Raramente mencionado pela mídia local e cujas imagens são poucas, o major Hassan Maatouk é hoje cortejado pelos Emirados Árabes Unidos para assumir um possível papel de liderança dentro do chamado Exército Nacional da Líbia (ENL), ainda comandado pelo general Khalifa Haftar. Desde a derrota em Trípoli, em junho último, quando o exército de Haftar viu-se forçado a recuar à região de Sirte-Jufra, relatos surgiram sobre o eventual destino do comandante octogenário, com dúvidas persistentes sobre sua capacidade para manter um papel decisivo na guerra da Líbia.
Muitos jovens oficiais o culpam pela derrota nos portões da capital. Destacam a “falta de liderança efetiva”, conforme reclamou um soldado de suas milícias, recentemente. Criticam ainda o fato do general estar sempre distante em relação ao fronte, ao invés de presente em campo para conceder apoio moral a suas tropas.
Diante de uma nova rodada de negociações entre as facções em confronto na Líbia, com início em 7 de setembro, no Marrocos, a questão sobre a atuação de Haftar em qualquer tipo de solução política emerge novamente. O Governo de União Nacional, sediado em Trípoli, ameaçou não aceitar qualquer acordo que dê a Haftar um papel no processo. Seus apoiadores, incluindo Aguila Saleh, presidente do parlamento paralelo, sediado em Tobruk, recentemente não demonstram boas relações com o general renegado. A denúncia contra Haftar em uma corte dos Estados Unidos, ao acusá-lo de crimes de lesa-humanidade e execuções extrajudiciais, complica ainda mais sua situação.
A possibilidade do afastamento de Haftar do comando do auto-intitulado Exército Nacional da Líbia abre agora as portas para novos rostos que possam eventualmente tomar o seu lugar.
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Possuir boas conexões com apoiadores estrangeiros é uma vantagem e o major Maatouk parece desfrutar de boas relações com os Emirados Árabes Unidos. Esta associação significa apoio material e financeiro à guerra aberta, conduzida por procuração, em território da Líbia.
Embora ainda leal a Haftar, Maatouk é conhecido por viajar aos Emirados Árabes Unidos ao menos uma vez por mês. Também tem acesso a “montes de dinheiro que só podem vir do exterior”, como relatou-me um de seus associados próximos, em condição de anonimato. O major começou a destacar-se durante a campanha do Exército Nacional da Líbia no sul do país, entre 2017 e 2019.
Maatouk encabeçou muitas das operações, em particular, em Sabha, capital regional estratégica, e Murzuq, no sul da Líbia. Suas credenciais tribais parecem também apropriadas à tarefa. Originário da tribo de Awlad Suleiman, concentrada na região de Sabha, Maatouk possui vantagem por sua familiaridade com políticas locais e conexões do tipo “quem é quem”. A maioria dos homens tribais na região, já filiados ao exército de Haftar, apoiam Maatouk não apenas por ser um deles, mas porque sua presença no alto comando fortalece o controle local. Milícias da região de Awlad Suleiman já controlam grande parte de Sabha, especificamente quartéis do exército e edifícios de segurança capturados. Caso Maatouk tenha êxito em subir na hierarquia do Exército Nacional da Líbia – ou melhor, chegar ao topo –, sua tribo será beneficiada em uma sociedade profundamente dividida por laços sectários.
Alguns membros da tribo Awlad Suleiman também vivem em uma pequena aldeia chamada Harawa, a 70 quilômetros leste de Sirte, na costa do Mar Mediterrâneo. De fato, Maatouk e sua família estendida vivem no local. Foi em Harawa que o major deu início à sua carreira militar dentro do Exército Nacional da Líbia, em torno de 2014. A princípio, Maatouk utilizou recursos enviados por seu irmão mais velho Salem, que vive no exterior, para montar uma milícia local para proteger a aldeia. Em 2016, entrou em contato com o Exército Nacional da Líbia para oferecer seus serviços. Em 2018, sua milícia foi incorporada àquilo que ficou conhecido como Batalhão 128.
Maatouk liderou o Batalhão 128 para capturar Sabha, contudo, sem combate – graças ao controle pré-existente de seus associados tribais. Sua tribo de fato dominou a cidade estratégica após a deposição do falecido ditador Muammar Gaddafi, em 2011. Em muitas ocasiões, a tribo de Maatouk entrou em confronto com a tribo de Gaddafi, Al-Gaddafa, além dos povos Toubou.
Após Sabha, Maatouk avanço a Murzuq, em agosto de 2019, onde seus homens supostamente cometeram uma série de crimes contra os povos Toubou, que viviam no local. Sob receios de represálias, Maatouk rapidamente distanciou-se das execuções extrajudiciais conduzidas na ocasião. Chegou ao ponto de pedir desculpas aos residentes locais pelos incidentes.
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No passado, o falecido tenente-coronel Abdulsalam Zadma também desfrutou de posição extraordinária bastante semelhante. Zadma era bastante próximo de Gaddafi e popular entre os líbios, apesar de suas táticas de linha dura. Durante os tumultos em Benghazi, no início da década de 1990, foi Zadma quem conseguiu enfim controlar a cidade. Segundo relatos, viajou a Benghazi com a mente aberta e tentou cooperar com os residentes locais. Rapidamente, angariou popularidade e confiança, o que permitiu certo relaxamento de sua mão de ferro sobre a segurança imposta após os distúrbios regionais. Muito conhecido em Benghazi e em todo o país, por suposta gentileza e coragem ao solucionar problemas, Zadma ainda é lembrado com grande respeito. Contudo, foi severo com os militantes islâmicos no leste da Líbia. Sua morte súbita, em 1998, em Harawa, sua cidade natal, supostamente consternou Gaddafi.
Em junho, Maatouk, sentindo que Harawa poderia tornar-se frente de batalha após o recuo de Trípoli, ordenou a evacuação de sua família a Benghazi, cidade relativamente mais segura. Um de seus parentes me relatou: “Nas primeiras horas da manhã, um comboio de carros armados chegou e começou a recolher a família”. A fonte descreveu o tamanho do comboio e suas provisões de segurança, ao declarar: “Diz muito sobre o quão bem financiado é o major Maatouk.” No processo, suas tropas, a maioria mercenários do Chade, agruparam duas dúzias de jovens rapazes locais, mas os libertaram, em seguida.
Tais relatos contundentes e conjuntura histórica levantam questões sobre a guerra na Líbia. Haftar sabe e aprova tais acontecimentos? Ou meramente ignora o que ocorre a seu redor? Fonte próximas ao general líbio reportam que Maatouk raramente é visto nos arredores do quartel-general. Sua ausência ao lado de Haftar de fato sugere que pouca coordenação ou mesmo nenhuma relação pessoal entre o general envelhecido e o jovem major, em franca ascensão.
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