A Grécia ilegal e secretamente expulsou mais de mil refugiados nos últimos meses, ao abandoná-los no mar, ao redor das águas territoriais gregas, revelou uma reportagem do jornal The New York Times, com base em evidência e relatos presenciais, de pesquisadores e da Guarda Costeira da Turquia.
Ao menos 1.072 refugiados e imigrantes foram abandonados no mar por oficiais da Grécia em 31 ocasiões distintas, desde março de 2020.
Os refugiados, a maioria sírios que fogem da guerra civil, foram forçados a navegar em barcos salva-vidas danificados na fronteira marítima entre Grécia e Turquia. Casos incluem refugiados deixados em seus barcos após oficiais gregos desativarem seus motores.
Dentre os relatos em primeira pessoa, documentados pelo NYT, está o caso de Najma al-Khatib, mãe síria que fugiu à Turquia, em 2019, com seus dois filhos, conforme o avanço militar do regime sírio de Bashar al-Assad em direção norte.
Após seu marido falecer de câncer, na Turquia, Najma tentou chegar à Grécia, três vezes apenas em 2020. Na primeira ocasião, o proponente da transição irregular não apareceu; na segunda vez, foi interceptada e devolvida pelas forças da Grécia.
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Na terceira tentativa, em 23 de julho, Najma e seus filhos foram detidos pela polícia grega, após aportarem na ilha de Rodes. Em seguida, foram encaminhados a um centro de detenção provisório. Durante a madrugada, foram removidos do local junto de 22 outros refugiados – incluindo dois bebês – e abandonados pela polícia grega em um bote salva-vidas sem leme ou mesmo motor. Assim, chegaram a águas da Turquia.
“É bastante desumano”, relatou ao NYT. “Deixei a Síria por medo das bombas, mas quando isso aconteceu, pensei preferir morrer sob um bombardeio”. Em 6 de agosto, Najma realizou sua quarta tentativa – seu barco foi então parado por oficiais gregos e teve seu combustível removido, para então retornar às águas turcas.
Contudo, segundo registros reunidos pela organização internacional Human Rights Watch (HRW) e outras entidades, dentre os cidadãos expulsos de forma ilegal, não estão apenas refugiados que tentam chegar à Grécia, mas também imigrantes que residem e trabalham legalmente em território grego.
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Os relatos e evidências compilados registram os métodos utilizados pelas autoridades da Grécia para acuar os refugiados e deportá-los em segredos, sem qualquer processo legal.
Um exemplo está no caso de Feras Fattouh, 30 anos, técnico de raio X nascido na Síria. Fattouh foi preso pela polícia da Grécia no porto de Igoumenitsa, em 24 de julho. Residia legalmente na Grécia desde novembro de 2019, com sua esposa e filho, e possuía documentos que comprovam seu status.
Contudo, foi roubado pela polícia e transportado por 640 km em direção à fronteira com a Turquia, onde foi secretamente posto em um bote com outras dezoito pessoas, enviadas rio abaixo.
Fattouh foi expulso sozinho; sua esposa e filho permanecem na Grécia. “Os sírios sofrem na Turquia”, relatou ao NYT. “Nós sofremos na Grécia. Para onde devemos ir?”
Apesar das evidências, incluindo vídeos registrados por passageiros dos botes, o governo da Grécia nega todos os relatos. Stelios Petsas, porta-voz do governo, afirmou: “Autoridades gregas não se envolvem em atividades clandestinas”.
Petsas insistiu ainda que a Grécia “possui histórico comprovado de respeitar a lei, as convenções e os protocolos internacionais. Isso inclui o tratamento de refugiados e imigrantes”.
Nos últimos nove anos de conflito na Síria, milhões de refugiados fugiram via território turco e Mar Mediterrâneo, em direção à a Europa. Em 2015, União Europeia e Turquia assinaram um acordo de migração para conter o fluxo de refugiados.
O bloco europeu, porém, falhou em cumprir sua parte do pacto, incluindo envio de recursos e outros benefícios para auxiliar a Turquia a manter os imigrantes. Em fevereiro último, o governo turco do presidente Recep Tayyip Erdogan enfim decidiu abrir sua fronteira com a Grécia, para dar passagem aos requerentes de asilo.
Deste então, guardas e policiais da fronteira grega cometeram uma série de violações de direitos humanos contra os refugiados que tentam chegar à Europa. Segundo os relatos, tais abusos incluem abandonar e atirar contra botes improvisados, deter e torturar imigrantes em locais secretos, despí-los e roubá-los, para então mandá-los de volta à fronteira.
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