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‘Não deixaremos ninguém ferir os interesses da Turquia’, afirma ex-premiê adjunto do país

Entrevista com Cevdet Yilmaz, ex-primeiro ministro adjunto da Turquia
Ex-premiê adjunto da Turquia Cevdet Yilmaz, 9 de julho de 2020
Ex-premiê adjunto da Turquia Cevdet Yilmaz, 9 de julho de 2020

No decorrer da última década, a Turquia encontrou-se na vanguarda de alguns conflitos de destaque no Oriente Médio. Este processo resultou, por exemplo, na necessidade de conter a parte mais pesada de uma severa crise de refugiados internacional, além de uma política de relações exteriores supostamente hostil por parte da União Europeia. Planos de países vizinhos também forçaram a Turquia a adaptar-se, a fim de proteger interesses no leste do Mar Mediterrâneo, por exemplo, onde recursos energéticos são explorados por Grécia, Egito e Israel.

Diante de tais graves mudanças na paisagem política regional, o Monitor do Oriente Médio conversou com Cevdet Yilmaz, ex-primeiro-ministro adjunto da Turquia, na última semana, na sede do Partido Desenvolvimento e Justiça (AK), em Ancara, a fim de obter um insight sobre a direção nacional e os objetivos da política exterior.

O status dos curdos

Primeiramente, Yilmaz abordou as relações da Turquia com o povo curdo, tanto interna quanto no internacionalmente. O ex-premiê adjunto tem origem curda, dos povos de Zaza, no leste da Turquia, e insistiu que os curdos são tratados com igualdade no país.

“Em nosso sistema legal, os curdos ou qualquer outro grupo étnico não são identificados como minorias”, afirmou Yilmaz. “Todos os grupos étnicos na Turquia são cidadãos de primeira classe da nossa República”.

Embora reconheça que historicamente houve “alguns problemas” com o povo curdo sobre seu idioma e outras questões, Yilmaz alegou: “No decorrer dos governos do partido AK, de fato corrigimos tais erros do passado”. No final do período otomano e nos primórdios da recém instaurada república turca, por exemplo, houve “tendências para homogeneizar o povo”, com base em uma identidade nacional turca unívoca. Tais processos resultaram na repressão e mesmo proibição de práticas culturais e mesmo do idioma falado pelo povo curdo.

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Segundo Yilmaz, trataram-se de “esforços de modernização” aplicados equivocadamente “de cima para baixo”, inspirados por um desejo de “ocidentalização”. Para o político turco, tais medidas decorreram de “tentativas de adotar modos ocidentais de comportamento, música e cultura … mas, especialmente após a democratização na Turquia … tais identidades diversas ressurgiram na política, vida social e cultura do país.”

Desde a chegada ao poder do Presidente Recep Tayyip Erdogan, antes Primeiro-Ministro, em 2003, ele e seu partido (AK) investiram bastante nas regiões sudeste e leste da Anatólia, onde reside a maioria da população curda em território turco. “Liberdades foram estimuladas e a proibição absurda do idioma curdo foi abolida”. Tais medidas foram necessárias porque os curdos são “parte integral” da Turquia.

Entretanto, o ex-premiê adjunto reiterou que há “uma distinção clara entre o povo curdo e o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão]”, organização nacional curda classificada como terrorista pela Turquia e outros países. Segundo Yilmaz, o PKK é responsável por “matar o povo curdo [e] obstruir o desenvolvimento social e econômico das regiões onde vivem os curdos, com objetivos que nada tem a ver com os problemas do povo curdo.”

Líbia: Solução política e exploração de recursos

Os interesses regionais da Turquia entram em conflito com interesses de forças estrangeiras na Líbia, onde o general renegado Khalifa Haftar e seu auto-intitulado Exército Nacional da Líbia sofreram derrotas recentes na região de Trípoli, contra forças leais ao Governo de União Nacional, reconhecido pela ONU. A Turquia apoia efetivamente o Governo de União Nacional, liderado por Fayez al-Sarraj.

“Basicamente defendemos uma solução política”, destacou Yilmaz, referindo-se ao apoio militar turco ao Governo de União Nacional, fator majoritário na derrota de Haftar. “[Nenhum estado] pode impor sua vontade à Líbia; defenderemos a unidade política e a integridade territorial da Líbia”, enfatizou.

Membro do exército líbio, em 5 de junho de 2020 [Hazem Turkia/Agência Anadolu]

Membro do exército líbio, em 5 de junho de 2020 [Hazem Turkia/Agência Anadolu]

A Turquia tem esperança de uma solução política para o país norte-africano, observou Yilmaz. “Acreditamos que, sem um governo legítimo forte [na Líbia], as forças de Haftar não deverão apresentar qualquer solução política, apenas impor sua vontade militar”. Portanto, prosseguiu, as partes ocidentais e orientais da Líbia têm de se unir e consentir politicamente. “A Turquia apoia o processo político de todo o coração, mas não crê que Haftar tenha algum papel no futuro da Líbia”.

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O principal obstáculo, entretanto, é o fato de que o Governo de União Nacional ainda não conseguiu capturar as cidades estratégicas de Sirte e Jufra, pontos críticos para o povo líbio e de grande importância para as exportações líbias de recursos naturais. Segundo Yilmaz, as reservas de petróleo e gás natural da Líbia deverão permanecer sob controle do governo líbio e não entregues à Turquia ou qualquer outro país. “Acreditamos que os recursos da Líbia pertencem ao povo líbio; não pertencem a nenhuma potência estrangeira … esperamos ver o controle do governo líbio sobre esta região para que exporte seu petróleo e reconstrua o país.”

É assim que Yilmaz explica a abordagem turca sobre a intervenção estrangeira, comparada à abordagem europeia clássica. “[As potências europeias] usam tais recursos para seus próprios benefícios, sem qualquer vantagem às nações africanas, enquanto a Turquia sempre busca uma abordagem vantajosa para ambas as partes.” Yilmaz acredita que Ancara apresentou então um novo paradigma: “Empresas turcas trabalharão não apenas por benefício próprio, mas também pelo benefício dos países onde operam. Isso é verdade para a Líbia como para qualquer outro país na África.”

A União Europeia e disputas sobre o gasoduto mediterrâneo

A proposta do gasoduto EastMed, que deverá explorar gás natural do Mediterrâneo Oriental e transportá-lo à Europa, representa outra prioridade para a Turquia, segundo Yilmaz. O projeto foi esquematizado por Grécia, Israel e Egito, em 2019, mas foi “frustrado” por operações de perfuração da Turquia nas águas ao redor do Chipre, além de acordos turcos assinados com o Governo de União Nacional da Líbia. Todos estes fatores concederam ao gasoduto EastMed importância geopolítica essencial a Ancara.

“Tentamos apenas defender nossos direitos e não deixaremos ninguém prejudicar nossos interesses e os interesses da República Turca do Chipre do Norte; é por isso que assinamos um acordo com a Líbia”, declarou Yilmaz. “Estamos dispostos a negociar com todos os países. Exortamos a todos a negociar conosco, mas não poderão simplesmente impor condições à Turquia.”

De fato, o governo em Ancara sente-se particularmente isolado no que se refere ao plano do EastMed, que parece ignorar a importância Turquia como ator majoritário na região, tanto em termos de tamanho quanto políticos. “Estão tentando excluir a Turquia do EastMed, mas a Turquia possui o maior litoral – cerca de 1.800 km incluindo a plataforma continental –, além de ser o maior país na região. Não podemos aceitar sermos excluídos da região”.

Envolver a Turquia não somente beneficiaria seus próprios interesses, reiterou Yilmaz, mas também o Egito. “O acordo entre Egito e Grécia não foi assinado conforme os melhores interesses do Egito. Agora, representa uma oportunidade ao Egito para renegociar a situação com a Grécia e a Turquia.”

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A postura firme de Ancara sobre o EastMed afetou como um todo suas relações com a União Europeia. Estados-membros, como Grécia e França, opõem-se às ações da Turquia e sua política externa independente. A União Europeia impôs sanções à Turquia, em 2019, devido às intervenções no Mediterrâneo. Deste modo, os prospectos de filiar-se ao bloco jamais pareceram tão distantes.

Apesar dos revezes, Yilmaz nos contou que tornar-se estado-membro da União Europeia ainda representa um objetivo estratégico para a Turquia. “Sabemos, contudo, que pode não parecer hoje algo muito realista. Infelizmente, não há uma atmosfera muito boa na União Europeia.”

Tais dificuldades aparentemente decorrem ainda de problemas internos do próprio bloco, como a ascensão de movimentos populistas de extrema-direita, cuja perspectiva denota sentimentos islamofóbicos e antiturcos. “Isso está ameaçando o próprio futuro da Europa, além de também ferir relações turco-europeias. Acreditamos, porém, que a União Europeia se baseia em certos princípios. Compartilhamos estes valores e julgamos que podemos trabalhar juntos por interesses em comum.”

Síria e crise de refugiados

A Síria é outro fronte majoritário onde a Turquia interveio militarmente nos anos recentes – linha de frente muito mais próxima de casa. Durante a guerra civil na Síria, ainda em curso, a Turquia conduziu três operações militares de larga escala, com o intuito de estabilizar sua região de fronteira e garantir a segurança nacional, ao remover da região grupos curdos supostamente filiados ao PKK.

O último grande avanço foi a chamada Operação Nascente da Paz, em 2019, com o objetivo de remover do nordeste da Síria organizações curdas ligadas às Forças Democráticas da Síria (FDS), coalizão de oposição ao regime de Bashar al-Assad. A ideia é estabelecer uma “zona de segurança”, à qual cerca de 2 milhões de refugiados sírios poderiam retornar. Embora o FDS tenha sido forçado a recuar durante a curta operação, há ainda dúvidas sobre o êxito do estabelecimento da suposta zona neutra.

Sírios deslocados à força, devido aos ataques em curso executados pelo regime de Assad e Rússia, em direção a zonas de segurança perto da fronteira turca, em Idlib, Síria, 28 de janeiro de 2020 [Ibrahim Hatib/Agência Anadolu]

Sírios deslocados à força, devido aos ataques em curso executados pelo regime de Assad e Rússia, em direção a zonas de segurança perto da fronteira turca, em Idlib, Síria, 28 de janeiro de 2020 [Ibrahim Hatib/Agência Anadolu]

De acordo com Yilmaz, cerca de 400.000 refugiados retornaram. “Não podemos dizer que nada aconteceu, mas os números não são suficientes, é claro. Temos de conseguir mais.” A primeira tarefa, explicou, é preparar o ambiente para o retorno de um milhão de refugiados a seu país de origem, o que requer bastante trabalho de campo.

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É essencial, destacou, para estabilizar as condições de segurança, que as pessoas sintam-se seguras para retornar, ao contrário não o farão, prosseguiu Yilmaz. “Os refugiados não serão forçados a voltar; deveria ser voluntário e digno. Não devemos prejudicar os refugiados.”

A responsabilidade, porém, repousa também sobre os ombros da comunidade internacional. Segundo Yilmaz, a Turquia exorta países e instituições internacionais a ajudar na reconstrução de cidades, infraestrutura, casas e condições econômicas como preparativo para o retorno da população.

Em resposta a acusações de que a Turquia está utilizando a crise dos refugiados sírios como arma política para chantagear a Europa – ao permitir travessia de milhares de requerentes de asilo, na fronteira com a Grécia, ainda este ano, por exemplo –, Yilmaz classificou as alegações como “injustas”. A Turquia abriga aproximadamente 4 milhões de refugiados, maior população de refugiados dentro de um único país, em qualquer lugar do mundo. A Europa, no entanto, argumentou o ex-premiê adjunto, possui maiores recursos. “Infelizmente, porém, a Europa não quer sacrificar recursos próprios para os refugiados”, prosseguiu, em clara sugestão de que assim faz a Turquia.

“A crise dos refugiados é uma questão humanitária e internacional. Não deve ser imposta a um único país. Todos os países devem estender a mão à crise dos refugiados; todos devem contribuir”. Países por toda a Europa, não obstante, tentam omitir seu comportamento, considerado “irreponsável” por Yizmal. “Ao invés de discutir o papel da Turquia, negativamente, deveriam agradecê-la.”

Relações da Turquia com Rússia e França

A partir de seus movimentos geopolíticos e intervenções militares, a Turquia viu-se então em conflito com duas grandes potências estrangeiras, com interesses na região: Rússia e França.

Turquia e Rússia apoiam lados opostos tanto na Síria quanto na Líbia. A Turquia apoia grupos da oposição síria e o governo central líbio; a Rússia apoia o regime sírio e Khalifa Haftar. Yilmaz, todavia, reiterou a necessidade de estabelecer diálogo com todos os países relevantes aos confrontos.

Apesar de suas divergências inerentes, Ancara e Moscou ainda não colidiram diretamente. “Temos relações muito boas com a Rússia, a fim de manter o diálogo e a diplomacia para encontrar solução para o povo sírio”, declarou Yilmaz. “Não importa quais sejam as diferenças, tentamos solucioná-las diplomaticamente, e isso também é verdade para a Líbia.”

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Com a França no entanto, o tom é bastante distinto, ao menos devido a um embate mais agressivo por parte de medidas do governo em Paris contra a Turquia, nos meses recentes. “[O Presidente da França Emmanuel Macron] aplicou políticas bastante equivocadas assim como o faz internamente. A França está do lado errado da disputa.

Para Yizmal, enquanto o governo francês concede apoio ao “violento e ilegítimo general [Haftar]”, a Turquia representa o “lado certo”, ao defender o governo legítimo reconhecido em Trípoli, capital da Líbia. “Esperamos que a França compreenda seus erros e retome a posição legítima, em harmonia com a lei internacional.”

Está claro que a Turquia, sob presidência de Recep Tayyip Erdogan, expandiu sua área de influência em toda região, além de amplificar contatos em campo. O fato de que campanhas foram lançadas para desacreditar o presidente e seu país, segundo Yilzmal, sugere que tais ações possuem a capacidade de incomodar o status quo sobre o qual o Ocidente, em particular, manteve tamanho conforto e hegemonia. A grande questão é: pode a Turquia permanecer – como insiste Cevdet Yilmaz – no lado certo da história?

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