Já faz dezessete anos desde o início da invasão ao Iraque pela coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, que depôs um regime autoritário do ex-aliado e conveniente adversário Saddam Hussein, a fim de supostamente democratizar o país. Dezessete anos se passaram e ainda não encontramos qualquer sugestão válida de mera intenção dos Estados Unidos de realmente estabelecer uma democracia próspera e estável no Iraque. A ocupação resultou em uma série de fracassos: os treze anos de sanções mortais e a destrutiva Operação Tempestade no Deserto devastaram a infraestrutura do país.
O Iraque atual vivencia todos os tipos de desafios possíveis. O desemprego entre os jovens, em 2019, alcançou o índice de 25.14%; há cerca de dois milhões de órfãos e 1.5 milhão de deslocados internos; 96.4% da população não possui qualquer acesso a serviços de saúde e o analfabetismo chegou a 39% entre a população rural.
Desde os primeiros estágios da intervenção militar e da ocupação, sob autoridade de Paul Bremer, os Estados Unidos sempre aparentaram anseios para desmantelar as forças armadas e policiais iraquianas e deixar um país cada vez mais vulnerável a agentes regionais ambiciosos. A força ocupante desejava substituir Saddam por políticos exilados, sem qualquer eleição democrática. Os Estados Unidos pareciam ávidos a implementar um processo de desba’athificação, a fim de erradicar a cultura e influência do partido político Ba’ath, antes no governo. Ao contrário, não pareciam desejar a implementação de qualquer democracia bem-sucedida, com instituições públicas fortes e capacidade de proteger o país e o povo da corrupção e do caos.
Os Estados Unidos prometeram democracia e prosperidade ao Iraque pós-Saddam, mas o projeto “democrático” resultou em mais violência, mais extremismo, mais corrupção e mais desemprego, nos anos seguintes.
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O ex-Presidente dos Estados Unidos George W. Bush prometeu, em seu discurso de guerra de março de 2003, encerrar a agressão e o terrorismo, para que ressurgisse um Iraque livre. Após a invasão liderada pelos americanos, que decorreu em sucessivas violações de direitos humanos contra civis iraquianos, a al-Qaeda enfim entrou no país recém desarmado, milícias tomaram a arena política, a violência sectária irrompeu nas ruas e o cisma social prevaleceu como instrumento de interesses políticos.
Foi prometido aos iraquianos um mundo de liberdade e paz, além de uma nação autônoma. Hoje, a população põe sua vida em risco, caso deseje criticar e denunciar as falhas do governo em relação a pautas como economia e segurança. O Iraque hoje é um campo de batalha para interesses estrangeiros; partidos políticos servem como agentes por procuração de potências regionais, priorizando agendas externas à prosperidade e estabilidade do país.
Bush utilizou o ódio à América como pretexto para justificar a intervenção militar no Iraque e além. Justamente o oposto ocorreu: o anti-americanismo cresceu por toda a região ao longo dos anos que sucederam o princípio da presença militar dos Estados Unidos.
O primeiro encontro para diálogo estratégico entre Estados Unidos e Iraque ocorreu em junho último. As conversas pretendiam descobrir uma saída para as relações recentemente apartadas. Pode-se dizer que o governo americano encontrou uma oportunidade para tanto no recém indicado primeiro-ministro e ex-chefe da inteligência Mustafa al-Khadimi, considerando suas boas relações com os Estados Unidos, em um país onde a influência iraniana de fato domina decisões políticas majoritárias.
As conversas concentraram-se fundamentalmente na presença do Exército dos Estados Unidos em território do Iraque. O próximo encontro está marcado para ocorrer em Washington DC, durante visita oficial do premiê iraquiano à Casa Branca.
Alguns eventos motivaram ambos os lados a reacender suas relações bilaterais. Em particular, o atentado americano que resultou na execução do general Qassem Soleimani, líder das Guardas Revolucionárias do Irã, e de Abu Mahdi al-Muhandis, chefe das Unidades de Mobilização Popular, no início de janeiro de 2020. O ataque decorreu de uma série de confrontações entre forças dos Estados Unidos e milícias pró-Irã, no Iraque, no fim de 2019.
Como resultado, o parlamento iraquiano aprovou a retirada das forças militares dos Estados Unidos presentes no Iraque, sob pressão severa de partidos e blocos leais à influência iraniana no país. Apesar da abstenção de partidos políticos curdos e sunitas na votação, os Estados Unidos não receberam bem a decisão parlamentar iraquiana, ao considerá-la como se Bagdá escolhesse o lado de Teerã, no que se refere aos confrontos americano-iranianos em solo do Iraque.
A declaração oficial sobre as conversas de junho de 2020 relatou diálogo concernente ao apoio dos Estados Unidos via consulta econômica e cooperação com instituições financeiras globais, para estabelecer planos de reformas fiscais no Iraque. A questão é: quão transparente e produtiva será tal consulta, diante da realidade política e econômica iraquiana?
Não haverá qualquer benefício deste apoio, caso não se traduza na importância de enfrentar a corrupção institucionalizada e construir uma saída para o país, gradualmente.
No Iraque, segundo estimativas, 16.2 trilhões de dinares desaparecem anualmente das importações dos derivados de petróleo, com plena ciência de ministros das pastas de economia e insumos combustíveis.
Vale observar que ninguém pode esperar a plena desmilitarização da abordagem dos Estados Unidos sobre o Iraque, considerando a natureza da presença iraniana e o número de bases militares americanas no país.
Os Estados Unidos não invadiram o Iraque e insistiram em um plano estratégico falido, na suposta tentativa de democratizar a região, para simplesmente saírem e permitirem o controle permanente do Irã. Além dos interesses políticos, há interesses econômicos e geopolíticos americanos que dependem da presença militar continuada em solo iraquiano.
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Os Estados Unidos possuem sete bases militares nas províncias de Kirkuk, Erbil, Salah al-Din, Bagdá e duas bases em Anbar. Muitas dessas instalações estão infestadas de forças antiterroristas, mísseis de defesa e artilharia aérea, além de armazéns de mísseis e pontos de trânsito entre forças americanas na Síria e no Iraque.
Seria pouco usual ver uma superpotência desistir voluntariamente de toda essa influência e presença militar em um país rico em petróleo, considerado centro estratégico regional.
Os Estados Unidos só poderão impor um exemplo de Iraque a seus rivais em Damasco e Teerã caso reconstrua a infraestrutura destruída pela sua própria invasão. Foram o desemprego e a miséria que recrutaram jovens a grupos extremistas. É hora dos Estados Unidos minimizarem seu foco no número de tropas e bases militares e passarem a olhar para como reabrir as fábricas iraquianas, ao conceder os investimentos e treinamentos necessários, que poderão fortalecer a economia interna do Iraque e criar empregos aos jovens. É hora dos Estados Unidos de fato externarem seu papel significativo na economia globalizada de hoje, ao investir no setor de tecnologia iraquiano por meio de iniciativas de base que possam ofuscar os anos de terror com inovação e criatividade.
A influência iraniana e a corrupção do estado não desaparecerão com novos soldados e mais artilharia. Somente terão fim quando uma alternativa mais sustentável se tornar disponível às vítimas de ambos os problemas. Não se trata de negar a situação de segurança no Iraque, estremecida pela presença de milícias dispersas por todo o espectro político e social. Entretanto, não deveria ser o único ponto debatido. Derrotar ou limitar a influência de grupos extremistas no Iraque, como a Al-Qaeda (entre 2004 e 2006), o Exército Mahdi (2008), o Daesh (2017), e agora milícias pró-Irã que executam ativistas, manifestantes e acadêmicos, somente produzirá soluções temporárias, caso não hajam esforços drásticos e mudanças constitucionais capazes de eliminar o papel étnico e sectário na governabilidade, além do fornecimento de serviços públicos e problemas sistêmicos, incluindo falta de eletricidade, escassez de água, entre outros. Sobretudo, é imprescindível melhorar a economia para além das indústrias tradicionais, a fim de preservar o meio ambiente e desacelerar as taxas alarmantes de desemprego entre os jovens.
Para além dos negócios militares, os Estados Unidos têm de demonstrar seu compromisso com a educação e o desenvolvimento econômico. O Iraque tem muito mais potencial do que mera arena estratégica geopolítica, no coração do Oriente Médio.
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