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Pela cultura árabe e a causa Palestina

Entrevista com o presidente do Icarabe, Mohamed Habib
Mohamed Habib [Foto de arquivo]
Mohamed Habib [Foto de arquivo]

Mohamed Habib é um acadêmico. Professor universitário desde 1964, formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade de Alexandria, Egito, onde obteve também o título de mestrado. Chegou ao Brasil em 1972 e no mesmo ano começou a lecionar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde adquiriu os títulos de doutor, livre docente, professor adjunto, professor titular e pró-reitor por dois mandatos.

Publicou mais de 200 trabalhos científicos divulgados em periódicos nacionais e internacionais, além de colaboração em livros e apostilas didáticas nas áreas de: Entomologia, Ecologia Aplicada, Controle Biológico e Microbiano.

Mas esse professor e pesquisador é também uma voz importante em defesa da cultura árabe. Egípcio de nascimento, crítico feroz do sionismo, projeto ideológico que vai além da criação do Estado de Israel e se mistura com a direita brasileira, Mohamed Habib é presidente do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe). Conhecido de muitos por suas atividades de interesse cultural, como a promoção da Mostra de Cinema Árabe, o instituto tem uma história importante na defesa da causa Palestina.

Esta entrevista,com Mohamed Habib mostra um pouco do surgimento e missão do instituto e também da origem e visão desse professor brasileiro nascido no Egito.

Como nasceu e qual o papel do Instituto da Cultura árabe?

Após o falecimento do intelectual palestino Edward Said (2003), veio a ideia da formação e criação do instituto da cultura árabe (Icarabe), que se deu como chama que precisa ser acesa sempre para manter as memórias e ideais desse grande intelectual. Said foi professor universitário, pesquisador, pensador e militante pela causa palestina, realizou grandes projetos, publicou diversos livros defendendo a causa palestina, analisando a questão sob o ponto de vista histórico, filosófico, humano, social e político.

Temos a demanda de trazer ao povo brasileiro o conhecimento histórico e a compreensão do quadro político dos povos árabes com o objetivo de corrigir as distorções, frutos do preconceito da mentalidade imperialista, para que os brasileiros possam entender de uma forma mais verdadeira a história e cultura desse povo.

Boa parte da comunidade do instituto árabe é composta por intelectuais, cientistas, pesquisadores e professores universitários, esse pessoal vem atuando há 15 anos, inclusive conseguindo entrar em debates muitos árduos para corrigir livros didáticos carregadíssimos de equívocos e erros, temos a missão de continuar informando, conscientizando e contando para o Brasil a realidade do povo árabe inspirados na figura de Edward Said no qual nos espelhamos para criar o Instituto da cultura Árabe.

Como o Icarabe ajuda a promover a solidariedade com a causa palestina?

Mesmo antes da criação do Icarabe, já trabalhávamos arduamente para a questão e causa palestina, como por exemplo o Simpósio Internacional: Os Direitos Humanos do Povo Palestino (novembro/2001) que fiz em parceria com a Unicamp. O instituto acabou sendo criado para manter esse tipo de projeto. Uma das fundadoras do Icarabe, a professora Soraya Smaili, hoje reitora da Unifesp, também tem atuação de longa data. Ela pertencia a um grupo no Brasil formado por jovens e adolescentes na década de 80, o Sanaúde que quer dizer voltaremos (à Palestina). Este movimento defendia o direito de retorno.

Realizamos seminários, cursos, palestras, mostras de cinema com a temática do mundo árabe no qual temos sempre a Palestina como destaque

A primeira missão política do instituto árabe é a defesa dos direitos dos árabes em geral e dos palestinos em particular.

Temos muitos projetos e artigos nos quais trazemos muitas informações sobre a Palestina. Vale destacar o projeto acadêmico, único no Brasil, que é a Cátedra Edward Said da universidade federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Icarabe, além de outros muitos projetos que estamos realizando pelo instituto ou em conjunto com várias instituições.

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O sr. guarda grande ligação com o Egito, país onde nasceu. Qual sua experiência enquanto esteve lá?

O Egito foi ocupado pelos ingleses desde 1882, sempre foi um país invadido, desde muito tempo atrás, pelos romanos, pelos gregos, asiáticos, europeus, franceses, ingleses, como a maior parte do Oriente Médio, que de modo geral, por sua localização geográfica, sempre foi tomado por vários países e diversos povos. Nasci no mês de janeiro de 42, em plena II Guerra Mundial.Vivi meus primeiros 17 anos na cidade de Porto Said, ponto estratégico de importância militar, não só para o Egito mas também para o quadro geopolítico do Oriente Médio devido a importância do Canal de Suez. Nasci naquela cidade que sofreu a ocupação britânica desde 1882 até 1954, portanto, passei meus primeiros 12 anos de idade sobre a ocupação britânica e em 1956 com 14 anos, vivi e convivi com o ataque, invasão e ocupação de Porto Said.

Na década de 60 fui morar em Alexandria para fazer faculdade, me formei em 64 e continuei em Alexandria como professor universitário e pesquisador.

Porque escolheu o Brasil como destino?

Entre poucas opções a gente não tem muita escolha, na época, em 1971 e 1972, as opções que eu tinha para escolher eram: EUA, Canadá, Austrália e o Brasil, eram países que recebiam pesquisadores, jovens, professores de universidades em início de carreira, cientistas de modo geral, então, o país que mais me agradou foi o Brasil, porque EUA, Canadá, Austrália representam políticas colonizadoras, imperialistas, preconceituosas e foi assim que escolhi o Brasil. E de fato, o Brasil se confirmou, o melhor país para um árabe escolher como segunda pátria, por ser mais humano, ter respeito pelos estrangeiros e carinho e. Isso é uma grande vantagem para viver aqui. Então eu me sinto em casa aqui, de fato, foi sorte que tive o Brasil para escolher.

Professor Mohamed Habib [Foto arquivo pessoal]

Professor Mohamed Habib [Foto arquivo pessoal]

E sobre a escolha da carreira acadêmica? O sr. participou da formação de muitos brasileiros. Como acha que contribuiu?

Vejo a educação como pré-requisito para uma cultura de paz e o ensino pré-requisito para uma sociedade onde qualquer um tenha seu trabalho e seu ganha pão. Eu quero as duas coisas, quero que o cidadão aprenda servir a sociedade através de seu trabalho e que todos tenham educação para aprendermos conviver pacificamente.

O sr. vê um alinhamento crescente do Brasil com o pensamento sionista de Israel?

O lobby sionista não vende seu produto, ele pratica pressão sobre parlamentares e governantes, coloca sua força através de financiamento de campanha. Por exemplo, nos Estados Unidos, seja o presidente democrata ou republicano, o vice sempre é alguém sionista. Eles fazem esse tipo de pressão em vários países a partir dos grupos de direita e no Brasil não é diferente. Sempre existiu influência sionista, porém, nunca foi tão escancarada e aberta como agora. Na eleição do Jair Bolsonaro, desde a campanha, foi tudo declarado. Hoje os sionistas estão recuados devido a situação crítica do governo Bolsonaro, que não lhes deu aquela vitória, não teve aquele êxito que eles esperavam. Então agora se escondem, mas por trás continuam exercendo influência.

O sionismo é uma organização mundial que tem seu projeto geopolítico que começou em 1895 e um dos itens principais dessa organização era ter um estado que seria a matriz, seu quartel-general, com objetivo e missão de não apenas criar o estado de israel e sim expandir sua política e geopolítica planetária.

Seguem todo o caminho para isso, inclusive o domínio e controle dos governos de vários países, vemos como dominam a política norte-americana através de lobbys de grupos econômicos sionistas, que negociam com parlamentares medidas que os beneficiam, como por exemplo o lobby da indústria farmacêutica, dos agricultores, produtores de leite, e por ai vai.

No mundo árabe, Israel tem ganhado terreno. Como o sr. vê o acordo de paz dos Emirados e Israel?

Na realidade os Emirados Árabes não são o primeiro estado árabe a firmar acordo de paz com israel. O primeiro, lamentavelmente foi o Egito. A partir da gestão de Anwar Al Sadat, esse acordo passou a implicar em representações diplomáticas e atividades de interesse mútuo no campo comercial. Como esses países árabes não exportam muita coisa, esse acordo servia de compra de produtos e artigos israelenses e, o mais importante de tudo isso, o compromisso de não reclamar, não criticar , não participar em nada quando há conflito militar entre israelenses e palestinos. O Egito fica quieto. Essa é essência do acordo de paz, abrir mercado para os produtos e artigos israelenses e silenciar sobre o conflito israelo-palestino ou sobre Jerusalém como capital de Israel. A Jordânia também já tem esse acordo de paz, outros países também tem e assim esperam por novas adesões. Como na fala do nosso ex-ministro do meio ambiente do Brasil, vão deixar a boiada toda passar.

E porque não são barradas as construções de assentamentos ilegais na Palestina?

Na minha juventude falávamos que israel é mais um estado dentro dos EUA, hoje EUA é um estado sob domínio e controle de israel, que manda nos EUA, país mais forte do mundo que tem cerca de 65% das ogivas nucleares. A união dos dois países permite que israel abuse, com uso da força, para garantir sua expansão territorial. E também com tecnologia militar. Um drone armado controlado por computador pode partir de qualquer cidade em Israel ou de qualquer porta avião no mediterrâneo. Os países ao redor não tem tecnologia equivalente para se defenderem de ameaças. O que Israel impõe hoje é a lei do mais forte e não a lei da justiça, da ética ou da vontade de conviver pacificamente.

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