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O sequestro de familiares é a tática de Bin Salman para intimidar dissidentes sauditas

Retrato do príncipe herdeiro e governante de fato saudita Mohammed bin Salman aparece durante show, como parte das celebrações pelo 88° Dia Nacional Saudita, no Estádio Rei Fahad, em 23 de setembro de 2018, em Riad [Fayez Nureldine/AFP/Getty Images]

Surgem novos detalhes sobre o sequestro de dois jovens na Arábia Saudita, no que parece ser a mais recente ação desesperada do príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman para exercer pressão sobre dissidentes de destaque contra sua monarquia. Saad Al-Jabri, ex-guardião de inteligência e segurança do país, quebrou seu silêncio sobre a espantosa abdução de dois de seus filhos, durante invasão contra sua casa na capital saudita, o que revela o nível sem precedentes, cada vez mais paranóico, das ações de Bin Salman, disposto a escalar atos opressivos cada vez mais frequentes, a fim de manter sua mão de ferro sobre o país e, em particular, forçar Al-Jabri a retornar a Riad de seu exílio no Canadá.

“Omar e Sarah foram sequestrados ao amanhecer em 16 de março e levados de suas camas por cerca de cinquenta agentes de segurança do estado que chegaram em vinte carros”, detalhou o irmão mais velho, Khalid Al-Jabri, a Frank Gardner, correspondente de segurança da rede britânica BBC. “Sequer sabemos se eles estão vivos ou mortos”, declarou Khalid. Durante o ataque, todas as evidências, incluindo imagens de circuito fechado, foram levadas, junto dos irmãos de 21 e 20 anos, respectivamente.

Devido à sua proximidade com a Irmandade Muçulmana, Saad Al-Jabri é visto com desconfiança por um governo atolado em paranóia, conspirações e suspeitas. De modo bastante previsível, autoridades sauditas permanecem caladas sobre esta última crise, prestes a atingir o regime autoritário.

Al-Jabri é doutor pela Universidade de Edimburgo. É creditado como figura-chave na construção e manutenção dos vínculos entre Arábia Saudita e as chamadas agências de inteligência Five Eyes – Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Sua decisão de ir à mídia certamente deverá enfurecer Bin Salman e seus comparsas em Riad.

Creditado como mentor por trás da derrota da Al-Qaeda na Arábia Saudita, Al-Jabri também desempenhou papel fundamental ao frustrar um atentado a bomba a ser executado pela filial do grupo terrorista no Iêmen, quando interceptou o contrabando de um poderoso artefato a bordo de um avião de carga com destino a Chicago. A polícia de contraterrorismo encontrou o dispositivo mortal disfarçado de cartucho de tinta para impressora, em novembro de 2010, e o desativou com “minutos de sobra”, durante parada não-programada de reabastecimento no Aeroporto de East Midlands, na Grã-Bretanha.

Em um regime disfuncional em que a promoção depende mais da lealdade cega do que da capacidade, Al-Jabri destacou-se acima de muitos outros homem de suposto intelecto. Al-Jabri fora ministro do gabinete de governo e ocupava posição bastante alta no ministério do interior. Porém, em 2015, quando o meio-irmão do falecido Rei Abdullah Salman assumiu o trono, passou a ser visto com suspeita.

A nomeação de Mohammad, filho de Salman, como Ministro da Defesa, colocou ambos em rota de colisão quando as forças sauditas decidiram intervir na brutal guerra civil do Iêmen. Al-Jabri opôs-se à ação, pois temia – com razão, como se viu – que a Arábia Saudita fosse sugada para um conflito dispendioso e infrutífero.

Após o golpe sem sangue na corte saudita, pelo qual Bin Salman emergiu como príncipe herdeiro e governante de fato em 2017, Al-Jabri decidiu fugir para o Canadá. Como todo suspeito de oposição ao príncipe, foi imediatamente classificado como ameaça. Desde o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, dentro do Consulado da monarquia em Istambul, há temores consistentes de que o príncipe tenha ordenado ao serviço secreto que rastreie e vigie todos os exilados sauditas.

As ameaças implícitas a suas famílias em território saudita e no exterior até agora asseguraram o silêncio de cidadãos no exílio. Entretanto, declarou Khalid Al-Jabri nesta semana, após o incidente contra seus irmãos: “Somos patriotas, amamos nosso país, não queremos constranger a Arábia Saudita, mas sequestrar Omar e Sarah dessa maneira, é um crime à luz do dia, cometido pelo estado”.

A ascensão meteórica de Bin Salman desde a coroação de seu pai como rei e a promoção do chefe de sua corte pessoal a Ministro da Defesa, levou o príncipe ao topo da linha de sucessão, em detrimento de seu tio, e criou inquietação entre dezenas de parentes próximos que sentem-se negligenciados. Relatos indicam que a agitação posterior ao golpe palaciano criou um estado de paranóia em toda a Arábia Saudita, no qual vozes dissidentes são rapidamente reprimidas.

Bin Salman é acusado de desestabilizar o mundo árabe por meio de intervenção imprudente em conflitos externos, como Iêmen, Síria e Líbia. Tentou construir uma reputação de monarquia progressista e esclarecida, mas seus esforços foram duramente prejudicados pela repercussão sobre o assassinato de Khashoggi, a despeito do agressivo lobby político e de campanha de desinformação de mídia. Relatos de violações de direitos humanos – em particular, contra ativistas mulheres na Arábia Saudita – continuam a prejudicar a reputação do príncipe herdeiro. Resta ver como reagirá à mais recente revelação.

Após o audacioso assassinato de Khashoggi, a segurança de Al-Jabri fora reforçada pelas autoridades canadenses. Agora, o sequestro dos filhos de Al-Jabri afetará indubitavelmente as relações já tensas entre Canadá e Arábia Saudita, que atingiram o nível mais baixo de todos os tempos em meados de 2018, após um grupo pró-saudita ameaçar o país com ataque semelhante ao 11 de setembro.

Na ocasião, Riad convocou seu embaixador de Ottawa e expulsou a contraparte canadense, ao passo em que suspendia uma série de acordos comerciais com o país norte-americano. Analistas sobre Oriente Médio dizem agora que a reação extraordinária de Riad talvez tenha se baseado, em grande parte, no asilo concedido a Al-Jabri e sua família pelo governo do primeiro-ministro Justin Trudeau. Na época, ao jornal canadense Globe and Mail, a colunista Margaret Wente afirmou estar “intrigada” pelo fato de que os “sauditas ficaram inexplicavelmente furiosos”, diante da crise diplomática. A razão agora talvez seja mais clara.

Relatos ainda sugerem que dissidentes sauditas em todo o mundo receiam por sua própria segurança. A maioria manteve silêncio desde o assassinato de Khashoggi. Entretanto, no início deste ano, notícias emergiram de que o FBI frustrou uma tentativa de sequestro contra um jovem crítico do regime, a ser executado na Califórnia. Abdulrahman Al-Mutairi foi bastante expressivo em suas duras críticas a Bin Salman.

Ao menos que o mundo decida enfrentar a corte paranóica do príncipe herdeiro, persiste a impressão de que a liberdade de expressão, mesmo nas democracias ocidentais, permanece reduzida por ação do medo. O assassinato de Khashoggi deveria ter alardeado o mundo todo a esse respeito; todavia, a inação do regime de Trump em resposta ao assassinato do colunista do Washington Post parece ter encorajado ainda mais os atos repressivos de Mohammad Bin Salman. Caso o sequestro dos filhos de um dissidente de destaque não resulte em mudanças sérias nas relações internacionais com a Arábia Saudita, todos os críticos do brutal regime terão de olhar por sobre os ombros a cada passo. Trata-se de qualquer coisa; exceto um estado progressivo e esclarecido, não importa se o príncipe diga o oposto.

LEIA: Família perdoa no Ramadã os assassinos de Khashoggi

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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