Gaza está em lockdown pelo covid-19, mas as bombas de Israel continuam a cair

Fumaça após aviões de guerra israelenses atingirem posições das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, braço militar do Hamas, em Khan Younis, Gaza, 21 de agosto de 2020 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]

A vida está suspensa na Faixa de Gaza, perante inesperado surto de infecções por coronavírus em uma única família, detectado fora das zonas de quarentena. Algumas mortes foram reportadas e um toque de recolher absoluto foi anunciado na segunda-feira (24). Em meio a todo este alvoroço, Israel continua a bombardear o território sitiado, indiferente ao sofrimento sem precedentes dos palestinos locais.

O toque de recolher é parte de um lockdown total, imposto pelo governo e pela polícia de Gaza. Até então, obteve o resultado desejado, ao conscientizar a população das ameaças enfrentadas, embora ainda se espere que as coisas caminhem de mal a pior.

O lockdown afeta todos os aspectos da vida: cafés, negócios, mesquitas, mercados, escolas, universidades, jardins de infância, todos fechados. As pessoas agora estão confinadas às suas casas e aguardam novas informações após um período relativamente longo do que se passa por normalidade nestes tempos estranhos.

Neste período, Gaza vivenciou a cerimônia de graduação de 400 estudantes, orientados por seus professores para não esperar demais e voltar para a casa assim que possível. E assim fizeram.

Os quatro casos de coronavírus em uma única família foram constatados no campo de refugiados de Al-Maghazi. O governo isolou o local imediatamente e estendeu o lockdown para todo o território da Faixa de Gaza, à medida que novos casos foram confirmados.

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O porta-voz do Ministério da Saúde emitiu instruções e diretrizes para o lockdown e alertou a todos para não negligenciar as medidas de segurança. Também aconselhou qualquer cidadão que teve contato com os infectados que apresentem-se para testagem.

Esperança em Gaza, apesar da devastação [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Na terça-feira (25), a fonte das infecções foi devidamente rastreada. Revelou-se ser uma pessoa que viajou à Cisjordânia, ironicamente, por razões médicas, e então contraiu o vírus. Testes em vinte pessoas registraram dois outros resultados positivos. O governo então assumiu ações necessárias para tentar conter a propagação da doença no território palestino sitiado.

Policiais exerceram um importante papel ao patrulhar as ruas e conscientizar a população para que fique em casa, até novo aviso. As pessoas acataram ao chamado, encorajadas por receios e relatos divulgados nas redes sociais.

Contudo, rumores e informações falsas obviamente tendem a dominar os ambientes virtuais. Como jornalista, vejo muito dessas histórias. A pandemia resultou em trabalho remoto, pelo qual tenho de reportar notícias, traduzir artigos estrangeiros e editar matérias com enorme cuidado. Minha própria vida familiar confinou-se entre as quatro paredes de nossa casa. Meu pai insiste que todos obedeçam às regras, então ninguém sai sequer para comprar bens essenciais. Dependemos da mídia para novas informações. Sim, há sofrimento, mas tudo isso reforçou a união como contraste à situação perturbadora que vemos na televisão.

Agora, costumo realizar um breve chat com meu vizinho, pela manhã. Abu Ahmed está ciente do que ocorre nas ruas e cidades de Gaza, mas também permanece em casa. Meu vizinho espera que as coisas piorem antes de melhorar.

O toque de recolher estendeu-se por 72 horas adicionais, a partir da noite desta quarta-feira (26); é possível que volte a ser prorrogado. Não é fácil para nós em Gaza; enfrentamos o cerco israelense há 14 anos e a consequente falta de produtos, materiais e mesmo necessidades básicas. Agora, o covid-19 e uma situação potencialmente ainda mais árdua para lidarmos.

Nós, palestinos da Faixa de Gaza – e Cisjordânia – exortamos a comunidade internacional a levar em conta nosso sofrimento diante do cerco e da pandemia, ao fornecer aos palestinos equipamentos e suprimentos médicos essenciais, criticamente necessários para manter o funcionamento de nosso setor de saúde. As autoridades da ocupação israelense continuam a deter importações que passam pela fronteira nominal. O Ministério da Saúde de Gaza alerta que o setor pode entrar em colapso a qualquer momento, tamanha é a gravidade da carência de itens fundamentais. Trata-se de uma nova catástrofe para a população da Faixa de Gaza. Faremos tudo o que pudermos para prevenir a propagação do coronavírus, mas dependemos, contudo, de apoio externo; em particular, para obter suprimentos médicos.

Nosso povo senta-se em casa e respeita as orientações do governo, mas a falta de água potável e os cortes em energia elétrica – habitualmente, até doze horas por dia – restringem severamente a capacidade de suportar o bloqueio israelense e a pandemia. O bombardeio israelense ainda em curso – aparentemente, não considerado digno de nota pela mídia internacional – agrava ainda mais tais dificuldades e incertezas. Os palestinos fazem sua parte para ajudar o mundo a conter o covid-19; agora, precisamos que o mundo faça sua parte para dar fim ao bloqueio e ao bombardeio israelense sobre nossas casas, hospitais e infraestrutura.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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