Recentemente, o grupo palestino Hamas e Israel pareciam próximos a chegar a um acordo de troca de prisioneiros, segundo o qual o Hamas poderia devolver soldados israelenses mantidos em Gaza em troca da libertação de um número não especificado de prisioneiros palestinos mantidos nas cadeias israelenses.
Ao invés do muito antecipado anúncio de algum tipo de acordo, em 10 de agosto, bombas de Israel começaram a cair sobre a Faixa de Gaza sitiada e balões incendiários, provenientes do território palestino, voaram em direção ao lado israelense da cerca.
Então, o que aconteceu?
A resposta reside em grande parte – embora não por completo – em Israel, especificamente no conflito político entre o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, e seu campo de direita e extrema-direita, por um lado, e seus parceiros de coalizão, liderados pelo Ministro da Defesa Benny Gantz, por outro.
A discórdia entre Netanyahu e Gantz concentra-se na luta feroz sobre o orçamento nacional, em curso atualmente no Knesset (parlamento israelense), e que tem muito pouco a ver com os gastos ou responsabilidades fiscais do governo.
Gantz, previsto como próximo primeiro-ministro, a partir de novembro de 2021, acredita que Netanyahu planeja aprovar orçamento de um ano para prejudicar o acordo de coalizão e convocar novas eleições antes da troca de mandato ser efetivada. Desta forma, Gantz insiste em estender a cobertura orçamentária a dois anos, para evitar possíveis traições do partido Likud, liderado por Netanyahu.
O complô de Netanyahu, revelado pelo jornal israelense Haaretz, em 29 de julho, não é inteiramente motivado pela paixão por poder do atual líder israelense, mas também por sua desconfiança sobre os verdadeiros objetivos de Gantz. Ao assumir como premiê, Gantz provavelmente indicaria novos juízes simpáticos a seu próprio partido Azul e Branco (Kahol Lavan), portanto, ávidos a condenar Netanyahu em seu julgamento por corrupção, que está em curso.
Tanto para Netanyahu quanto para Gantz, talvez, esta seja a luta mais crucial de suas carreiras políticas: o primeiro luta por sua liberdade; o outro, por sua sobrevivência.
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Uma questão, no entanto, é aceita por ambos os líderes: o consenso israelense de que a força militar sempre reúne maior apoio popular no estado sionista, em particular, caso outra eleição torna-se inevitável. Uma quarta eleição consecutiva provavelmente ocorrerá caso a batalha orçamentária não chegue a uma solução.
Diante da impossibilidade de um confronto militar no sul do Líbano, após a enorme explosão que abalou Beirute, em 4 de agosto, os dois líderes israelenses mudaram seu foco à Faixa de Gaza. Movendo-se rapidamente, como se ainda em campanha, Gantz e Netanyahu mostram-se ocupados em apresentar seu projeto aos israelenses que vivem nas cidades meridionais, que fazem fronteira com Gaza.
Gantz concedeu uma visita a tais comunidades em 19 de agosto. Juntou-se a Gantz uma delegação cuidadosamente selecionada de oficiais de alto escalão do exército e do governo israelense, incluindo o Ministro da Agricultura Alon Schuster e o Comandante da Divisão de Gaza, brigadeiro-general Nimrod Aloni, que participou por videoconferência.
Para além das ameaça de costume, de atacar qualquer um em Gaza que ouse intentar contra Israel, Gantz engajou-se em uma autopromoção típica de campanhas eleitorais. “Mudamos a equação em Gaza. Desde que assumi o gabinete, houve uma resposta a cada violação contra nossa segurança”, proferiu o Ministro da Defesa, ao destacar suas próprias conquistas, como opostas a qualquer êxito da coalizão de governo – portanto, negando qualquer crédito a Netanyahu.
Netanyahu, por outro lado, ameaçou retaliação severa contra Gaza, caso o Hamas não impeça manifestantes de soltar supostos balões incendiários. “Adotamos uma política na qual fogo é tratado como foguete”, reportou o premiê a prefeitos das cidades do sul de Israel, em 18 de agosto.
Netanyahu mantém aberta a opção por uma guerra em Gaza, como último recurso. Gantz, como Ministro da Defesa e rival do premiê, não obstante, desfruta de maior espaço de manobra política. A partir de 10 de agosto, Gantz ordenou suas forças armadas a bombardear Gaza todas as noites. Com cada bomba disparada sobre Gaza, a credibilidade de Gantz entre o eleitorado israelense, especialmente no sul, aumenta pouco a pouco.
Caso a conflagração em curso leve a uma guerra aberta, será a coalizão como um todo – incluindo Netanyahu e seu partido Likud – a carregar a responsabilidade por consequências potencialmente desastrosas. Gantz, portanto, repousa sobre um posto bastante vantajoso.
A atual confrontação em Gaza não decorre apenas da luta política em Israel. A própria sociedade de Gaza está hoje diante de seu ponto de ruptura.
A trégua entre grupos palestinos e Israel, consentida via mediação do Egito, em novembro de 2019, levou a nada. Apesar de promessas de que os palestinos sitiados em Gaza teriam enfim o tão necessário descanso, a situação, ao contrário, chegou a um estágio insuportável e sem precedentes: a única fonte de energia elétrica em Gaza esgotou seu combustível e não mais opera; a pequena zona de pesca do território palestino, com menos de três milhas náuticas, foi declarada zona militar fechada por Israel, em 16 de agosto; a travessia de Karem Abu Salem, pela qual suprimentos essenciais entravam em Gaza via Israel, foi oficialmente obstruída.
O cerco de treze anos sobre a Faixa de Gaza atualmente apresenta sua pior manifestação possível, com pouco espaço para que a população de Gaza sequer expresse sua indignação perante o sofrimento e a miséria.
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Em dezembro de 2019, autoridades do Hamas decidiram limitar a frequência dos protestos em Gaza, conhecidos como Grande Marcha do Retorno, que ocorriam quase diariamente desde março de 2018.
Mais de 300 palestinos foram mortos por franco-atiradores israelenses durante os protestos. Apesar do alto índice de mortes e do fracasso relativo para despertar repúdio internacional contra o cerco, as manifestações pacíficas permitiam à população palestina a desabafar, organizar-se e assumir suas próprias iniciativas.
A frustração hoje crescente em Gaza levou o Hamas a abrir espaço para que manifestantes retornassem à cerca com Israel, na esperança de retomar a questão do cerco às manchetes internacionais.
Os balões incendiários, que serviram de estopim à fúria recente do Exército de Israel, representam uma das muitas mensagens emitidas pelos palestinos de Gaza: recusam-se a aceitar o prolongado cerco como realidade perpétua.
Embora a mediação egípcia até possa oferecer um alívio temporário aos palestinos e evitar a guerra aberta, a violência israelense em Gaza, sob o atual arranjo político, não cessará de modo algum.
Decerto, enquanto líderes israelenses enxergarem uma guerra em Gaza como oportunidade política e plataforma para seus próprios jogos eleitorais, o cerco continuará, de modo implacável.
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