Crianças iemenitas sofrem com a fome diante do grave risco alimentar no país

Bebê desnutrido recebe tratamento médico no Hospital Maternidade de Sabeen, em Sanaa, capital do Iêmen [Mohammed Hamoud/Agência Anadolu]

Pesando apenas nove quilos com dez anos de idade, Hassan Merzan Muhammad sofre de tamanha desnutrição que já não pode mais andar. A fome assola centenas de milhares de crianças iemenitas assim como ele

Temores sobre uma grande fome no Iêmen ressurgiram, declarou nesta quinta-feira (22), em relatório, a Organização das Nações Unidas. Conforme o documento, a ONU anunciou que o país está retornando a níveis “alarmantes” de insegurança alimentar.

“Meu filho está doente e não sei onde levá-lo. Ele tem febre e não tenho nada para tratá-lo. Não tenho nem água”, relata Zaina Muhammad, mãe de Hassan e seus seis irmãos. “Às vezes, passamos dias sem nos lavar”.

As restrições do coronavírus, remessas reduzidas, gafanhotos, enchentes e subfinanciamento significativo referente ao auxílio deste ano agravaram ainda mais uma situação de fome já crítica, após cinco anos de guerra.

O ressurgimento da violência, nas últimas semanas, entre as partes em confronto, a despeito de esforços de paz da ONU, também resultou em números relevantes de civis mortos e feridos.

A crise de fome jamais foi declarada oficialmente no Iêmen. Alertas da ONU emitidos no final de 2018, sobre uma iminente crise do tipo, levaram a um aumento momentâneo da assistência humanitária no país, pela qual o Programa Alimentar Mundial (PAM) conseguiu acalentar cerca de 13 milhões de pessoas por mês.

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“Agora, todos estes avanços estão sob risco”, afirmou Elisabeth Byrs, porta-voz do PAM.

Apesar de cada vez mais graves pressões econômicas e sanitárias impostas ao Iêmen, o maior apoio humanitário do mundo vivencia hoje uma grave redução devido a recursos insuficientes.

Serviços alimentares a 2.5 milhões de crianças podem encerrar-se até o fim de agosto. Em abril, o PAM viu-se obrigado a cortar o auxílio alimentar no norte do Iêmen pela metade e alternar os meses de fornecimento.

“Estão à margem da fome, mas não é ainda [o que chamamos de] crise de fome… não é tarde demais”, reiterou Byrs, em apelo aos doadores.

Deslocada cinco vezes pela guerra, a família de Hassan vive agora na zona rural de Hajjah, uma das regiões mais pobres do país, e não possui qualquer fonte de renda. “Aviões de guerra voam sobre nós; os armamentos houthi ficam perto. Não podemos ir adiante”, relata Zaina.

A enfermeira Makieh al-Aslami testemunhou o pai de Hassan carregando o filho, incapaz de andar ou mesmo reagir, para dentro da clínica que administra para tratar de pacientes que sofrem de desnutrição.

“Hassan não tem problemas de saúde. Seu problema é fome”, esclareceu Aslami. “Como todas as crianças, Hassan precisa brincar, ir à escola… É como se estivesse em uma jaula, na qual a fome agrava a depressão.”

Alguns dias de tratamento, Hassan conseguiu andar e (mudo desde o nascimento) utilizar sinais para comunicar-se. “Está voltando à vida”, declarou Aslami.

Aslami, bastante magra e exausta, conta que a desnutrição cresce exponencialmente no país.

O número de crianças desnutridas com menos de cinco anos de idade pode aumentar em até 20%, para 2.4 milhões de crianças até o fim do ano, diante da queda de recursos, declarou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

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Uma coalizão militar liderada pela Arábia Saudita interveio no Iêmen em março de 2015, a fim de restaurar o governo iemenita deposto por rebeldes houthis, ligados ao Irã, na capital Sanaa. Cerca de 80% da população do país depende de ajuda humanitária.

Segundo análise da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar da ONU (CIF), cerca de 40% da população do sul do Iêmen deverá enfrentar altos níveis de insegurança alimentar entre julho e dezembro deste ano.

Os dados da CIF para o norte do Iêmen, habitado pela maioria da população e controlado por autoridades houthis, estão previstos para divulgação em setembro próximo.

“Caso esperemos que a crise de fome seja declarada, já será tarde demais, pois as pessoas já estarão morrendo”, advertiu Byrs no início deste mês.

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