“Racismo hediondo” – é como a organização Monitor Euromediterrâneo para Direitos Humanos, com sede em Genebra, descreveu a decisão recente das autoridades libanesas de impedir o retorno de expatriados palestinos residentes no Líbano.
Restrições do Líbano à sua população de refugiados palestinos, cada vez mais reduzida e discriminada, não são novidade alguma. Entretanto, a medida em questão é particularmente alarmante, pois pode estar vinculada a uma política oficial de longo prazo sobre o status de residência dos refugiados palestinos no país árabe.
Muitos foram pegos de surpresa pela ordem do governo libanês emitida à sua embaixada nos Emirados Árabes Unidos, com instruções claras para impedir que refugiados palestinos voltem às suas casas no Líbano.
Tariq Hajjar, conselheiro legal do Monitor Euromediterrâneo, afirmou em declaração: “O memorando inclui discriminação racial hedionda contra refugiados palestinos que possuem documentos de viagem libaneses.”
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Hajjar insistiu corretamente: “Quem possui tais documentos deve receber tratamento similar ao cidadão libanês.”
De fato, deveria, como foi na prática durante anos e anos. Caso contrário, não há outro lugar para onde possam ir esses refugiados, considerando que o Líbano é seu lar há décadas, a começar em 1948, quando Israel expulsou à força quase um milhão de palestinos de suas terras históricas.
Refugiados – independente de raça, etnia ou religião – devem ser tratados com respeito e dignidade, não importa a complexidade política do país que os acolhe. Refugiados palestinos no Líbano não podem ser exceção.
Em abril, a Associação Palestina para Direitos Humanos fez um apelo às Nações Unidas para fornecer assistência financeira aos refugiados palestinos no Líbano, indicando que, devido à pandemia de coronavírus, um índice arrasador de 90% de todos os refugiados palestinos no Líbano perdeu seus empregos.
Sob leis discriminatórias do Líbano, os refugiados palestinos não têm permissão para exercer 72 tipos de trabalho disponíveis a cidadãos libaneses. Trata-se apenas de uma das muitas restrições impostas a eles. Portanto, refugiados palestinos no Líbano (a grande maioria, atualmente, desempregados) competem em um mercado de trabalho bastante limitado.
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Grande número destes refugiados é empregado em diversos projetos operados pela Agências das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).
Muitos dos refugiados que têm a sorte de possuir grau universitário preferem deixar o país; a maioria, professores, engenheiros, trabalhadores do setor bancário e de saúde, que viajam a outros países do Golfo árabe.
Entretanto, devido ao coronavírus, à severa crise financeira sofrida pela UNRWA e às novas regulações do governo libanês, todas as portas fecharam-se agora aos refugiados.

UNRWA distribui alimentos a famílias em Gaza, 2 de abril de 2020 [Mohammed Asad/Monitor do Oriente Médio]
Segundo pesquisa recente conduzida pelo Administração Central de Estatística do Líbano, em parceria com o Escritório Central de Estatísticas da Palestina, apenas 175.000 refugiados palestinos (de quase meio milhão) ainda residem no Líbano.
Dito isso, a tragédia dos refugiados palestinos no Líbano é apenas uma faceta de um mal muito maior que aflige unicamente a experiência dos refugiados palestinos.
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Refugiados palestinos na Síria chegaram ao país em ondas, a começar com a campanha sionista de limpeza étnica da Palestina, durante a Nakba (catástrofe), em 1948. Outros deixaram as colinas de Golã após a invasão israelense, em 1967. Muitos outros ainda fugiram do Líbano durante mais uma invasão de Israel, em 1982.
O refúgio sírio, relativamente seguro, entrou em colapso durante a guerra civil no país, desde 2011. A missão da UNRWA, responsável por conceder apoio direto a quase meio milhão de refugiados palestinos na Síria, tornou-se quase impossível devido à guerra destrutiva ainda em curso. Então, centenas de milhares de palestinos novamente fugiram do país ou tornaram-se internamente deslocados.
O impacto devastador da guerra síria sobre os refugiados palestinos foi quase uma cópia exata do que ocorreu anteriormente durante a invasão israelense no Líbano, em 1982, e a invasão americana no Iraque, em 2003.
No caso do Iraque em particular, de onde fugiu a maioria dos 35.000 refugiados palestinos, a tragédia agravou-se ainda mais. Embora palestinos desfrutassem de status de residência permanente (porém, sem direitos de propriedade) no Iraque pré-guerra, não eram reconhecidos propriamente como refugiados segundo padrões internacionais, pois a UNRWA não opera no país. Governos iraquianos pós-2003 exploraram este fato ao máximo, resultando no deslocamento forçada da população palestina no Iraque.
Desde sua posse, o governo do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump trava uma guerra financeira contra os palestinos, incluindo a suspensão de todas as doações à UNRWA. Este ato infame incorporou novas camadas de sofrimento às já existentes privações dos refugiados palestinos.
Em 5 de maio, de modo bastante funesto, a UNRWA declarou que possuía recursos suficientes apenas para operar até o fim do mês.
A verdade é que, muito antes de Trump atacar a agência, a UNRWA operava sob inerente vulnerabilidade, por mais de 70 anos.
A UNRWA foi estabelecida exclusivamente como mandato da ONU, conforme “status especial e independente”, a fim de coordenar e organizar a assistência aos refugiados palestinos.Governos árabes, na ocasião, mostraram disposição em manter o “status especial” da UNRWA, com base na crença de que agregar os refugiados palestinos à grave crise de refugiados global (resultante, em grande parte, da Segunda Guerra Mundial) poderia prejudicar a urgência da luta palestina.
Entretanto, embora a lógica tenha se aplicado com êxito nos anos imediatamente posteriores à Nakba, provou-se bastante onerosa logo mais tarde, à medida que o status e a definição do que constitui o próprio refugiado palestino permaneceu historicamente ligada ao escopo de operação da UNRWA.
Isso tornou-se claro durante a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, mas especialmente desde o início das revoltas políticas e guerras subsequentes no Oriente Médio, na última década.
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É exatamente por isso que Estados Unidos e Israel demonstram tamanha ansiedade em desmantelar a UNRWA; pois – segundo sua lógica – caso a UNRWA deixe de operar, os refugiados palestinos deixam de existir conforme qualquer status que os torna únicos.
Essa realidade precária exige uma solução urgente e criativa, possivelmente encabeçada pelos estados árabes, pelas ongs registradas nas Nações Unidas e pelos amigos da Palestina em todo o mundo.
O que é preciso hoje é uma fórmula adotada pela ONU que permita que o status legal dos refugiados palestinos sob a lei internacional permaneça ativo, independente do escopo de operações da UNRWA, ao passo que fornece apoio financeiro e material aos refugiados palestinos, tão necessários para que vivam com dignidade até enfim ser respeitado seu direito de retorno, conforme a Resolução 194 das Nações Unidas, de 1948.
Para que se mantenham os direitos dos refugiados palestinos e para não repetir os cenários do Líbano, Iraque e Síria, a Liga Árabe deve trabalhar dentro do quadro da lei internacional – conforme determinado pela Assembleia Geral da ONU – para salvaguardar o status legal dos refugiados palestinos, hoje, sob ataques sem precedentes.
Os refugiados palestinos não devem ter de escolher entre comprometer seu direito legal e inalienável à sua própria terra ou aceitar uma vida de degradação e incerteza perpétuas.
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