ONU, União Europeia, Rússia e Estados Unidos –, incluindo o reconhecimento de todos os acordos de paz assinados previamente entre OLP e Israel. O Hamas aparentemente não sucumbiu às demandas do quarteto e, como resultado, foi boicotado e alienado junto de dois milhões de palestinos que vivem em Gaza.
Barreiras à negociação direta
Durante anos, o Hamas relutou totalmente em negociar diretamente com Israel. Entretanto, é possível questionar: se o movimento Talibã afegão aceitou negociar com o governo dos Estados Unidos, por que o Hamas não aceitaria dialogar com Israel? Em primeiro plano, há inúmeros motivos que exortam o Hamas a negociar diretamente com Israel.
Entretanto, a razão mais eminente para resistir às negociações é a falta de um mediador razoavelmente imparcial que conecte ambas as partes. A administração americana demonstrou reiteradamente seu apoio inequívoco a Israel, implícita e explicitamente. Mesmo a postura do Egito, supostamente a favor do Hamas, como país árabe e vizinho islâmico, demonstra cada vez mais pressão sobre o movimento palestino para forçá-lo a aceitar termos injustos de negociação.
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A priori, negociar diretamente com a ocupação significa reconhecer sua existência. A liderança do Hamas reitera que Israel é uma potência ocupante e, portanto, não tem o direito de existir nos territórios palestinos. Deste modo, não pode reconhecê-lo como parceiro de negociação qualificado. Todavia, em 2017, o Hamas apresentou um novo programa político, abrandando sua posição ao consentir com a idéia de constituir um estado palestino nos territórios ocupados em 1967. Não há sinais, entretanto, de que o Hamas possa aceitar negociações diretas com Israel em um futuro próximo.
O histórico do notório processo de paz e das negociações entre OLP e Israel mostram que o estado sionista pode até consentir, mas não retribui. Israel garantiu que todas as suas condições fossem materializadas e criminalizou qualquer forma de resistência palestina. Além disso, demonstrou desprezo e violou sistematicamente todas as resoluções internacionais, ao manter avanços nos processos de anexação, confisco e expropriação de terras. Israel é um estado clandestino de apartheid e, portanto, preserva suas políticas de ocupação e expansão militar sem jamais definir fronteiras.
Conversas coercitivas
Nas prisões israelenses, há quase 5.000 prisioneiros palestinos, incluindo 41 mulheres, 180 crianças e 430 palestinos mantidos sob detenção administrativa – sem julgamento ou sequer acusação. Diante da atual crise do coronavírus, o Hamas submeteu uma lista de 250 prisioneiros palestinos requisitando sua soltura das cadeias de Israel; em troca, ofereceu fornecer informações sobre os soldados israelenses capturados em Gaza.
Na última semana, a Corporação Israelita de Radiodifusão Pública (Kan) sugeriu que o primeiro-ministro em exercício Benjamin Netanyahu dará início a conversas indiretas com o Hamas, como tentativa de chegar a algum acordo para reaver soldados israelenses desaparecidos. Husam Badran, porta-voz do Hamas no exterior, declarou que o movimento busca “uma conquista mais substancial”.
Israel e Hamas passaram por negociações indiretas no processo de troca de prisioneiros de 2011, na qual o movimento palestino libertou o soldado israelense Gilad Shalit, em troca de 1.027 prisioneiros políticos, principalmente palestinos. Anteriormente, aconteceram algumas conversas diretas entre Israel e a liderança do Hamas, como a reunião histórica entre Mahmoud Al-Zahar, co-fundador do movimento Hamas, e Shimon Peres, ex-presidente israelense, na década de 1980. Al-Zahar foi forçado a participar da reunião, na qual foi questionado sobre uma possível solução na Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Israel negocia com a vida dos palestinos há décadas. Como parceiro de negociação, provou-se tremendamente manipulador. O diálogo só materializou-se com sucesso enquanto o parceiro palestino possuía boas cartas na mão. Caso contrário, a promessa de dois estado mostrou-se apenas um clichê retórico – um sonho impossível que desvaneceu na madrugada. Assim, foi anunciado o estado-nação exclusivamente judaico. A maioria dos defensores da causa palestina percebe que uma negociação séria exige um parceiro confiável ou um mediador genuinamente imparcial – ambos, ausentes no momento.
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