Antes mesmo da pandemia do novo coronavírus, Equador já estava atravessando por uma enorme crise política, no qual o atual presidente, Lenin Moreno, ao vencer as eleições encerrou todos os acordos feitos em campanha, traiu seus apoiadores e se juntou, aos que antes eram considerados seus rivais de campanha.
Em meados de abril, com a chegada do pandemia no país, o mundo se surpreendeu com as cenas de desespero dos equatorianos que não tinham hospitais e nem serviços funerários, as pessoas morriam dentro de casa e corpos infectados pelo vírus eram jogados nas ruas.
Atualmente a situação melhorou um pouco, mas ainda está longe de uma solução eficaz, em entrevista ao Monitor do Oriente, o deputado Bairon Valle nos relata como o Equador chegou a essa calamidade e também nos fala sobre os trabalhos e solidariedade com o povo palestino.
O atual presidente do Equador, Lenin Moreno conseguiu chegar a presidência com o apoio de seu antecessor, Rafael Correa, ao chegar no poder mudou todos os acordos feitos antes das eleições e agora são considerados inimigos, como se deu essa traição?
Em primeiro lugar, está dita a palavra adequada: traição. Este foi o primeiro assunto que tratamos dentro da revolução cidadã e do movimento PAIS, representado de muitas formas por Rafael Correa e através desse movimento e com todo um plano de trabalho; basicamente, recuperar a pátria para os cidadãos. E os cidadãos haviam confiado porque [Correa] governou por dez anos, uma década em que se consagrou a ideia de recuperar os direitos do povo
Em 2016-2017, às vésperas das eleições, nós propusemos a Lenin Moreno um companheiro que seria vice-presidente e, no ano anterior, havia sido representante do governo equatoriano na ONU, era um companheiro que havia participado do processo, que havia demonstrado ser um excelente companheiro, não tivemos nenhuma desconfiança em fazê-lo candidato da revolução cidadã ou do movimento PAIS, nessas eleições.
Com as eleições, na verdade foi uma campanha bastante complicada, difícil porque o candidato não demonstrava ser um candidato sólido, havia dificuldade, mas ganhamos.
Uma vez como presidente, Lenin Moreno começa a cercar-se da direita, com o candidato derrotado e começa a executar o plano de governo do candidato derrotado, e deixa de lado o plano de governo que havia ganhado, que de fato mobilizou a revolução cidadã.
Rafael Corrêa anunciou essa semana que irá candidatar-se a vice-presidente do Equador, o que o senhor pensa a respeito?
Primeiro, dizer que o ex-presidente, neste momento, não tem nenhum impedimento constitucional ou legal para sê-lo candidato [a vice-presidente]. Desfruta de todas as suas faculdades e direitos políticos em vigência, e que há uma perseguição política em marcha, mas não uma sentença declarada que seria a única razão jurídica , portanto, é seu direito legítimo, e a militância e os dirigentes decidiram que, como não pode candidatar-se à presidência, será candidato a vice-presidente, com o companheiro André Arauz, candidato a presidente. Portanto, essa é nossa visão, assim fizemos a apresentação oficial, pois não há problema com o direito político ou com a jurisprudência, e estamos com a razão, decidimos agir em função de nosso direito e lançar essa chapa.
Lenin Moreno tem governado com mão de ferro, por diversas vezes decretou estado de exceção no país e tem perseguido manifestantes contrários ao seu governo, o que parlamentares de esquerda tem feito para garantir o estado democrático no Equador?
Eles se aproveitaram deste momento sensível que vive o país para decretar o estado de exceção, limitando os direitos dos cidadãos, por um desgoverno que sequer trata da situação de pandemia, que está crítica. E neste momento difícil, não houve governo para responder à necessidade do povo. O governo está alheio ao povo, e se dedicou a pagar banqueiros, a gastar os poucos recursos que temos com os proprietários de títulos e com todo o tipo de coisa que não é necessária. As coisas necessárias, por exemplo, proteger a população, fornecer insumos, alimentos, remédios, nada disso é feito. Portanto, é como se a insatisfação do povo fosse crescendo e crescendo, mas o estado de exceção impede que as pessoas tomem as ruas para reivindicar seus direitos. Então se aproveitaram do estado de exceção para impedir que as pessoas saiam de suas casas por já a insatisfação por toda a parte.
LEIA: Venezuela diz que Brasil coloca em risco América do Sul
No começo da pandemia do coronavírus vimos cenas de terror de hospitais e funerárias que entraram em colapso, atualmente, como o sistema de saúde e funerário estão?
A situação não mudou muito. Por exemplo, Guayaquil foi a primeira cidade afetada pelo covid, vimos um desgoverno sem controle de nada, pessoas morrendo nas ruas, em suas casas, sem que o governo tenha atuado e os cadáveres ficavam quatro ou cinco dias deixados nas ruas ou nas casas, sem ser retirados. Uma situação muito complicada para nós. Colapsaram os hospitais, não havia serviço funerário, não havia caixões, as pessoas tendo de inventar e usar qualquer coisa para poder enterrar seus mortos, foi crítico.
Em Guayaquil, isso passou, caminhamos um pouco pelas ruas, saímos para fazer algumas de nossas coisas, mas o problema que se passou em Guayaquil, se vê em Quito que estão vivendo a mesma situação que Guayaquil, a mesma experiência: os cadáveres nas ruas e nas casas, não retirados, um governo que não se preocupou com alimentos ou insumos, nem pela proteção da cidadania, é a mesma experiência vivida em Quito, hoje em dia, uma cidade muito afetada. Quito chegou ao máximo, ao ápice da pandemia, e os hospitais seguem em colapso, os mortos nas ruas, nas casas, sem ser retirados, e o governo não assimilou a experiência, não tratou de equipar-se, de atuar de uma maneira distinta, As propostas pelo governo são vergonhosas, em retirar a metade dos salários dos trabalhadores do setor privado, retirar 25% dos salários dos trabalhadores do setor público, e um monte de medidas fúteis e uma corrupção sem controle. Este é o maior ato de corrupção que vivemos em nossa história, no momento em que chegamos ao ponto mais alto da pandemia.
Quais projetos e ações tem sido feitos para ajudar a população mais carente neste período de pandemia?
Há algumas propostas, mas se trata de um governo que quer que os cidadãos paguem pela pandemia, pague pela crise. É um governo que não serve aos cidadãos, mas age contra os cidadãos, está protegendo os que mais têm. Nós fizemos uma proposta para que os que mais têm contribuam para lidar com a pandemia, o governo não foi capaz de pedir a contribuição de um centavo sequer dos grandes empresários, os banqueiros não contribuem nada de nada, a classe rica do Equador não contribuiu um centavo sequer à pandemia e enquanto isso retiram o salário das pessoas que menos têm. Ficaram desempregadas 400 mil pessoas, tanto no setor público quanto privado. Essa é uma sequela, paga pelo povo. E agora mudam a previdência social, para que as pessoas contribuam mais anos, a corrupção sobre a previdência social não é controlada. O governo de Lenin Moreno desapareceu com US$17 milhões, não sabemos onde está esse dinheiro! No último ano, no país, não há um único quilômetro de estrada construída, não há nenhuma escola, um único hospital, não há absolutamente nada, esse dinheiro não aparece, e certamente está nos bolsos das máfias que estão ao redor de Lenin Moreno.
O senhor faz parte do Fórum Latino Americano Palestino, qual a importância da presença de parlmentares neste Fórum?
Primeiro quero dizer que estamos muito felizes porque, a partir de julho de 2019, conseguimos constituir um grupo parlamentar de solidariedade ao povo palestino na assembleia do Equador, composto por cerca de quinze parlamentares, sumamente comprometidos com a causa, os direitos e a resistência legítima do povo palestino. Estamos desenvolvendo algumas atividades, primeiro no país, como legisladores, criando mais consciência, e também trabalhando com a sociedade civil porque, aqui no país, há alguns palestinos, familiares e descendentes de palestinos e também há muitos cidadãos que não tem nada a ver com a descendência palestina, mas se identificam plenamente com a causa palestino. No último ano, nos dedicamos a criar uma organização latino-palestina, com legisladores do México ao Chile para fazer parte da Liga de Parlamentares por al-Quds, que já está em sua terceira conferência, a última na Malásia, em Kuala Lumpur, da qual participamos. E agora estamos construindo uma réplica dessa liga parlamentar na América Latina e, portanto, construímos o Fórum Latino-Palestino, não somente de parlamentares, mas também outros atores, como descendentes palestinos, ativistas das organizações civis, em um fórum muito mais aberto.
Como é a relação diplomática entre o Equador e Palestina
Em 2010, o governo do economista Rafael Correa reconheceu o estado palestino como estado. Na verdade, o que aconteceu é que simplesmente essa resolução incorre em alguma relação bilateral que mantém o governo do Equador com a Palestina. Isso não mudou, embora o governo tenha traído os princípios da revolução cidadão, mas as relações com a Palestina não mudaram, se mantêm, imagino que tenha mudado de intensidade, mas isso está aí e nós, no ano passado, conseguimos nos reunir com o embaixador da Palestina aqui em Quito, Equador, e conseguimos construir esse grupo de parlamentares, e estamos trabalhando de alguma outra forma em coordenação com eles, pedimos que nos ajudem mais com informações, diante da dificuldade com o idioma, não entendemos com plena clareza o que ocorre, mas, através do embaixador e algumas outras organizações, ficamos um pouco mais informados, e estamos reunindo esforços para construir, sobretudo, algumas ações que consideramos muito importantes, por exemplo começaremos na próxima semana, uma campanha para recolher assinaturas de parlamentares e atores políticos que queiram apoiar a causa e repudiar a atitude do governo dos Emirados Árabes Unidos, a anexação da Cisjordânia, nossa intenção é fortificar a abordagem com os parlamentares e também com a sociedade civil.
Como o senhor analisa o acordo de paz entre os Emirados Árabes e Israel?
Na verdade, nós observamos que isso [acordo de paz Israel-Emirados] despertou muita indignação, que os Emirados Árabes Unidos se aproveitaram de uma situação muito complicada e complexa, como está vivendo a Palestina, para concluir este acordo. É necessário rechaça-lo, isso não pode ser aceito pelas pessoas que amam a democracia, pelas pessoas que amam a paz, e tem de ser repudiado porque um país e seus interesses privados não têm nada a ver com o bem coletivo. Neste caso, os EAU falharam perante a Liga Árabe, à cultura árabe com relação à Palestina. Consideramos que é um erro gravíssimo e repudiamos, e fazemos o que podemos para criar um pouco mais de consciência no mundo de que essa atitude assumida pelo governo dos Emirados Árabes não pode se repetir e é preciso consciência para repudiar este tipo de atitude.
O que o senhor pensa em relação ao plano de anexação de israel em terras palestinas?
É uma pretensão ilegítima que tem de ser repudiada pelos parlamentares, pelos governos, em nome da cidadania do mundo, eu como legislador, sinto-me surpreendido que um país como Israel, pode escarnecer a legislação internacional. Nós não podemos permitir o “acordo do século”, como propôs os Estados Unidos, violando todos os direitos internacionais e direitos humanos.
Considero, que a ONU tem uma dívida com a Palestina, não atuaram à altura de como deveria ter atuado, não trataram de defendê-la, há muitas propostas e resoluções que foram prometidas, mas não foram postas em prática. Portanto, jurisprudência há; resoluções há. O que falta é vontade política das Nações Unidas para pôr limites a Israel, que tanto dano causou, e não entendo porque não há nenhuma entidade no mundo, um país ou, nesse caso, uma organização como a ONU, para refrear este tipo de violência e este tipo de atitude desumana que tem Israel contra o povo palestino.