A confirmação do Presidente Bolsonaro ao Pastor Silas Malafaia de que a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém acontecerá até 2021 reforça o alinhamento voluntário do Brasil à política externa norte-americana. Adicionalmente, mostra a influência da religião sobre o processo decisório do governo brasileiro em várias áreas. Nesse sentido, vale lembrar que Bolsonaro já declarou, por exemplo, que seu indicado para ministro do STF deverá ser alguém “terrivelmente evangélico”. No que diz respeito especificamente à política externa brasileira, a mudança de endereço atende, mais uma vez, à convicção religiosa do Presidente da República e da bancada evangélica, importante base de apoio do atual governo no Congresso Nacional. Além disso, o posicionamento do Presidente Bolsonaro evidencia, temerariamente, seu apego às suas convicções religiosas em detrimento das regras do Direito Internacional.
Ao reafirmar a intenção de mudança da embaixada brasileira, Bolsonaro endossa o plano unilateral de paz para o conflito na Palestina apresentado pelo Presidente Donald Trump. Nesse plano proposto à revelia da Autoridade Palestina, Jerusalém aparece como “capital indivisível do estado de Israel”. Já o estado palestino seria formado por um conjunto de pequenas extensões de terra sem continuidade com acessos controlados por autoridades israelenses, impedindo que a autoridade palestina tenha, de fato, soberania sobre seu território. O plano viola frontalmente a Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU que condena a anexação de territórios por meio de guerra e determina que os acordos de paz devam levar em consideração as fronteiras territoriais anteriores à Guerra dos Seis Dias em 1967.
Além da Resolução 242 determinar a retirada das tropas israelenses de todos os territórios ocupados, o artigo 49 da Convenção IV de Genebra para a Proteção das Vítimas da Guerra determina que “As transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da Potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.” No mesmo sentido, a Resolução 478 do mesmo Conselho de Segurança não reconhece a lei do parlamento israelense que, em 1980, proclamou Jerusalém como capital indivisível do Estado de Israel, e proíbe o estabelecimento de representações diplomáticas ou escritórios de negócios na capital disputada pelos dois povos.
O plano de paz proposto por Trump é, na verdade, uma violação à dignidade dos palestinos e uma afronta às regras do Direito Internacional. Vale lembrar, também, que o novo governo israelense de coalisão anunciou seu plano de anexação de territórios palestinos a partir do dia primeiro de julho desse ano. Nesse caso, Israel estenderá sua soberania sobre a maior parte do Vale do Rio Jordão e sobre os mais de 235 assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia, representando aproximadamente 30% dessa região.
Bolsonaro, mesmo antes de assumir a Presidência da República, já havia declarado seu apoio às demandas israelenses no âmbito das Nações Unidas. Em março de 2019, o Brasil votou contra a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que condenava Israel pelo “aparente ilegal uso intencional de força letal e outras forças excessivas contra manifestantes civis em Gaza”. Mais recentemente, no dia 19 de junho, o Governo Bolsonaro votou mais uma vez contra nova resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que responsabiliza Israel por graves violações do direito internacional nos territórios palestinos ocupados.
Esse posicionamento do Presidente Bolsonaro expõe o Brasil a dois riscos desnecessários. O primeiro é econômico, o segundo, de segurança nacional. No campo econômico, a mudança da embaixada brasileira fragiliza as já consolidadas relações comerciais do Brasil com os países do Oriente Médio, para os quais a questão palestina é matéria sensível – veja-se que a Liga Árabe e a Organização para Cooperação Islâmica já se posicionaram contra a proposta norte-americana. O posicionamento do Brasil cria um risco gratuito de desgaste político-comercial com parceiros importantes para satisfazer um desejo religioso e político do Presidente da República.
No campo da segurança nacional, a decisão expõe o país à atuação de grupos transnacionais que utilizam o conflito entre israelenses e palestinos para mobilizar seus militantes na execução de atentados. É importante ressaltar que a diplomacia brasileira sempre se respaldou no multilateralismo e no direito internacional para atuar de forma propositiva em temas complexos como os que dizem respeito ao Oriente Médio. Postura, ao que tudo indica, em termos de segurança, acertada, quando se constata que os norte-americanos, que por vezes tratam o tema de forma unilateral, foram incapazes de evitar seríssimas retaliações transnacionais.
Por fim, é importante que se diga que não mudar a embaixada brasileira e se posicionar contrariamente à política israelense de panexação de territórios palestinos não se traduz em apoio à causa dos palestinos ou um descaso com os israelenses. Trata-se apenas de reforçar o tradicional posicionamento brasileiro de contribuir juntamente com a comunidade internacional para a construção de um plano de paz que concilie os principais interesses dos atores desse processo. Vale dizer, um posicionamento pautado pela obediência às leis internacionais e pela defesa dos interesses do povo brasileiro; e, de forma alguma, pelas convicções religiosas do Presidente da República.
Este artigo foi publicado originalmente no Sul 21
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