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Rabaa Al-Adawiyya concede uma oportunidade real para uma mudança duradoura

13 de agosto de 2020, às 11h40

Apoiadores do falecido presidente egípcio Mohamed Morsi durante protesto no Cairo, capital do Egito, 19 de agosto de 2013 [foto de arquivo]

Ao longo do tempo, o massacre da Praça de Rabaa Al-Adawiyya mostrou-se evidência clara da capacidade de sacrifício do povo para reconquistar sua dignidade. Contudo, podemos agora dar um passo atrás de nosso luto anual e sermos honestos para tentar determinar onde estamos hoje, após sete anos do massacre, que mudou o âmbito do debate, de questões políticas para a mera distinção entre certo e errado, além de simbolizar factualmente o derramamento de sangue de cidadãos árabes nas mãos de suas próprias instituições de estado.

O que aconteceu na Praça de Rabaa Al-Adawiyya, em 14 de agosto de 2013, pode ou não pode ser o massacre do século; todavia, somente palavras não podem conter a dor e a gravidade dos crimes cometidos pelas forças de segurança do Egito naquele dia. Precisamos ir adiante, porém, pois a luta avançou uma fase. O regime egípcio de Abdel Fattah el-Sisi mostrou-se incapaz de provar sua própria legitimidade, devido ao crime executado na praça de Rabaa; uma nação inteira foi privada de seus direitos de expressar opinião, muito menos erguer-se perante a injustiça.

Nenhum comentarista, tampouco eu mesmo, precisa provar que os ativistas islâmicos sacrificaram-se em nome do Egito como ninguém mais – é incontestável, creio; embora seja preciso, sobretudo, estabelecer um processo de cura como dever nacional. Sinto de fato a necessidade, não obstante, de destacar que os sacrifícios feitos pelos ativistas islâmicos são maiores que seus erros enquanto governo. Devemos nos retirar de tais debates e trabalhar para mobilizar as massas, rendidas à situação após o maior golpe em sua história.

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O maior testamento deste aniversário é seu reconhecimento da oposição ao golpe militar de 2013, no Egito, conjuntamente a um sentimento generalizado de insatisfação frente à sua performance no exílio, principalmente no que se refere à Irmandade Muçulmana. Entretanto, não devemos perder tempo ao apontar dedos, senão poderíamos acabar por culpar as vítimas como se fossem vilões.

De fato, não há exatamente vítimas; há somente indivíduos que se sacrificaram em nome da liberdade e que, ao lado dos comandantes nas praças de Rabaa e Al-Nahda, não souberam calcular o perigo ou imaginar o grau de criminalidade que ali ocorreria. Ninguém pensou que as forças de segurança do Egito voltariam suas armas contra seus próprios cidadãos.

Fumaça toma a Praça de Rabaa al-Adawiyya, após a polícia do Egito atacar manifestantes, no Cairo, 14 de agosto de 2013 [Ahmed Asad/Apaimages]

Fumaça toma a Praça de Rabaa al-Adawiyya, após a polícia do Egito atacar manifestantes, no Cairo, 14 de agosto de 2013 [Ahmed Asad/Apaimages]

Agora, devemos retirar-nos, por um instante, do círculo de luto e então compor um fronte de oposição que seja mais dinâmico ao lidar com os acontecimentos em campo. Esta mobilização deve incluir a juventude, que amadureceu graças às duras penas enfrentadas, mas não aqueles que estiveram envolvidos nos eventos prévios, seja por parte do regime ou da oposição, senão apenas como consultoria da história.

O movimento islâmico, o qual abriga em seu âmago a Irmandade Muçulmana, não deve apenas fornecer um novo ponto de vista para solucionar os problemas que assolam a população do Egito hoje, mas também deve reposicionar-se e modificar sua abordagem conforme circunstâncias regionais e internacionais, a fim de trazer verdadeira mudança. Tais reformas não devem ser baseadas na liderança da oposição ou mesmo das massas, mas sim na restauração da harmonia entre o povo e na reconstrução de seu país. Estudos sociológicos, psicológicos e filosóficos devem ser preparados e apresentados diante de uma conferência inclusiva, que abranja todos os partidos e agentes políticos, por todo o espectro. A juventude e as novas lideranças devem apresentar seus planos para gerir a luta política e levá-la à próxima fase. O movimento popular, contudo, não deve ceder seu papel de liderança. Precisamos de uma nova entidade capaz de reunir todos e todas e preencher o vácuo político vigente no Egito.

Tudo isso não poderá ser alcançado a menos que o movimento islâmico reconstrua suas instituições no exterior e conduza uma análise objetiva de sua própria coordenação sobre direitos humanos, imprensa e questões políticas, ao longo das fases anteriores e atual. Não há vergonha às lideranças que assumam e falem abertamente de seus erros passados, pois o público deseja abertura e transparência, sobre as quais poderá então apresentar seu plano para o futuro. Os sucessos parciais nos países vizinhos, como Tunísia, Sudão e Argélia, devem representar um incentivo para reconquistar o espírito das massas e tentar reproduzir a mobilização em benefício da sociedade como um todo.

O último aniversário do massacre de Rabaa Al-Adawiyya nos concede uma oportunidade real para uma mudança duradoura. Não desperdicemos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.