Nada de novo surgiu da visita virtual aos territórios palestinos ocupados por James Cleverly, Ministro de Estado do Reino Unido para Oriente Médio e Norte da África. Simplesmente mais do mesmo, repleto de simbolismo mas sem qualquer substância. Os palestinos têm direito de estar desapontados.
Contudo, o ministro pareceu satisfeito com o exercício em questão, ao tuitar no dia 4 de junho: “Discuti coronavírus e seus desafios econômicos com o Primeiro-Ministro [da Autoridade Palestina] Mohammad Shtayye, além da oposição britânica à anexação e nosso compromisso com uma solução negociada de dois estados.”
Não há dúvida de que a ameaça israelense de anexar 30% da Cisjordânia é ilegal, iminente e perigosa. Será um revés a toda uma nova geração diante do objetivo palestino de estabelecer um estado independente em suas terras históricas. Além disso, põe em risco a paz e a estabilidade de toda a região, pontos vitais aos interesses britânicos e da comunidade internacional.
Irã
Agora, pense um instante sobre como a Grã Bretanha reagiu às ameaças do Irã de revogar seu acordo nuclear com o grupo composto pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais Alemanha. Em dezembro último, os ministros de relações exteriores da Grã Bretanha, França e Alemanha emitiram uma declaração conjunta alertando o Irã de que “a menos que reverta o curso, não teremos alternativa, senão ação”. A mensagem foi clara: seria posto em vigor o mecanismo de contestação do acordo de 2015, a fim de restaurar sanções da ONU ao Irã.
Mesmo às vésperas da anexação, não há qualquer declaração conjunta do tipo, em particular, das maiores potências da Europa, em condenação a Israel por suas imprudentes provocações. Nada sugere que tal medida seja ao menos contemplada pelo governo britânico em Whitehall.
Caso fosse, Cleverly o faria durante sua visita virtual. Sua recusa ou fracasso em fazê-lo leva a questões sobre a chamada política de “retomar controle”, tão propagandeada ao público britânico durante a campanha de referendo do Brexit.
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Claramente, o governo do Primeiro-Ministro Boris Johnson ainda tem de provar que detém “controle” de sua própria política sobre o Oriente Médio. Na melhor das hipóteses, parece suscetível à chantagem política dos Estados Unidos. Em janeiro, Johnson chocou chefes de governo em toda a Europa ao reivindicar um “acordo de Trump” para substituir o acordo nuclear com o Irã, apoiado pela ONU. Os europeus não tiveram de aguardar muito por uma explicação sobre a revirada em potencial da gestão Johnson.
De sua maneira grosseira contumaz, o governo Trump logo alertou a Grã-Bretanha de que arriscava perder um tratado de livre comércio com os Estados Unidos caso não revogasse sua participação no acordo nuclear iraniano. Reagindo aos comentários de Johnson sobre o acordo nuclear, Richard Goldberg, do Conselho Nacional de Segurança (NSC) da Casa Branca, declarou: “Está absolutamente em seus interesses e do povo da Grã Bretanha alinhar-se ao Presidente Trump, aos Estados Unidos e afastar sua política internacional de Bruxelas, além de juntar-se à campanha de pressão máxima para manter todos nós em segurança.”
Conforme a vulnerabilidade britânica à pressão americana fora exposta pelo acordo nuclear iraniano, suas chances de resistir ao “acordo do século” de Trump na Palestina são muito menores.
Palestina
Queiram admitir ou não, a anexação de Israel será um teste à integridade e autonomia política do Reino Unido. Caso de fato apoiasse o direito legítimo do povo palestino a um estado soberano, então deveria reconhecer por completo o Estado da Palestina, como fizeram 132 estados membros das Nações Unidas.
Atualmente, é bastante claro ao Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu que Donald Trump representa a melhor oportunidade ao estado sionista para executar seu golpe final ao projeto nacional palestino. Washington já esclareceu sua posição: que a questão da anexação não tem nada a ver com lei internacional ou resoluções da ONU.
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“Como tornamos consistentemente claro, estamos preparados para reconhecer as ações de Israel para estender soberania e a aplicação da lei israelense a áreas da Cisjordânia cuja visão prevê como parte do Estado de Israel”, relatou um porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos em abril.
Netanyahu está convencido de que, mesmo caso Trump não seja reeleito, um governo Biden não reverteria tais medidas. Afinal, o candidato democrata já declarou que manterá a embaixada americana em Jerusalém ocupada, mesmo que discorde da decisão de transferí-la de Tel Aviv.
Para Johnson, isso também pode representar sua última oportunidade para distanciar-se do incendiário “acordo do século” de Donald Trump. Deve fazê-lo não porque teme o colapso da Autoridade Palestina ou as consequências de uma nova Intifada, mas sim porque é a coisa certa a fazer.
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Não é suficiente para a Grã Bretanha continuar a emitir platitudes indulgentes sobre uma “solução negociada de dois estados”. Após 25 anos de negociações fúteis, é claro o momento para ir adiante. Não há zonas cinzentas na Palestina hoje. Ou se reconhece devidamente um estado palestino soberano nas fronteiras de 1967, ou não. Até então, o governo conservador britânico não deu qualquer indicação de que possui vontade política ou coragem moral para fazê-lo.
Em último caso, a soberania britânica permanecerá incompleta caso retome controle somente da União Europeia. Se este mantra de “retomar o controle” possui qualquer significado real ou relevância, deve ser efetivamente aplicado de modo global, tanto aos Estados Unidos quanto à União Europeia. Apenas então Boris Johnson poderá restaurar alguma confiança e respeito à política internacional britânica no Oriente Médio e no mundo todo.
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