Em 11 de julho, um vídeo que mostrava uma celebridade popular da TV israelense humilhando crianças Palestinas, da comunidade Beduína na região do Naqab, tornou-se viral nas mídias sociais.
“Vamos alimentar um beduíno. Você não quer alimentar um beduíno? ” Pergunta repetidamente o apresentador infantil da TV israelense Roy Oz a seus filhos, que estavam sentados no banco de trás do carro. Do lado de fora do veículo, duas crianças palestinas foram filmadas enquanto esperavam ansiosamente pelos biscoitos prometidos pelo motorista israelense.
Os beduínos palestinos foram tratados como “macacos”, disse Atia al-Asem, chefe do Conselho Regional de Aldeias Palestinas do Naqab, depois de ver as imagens perturbadoras.
Ahmad Tibi, que é membro árabe do Parlamento de Israel (Knesset), descreveu o comportamento de Oz como o “mais baixo comportamento humano, racista e de uma brutalidade desprezível”.
Na verdade, as ações de Oz foram meramente condizentes com a realidade racista que governa a sociedade israelense – suas leis, instituições políticas, aparatos de mídia, setor econômico e percepções populares.
Em particular, os milhares de palestinos que ainda vivem no deserto de Naqab, foram submetidos a uma campanha israelense implacável de desumanização, racismo e limpeza étnica.
O racismo e a limpeza étnica sobre as comunidades beduínas palestinas andam de mãos dadas. O vídeo de Oz não pode ser visto separadamente dos planos do governo israelense para encurralar os palestinos no Naqab em comunidades isoladas e empobrecidas, a fim de abrir espaço para empreendimentos habitacionais apenas para judeus.
Para que esse cenário sinistro tenha sucesso, os beduínos palestinos precisam ser desumanizados pelos establishments políticos e de mídia israelenses. O vídeo racista de Oz é uma mera expressão dessa realidade ultrajante.
No entanto, a questão excede a devastação e o racismo em andamento no Naqab, em todos os aspectos da vida de Israel.
Em julho de 2018, Israel aprovou uma “lei básica”, apelidada de “lei do Estado-Nação judaico” que dava ascensão a tudo que era judeu e depreciava todo o resto. Foi uma tentativa desesperada, e finalmente fracassada, de reconciliação entre o “judaísmo” do Estado e os ideais democráticos universais.
“A Terra de Israel é a pátria histórica do povo judeu, na qual o Estado de Israel foi estabelecido”, disse a nova lei, que celebrava o país como “o Estado-Nação do povo judeu, no qual se concretiza seu direito natural, cultural, religioso e histórico à autodeterminação. ”
De acordo com as afirmações acima, a nova definição concede ao “povo judeu”, em todo lugar, o direito de “exercer … o direito nacional à autodeterminação no Estado de Israel”.
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Os milhões de árabes palestinos – muçulmanos, cristãos e drusos – que compartilham o mesmo pedaço de terra, embora não sejam iguais, não têm lugar para si na definição antidemocrática de Israel. Desnecessário dizer que os quase sete milhões de refugiados palestinos também foram excluídos de reivindicar quaisquer direitos no “Estado de Israel”, incluindo o internacionalmente consagrado Direito de Retorno .
A lei do Estado-Nação israelense, no entanto, não deve ser vista como o evento que deu origem ao racismo institucionalizado neste país. Israel foi fundado no princípio racista de que pertencia apenas ao “povo judeu”, e a mais ninguém, nem mesmo aos nativos árabes palestinos da terra.
No entanto, a lei é significativa no sentido de representar o golpe final na esperança de que Israel eventualmente voltaria ao passado e abraçaria os princípios humanísticos de igualdade, justiça e democracia.
Essa esperança – realmente uma ilusão – foi frustrada irrevogavelmente, pois há pouca resistência dentro de Israel com força política significativa capaz de enfrentar e derrotar as tendências racistas, chauvinistas e ultranacionalistas que sempre dominaram o país.
De acordo com uma pesquisa eleitoral publicada em janeiro de 2019, aqueles que se identificaram como “esquerdistas” diminuíram significativamente, pois hoje representam apenas 12% de todos os israelenses – um número que inclui comunidades árabes, onde a esquerda historicamente tem uma forte presença.
Essa constatação pode ser uma das razões que levaram alguns otimistas a imaginar que a suposta melhor coisa seguinte – a coalizão centrista de Israel do Partido Azul e Branco sob Benny Gantz – ainda seria capaz de, pelo menos, retardar o avanço dos partidos religiosos e de direita.
Essas esperanças persistiram ao longo de um tumultuado ano político que testemunhou três grandes eleições consecutivas, apesar do fato de muitas das posições de Gantz serem igualmente, senão mais beligerante do que as do primeiro-ministro de direita, Benjamin Netanyahu.
Sem surpresa, em 20 de abril, Gantz se juntou a Netanyahu para formar um governo de coalizão que é sem dúvida o mais militarista da história moderna no país, já que os dois campos estão ansiosos por um novo confronto militar com Gaza e um pesado esquema de anexação de quase 30% dos territórios da Cisjordânia ocupada)
Munidos de racismo constitucional, os líderes israelenses agora podem justificar, pelo menos para si e para seus eleitores, qualquer ação que possa ser considerada abominável, ilegal ou racista para o resto do mundo.
Essa é a mesma realidade que permite às ‘celebridades’ racistas, como Roy Oz, realizarem aventuras de safári com seus filhos bem alimentados em seus modelos de veículos com ar condicionado, para entregar biscoitos a crianças beduínas palestinas desnutridas e pobres do Naqab.
Para Israel, Oz é o protótipo da vitória final do “povo judeu” – como definido pela lei racista do Estado de Israel – sobre os Palestinos alienados, encurralados e vitimizados.
Mas o racismo em Israel não é apenas o trabalho de instituições políticas como resultado direto das disparidades criadas pela superioridade militar de Israel e pelas amplas empresas coloniais. Há tempos isso já passou para muitos outros aspectos da sociedade israelense e pode ser sentido em outros setores da lei, economia, sistema de saúde e educação; especialmente educação.
Além da “ideologia racista” ensinada nas escolas públicas de Israel, que nega as raízes históricas dos palestinos em sua própria terra e, com frequência, desmerece os nativos palestinos de maneira a violar os padrões mínimos da educação moderna – sem contar os direitos humanos – o próprio cenário do desenvolvimento do sistema educacional é um testemunho do racismo profundamente impregnado de Israel.
As escolas dedicadas às crianças árabes palestinas em Israel são “um mundo à parte das escolas públicas que atendem à maioria judaica de Israel”, de acordo com um relatório da Human Rights Watch.
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“Muitas vezes, escolas superlotadas e com falta de pessoal, mal construídas, mal mantidas ou simplesmente indisponíveis para crianças árabes palestinas, oferecem menos instalações e oportunidades educacionais do que às outras crianças israelenses.”
O racismo acompanha o cidadão judeu médio de Israel desde o hospital onde ele nasce, passando pelo o sistema escolar iníquo, pelo setor comercial discriminatório, torcedores totalmente racistas no campo de futebol até o exército assassino e além. E a cada passo do caminho, os palestinos são menosprezados, desumanizados, explorados, subjugados, confinados, presos e, em muitos casos, mortos.
Sendo essa a realidade cotidiana em Israel e na Palestina, deveríamos nos surpreender que um tolo moralmente falido como Roy Oz maltratasse crianças beduínas, oferecendo-lhes doces como se fossem animais do zoológico?
A verdade é que Oz é a face real de Israel – privilegiada, autorizada, racista e delirante. E da mesma forma que a mídia israelense – que dá a Oz o status de celebridade – deve ser evitada e boicotada, Israel também deve ser sancionado e boicotado. Porque, sem pressão internacional, Israel nunca enfrentará, por si só, seus demônios de ocupação militar, apartheid e racismo profundamente enraizado.
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