Lutas operárias abrem o caminho para mudanças no Irã

Iranianos protestam contra a decisão do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump de designar as Guardas Revolucionárias do Irã como “organização terrorista”, em Teerã, capital iraniana, 12 de abril de 2019 [Fatemeh Bahrami/Agência Anadolu]

Neste ano tivemos a maior onda de lutas operárias desde que a revolução democrática de 1979 derrubou a ditadura do Xá Reza Pahlevi no Irã.

Estas greves se dão no contexto da deterioração das condições econômicas no país para a qual colaboram vários fatores. Trinta anos de neoliberalismo levou às privatizações e à flexibilização dos direitos trabalhistas. A retomada das criminosas sanções americanas em 2018, derrubou a moeda local que perdeu 70% de seu valor atingindo a cotação de 236 mil rials por um dólar americano, impactando o nível de vida da classe trabalhadora. Às sanções, se juntaram a recessão econômica mundial, a pandemia do coronavírus e a corrupção crônica do regime que privilegia a burguesia mercantil bazaari e as burocracias estatal e paraestatal (fundações e a guarda revolucionária).

Na primeira semana de agosto mais de dez mil operários de 29 empresas da indústria petroquímica entraram em greve pelo pagamento de salários atrasados e do seguro-desemprego, contra a terceirização, os contratos temporários e os contratos em branco (sem definição dos direitos trabalhistas). Entre as empresas paralisadas estão as usinas de Tabriz, Mashhad, Bidkhon e Mashhad; as refinarias de Isfahan, Qeshm, Abadan, Jafir, Kangan, South Pars, Parsian e Mahshahr; as petroquímicas de Lamerd e Assaluyeh, a companhia de asfalto de Toos Dasht Azadegan, e a Hepco, a maior indústria pesada do oeste asiático.

No Cuzestão, 800 operários do complexo agroindustrial de Haft Tappeh estão em greve desde 14 de junho.  Eles lutam pelo pagamento de salários atrasados, pelo direito de organização sindical independente do estado, contra a privatização realizada, contra gerentes corruptos e pela liberdade de seus companheiros presos. Estes mesmos trabalhadores realizaram três greves em 2018 pelas mesmas reivindicações e se tornaram um ponto de referência das lutas operárias no país.

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Esta onda de greves foi antecedida por várias lutas neste ano. Os primeiros protestos de 2020 ocorreram contra a derrubada de um avião com 176 passageiros a bordo em 7 de janeiro de 2020. Além de manifestos de artistas e jornalistas, estudantes de duas universidades protestaram durante quatro dias.

No dia 1 de maio, trabalhadores realizaram ações em Sanandaj, Saqqez, Dezli e Teerã. Entre suas bandeiras constavam “Trabalho, pão e liberdade”, “Conselhos operários”, “Greve geral”, “Liberdade para todos os trabalhadores presos”, “Trabalhadores de todos os países, uni-vos”, “Abaixo a opressão e a exploração”, fim dos contratos temporários e remuneração do trabalho doméstico.

Desde o final de abril, os 3 mil trabalhadores da companhia de carvão Kerman paralisaram suas atividades intermitentemente nas minas de Ravar, Kuhbanan and Zarand contra a privatização da empresa, por melhoria salarial, segurança no trabalho e pelo fim dos contratos temporários.

Em meados de maio houve uma série de protestos dos trabalhadores da saúde nas províncias de Gilan, Lorestan, Qazvin and Hamadan em frente aos edifícios de Ciências Médicas e do Ministério da Saúde contra condições de trabalho insalubres, salários atrasados e contratos temporários. Vários enfermeiros e enfermeiras perderam suas vidas no combate à pandemia de COVID-19.

Twitaço suspende a execução de três jovens

No dia 14 de julho a Suprema Corte manteve a condenação à morte de três jovens ativistas Amirhossein Moradi, Mohammad Rajabi and Saeed Tamjidi presos nos protestos de novembro de 2019 contra a alta no preço da gasolina.

Mas um twitaço de 7,5 milhões de tweets no mesmo dia, incluindo personalidades do mundo artístico e esportivo obrigou a Suprema Corte a suspender a execução dos ativistas e anunciar um novo julgamento. Nos dois dias seguintes houve manifestações de vanguarda em Teerã, Shiraz, Behbahan, Isfahan, Orumiyeh e Mahshahr.

O Irã é o segundo país com maior número de execuções no mundo, após a China. No ano passado 251 presos foram executados de acordo com a Anistia Internacional.

Em abril deste ano, 25 presos foram executados em menos de dez dias. As autoridades iranianas aproveitaram a pandemia para realizar as execuções sem protestos nas ruas. Entre os executados está o ativista curdo Mostafa Salimi, condenado à morte por integrar um partido político curdo.

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Em 14 de julho, Diaku Rasoulzadeh e Saber Sheikh Abdollah foram executados na prisão de Urumieh na província do Azerbaijão Ocidental. Eles foram condenados à morte em 2015 por supostamente colocar uma bomba numa parada militar na cidade de Mahabad em 2010.

No mês anterior o jornalista dissidente e fundador da conta de Telegram AmadNews Rouhollah Zam foi condenado à morte por “espalhar a corrupção sobre a terra” ao encorajar as pessoas a participar dos protestos contra o regime em 2017 e 2018. Zam trabalhava em Paris de onde foi sequestrado pela Guarda Revolucionária Iraniana e levado para o Iraque e depois para o Irã.

Além da pena de morte, o regime iraniano também efetua prisões arbitrárias. É o caso de 42 trabalhadores das Indústrias AzarAb condenados a um ano de prisão, 74 chicotadas e um ano de trabalho comunitário forçado. Seu “crime” foi protestar contra o atraso de salários e falta de estabilidade no emprego após a privatização desse grande conglomerado industrial. Após protestos internacionais, esses trabalhadores terão direito a um novo julgamento.

Outro caso é do sindicalista Jafar Azimzadeh, líder do conselho de sindicatos livres do Irã. Condenado a cinco anos de cadeia por organizar atividades sindicais, ele sofre de problemas cardíacos e pulmonares. Agora ele está em greve de fome desde 17 de agosto. Também em greve de fome na prisão está a conhecida advogada Nasrin Sotudeh.

As ativistas feministas Atena Daemi, Golrokh Iraee, a curda Zeynab Jalalian e a ativista de direitos humanos Narges Mohmammadi continuam presas. Várias ativistas jovens conhecidas como “As garotas da Avenida Revolução” que retiraram seus hijabs (lenços usados para cobrir os cabelos) para protestar contra a obrigação de seu uso foram condenadas à prisão.

A jovem jornalista e ativista sindical Sepideh Gholian foi presa novamente por se recusar a firmar um pedido de desculpas ao Líder Supremo Ayatollah Khamenei.

Há até ativistas homens como Arash Sadeghi e Soheil Arabi que estão presos por defender os direitos das mulheres.

A devastadora pandemia do coronavírus

O Irã foi e continua sendo um dos países mais devastados pela pandemia que levou o sistema hospitalar ao colapso, a milhares de mortos e infectados além de gerar protestos de presos e de trabalhadores da saúde.

Assim como governos em todo o mundo, o regime iraniano também tentou ocultar dados. A BBC divulgou dados de relatórios de saúde que apontam para 42 mil mortes e 451 contaminados até 20 de julho. Os dados oficiais são 14.405 mortes e 278.827 contaminados). Nas últimas semanas houve um aumento do número de contaminados o que pode significar que está em curso uma segunda onda da pandemia.

Devido à pandemia, a superlotação dos presídios iranianos se tornou insustentável e o governo anunciou a libertação de algo entre 50 mil a 85 mil presos. Mesmo assim houve uma onda de protestos dentro dos presídios.

Em 16 de março, 128 presos políticos entraram em greve de fome na prisão de Evin. No dia seguinte, mais 45 presos políticos entraram em greve na prisão de Fashafuyeh em Teerã.

Ainda em março houve rebeliões nas prisões de Tabriz, Saqqez, Hamedan, Mahabad, Khoramahad, Aligodarz, Adelabad e Sepidar no município de Ahwaz.

Sabotagem israelense atinge infraestrutura do país

Além das criminosas sanções americanas contra o Irã, há várias ações de sabotagem.

A principal delas ocorreu no dia 2 de julho. Houve uma explosão seguida de fogo na usina nuclear de Natanz onde se localizam centrífugas para enriquecimento de urânio. Segundo o jornal sionista New York Times, o Estado de Israel é o responsável pela poderosa bomba plantada dentro da usina próximo a uma tubulação de gás.

No prazo de um mês houve explosões na base militar de Parchin onde se produz mísseis balísticos, em uma clínica médica de Teerã, nas usinas de energia em Shiraz, Ahwaz e Islamabad, em um complexo petroquímico no Cuzestão, na fábrica de gás de Kavian Fariman, na fábrica de alumínio de Lamard, no porto de Bushhr e na indústria petroquímica em Karoun.

Explosão em Teerã, capital do Irã, 9 de julho de 2020 [Twitter]

Além disso houve 1100 queimadas nos últimos três meses que destruíram 388 km2 de florestas. As autoridades iranianas acreditam que pelo menos um quinto dessas queimadas foram propositais.

Apesar do governo israelense não reivindicar a autoria, vários analistas coincidem em afirmar que os israelenses são os responsáveis com sinal verde dos Estados Unidos. O próprio ministro da defesa israelense declarou em 5 de julho que “realizamos ações sobre as quais é melhor não comentar”.

Há 4 anos, as forças israelenses conseguiram roubar arquivos iranianos que estavam numa instalação fabril e há 2 anos usaram um vírus virtual chamado Stuxnet, provavelmente em conjunto com os Estados Unidos, para sabotar as centrífugas nucleares iranianas.

O imperialismo, o regime e a classe trabalhadora em disputa pelo futuro do Irã 

O Irã era um bastião dos interesses imperialistas estadunidense e europeu sob o antigo regime do Xá Reza Pahlevi.

A revolução democrática de 1979 na qual a classe operária cumpriu um papel decisivo através da greve geral, das manifestações de rua e dos conselhos operários foi sequestrada pelo seu principal dirigente, o Ayatollah Khomeini apoiado pela burguesia mercantil bazaari, que impôs o fechamento do regime e a perseguição aos dissidentes liberais e à esquerda socialista.

A saída da órbita americana não impediu o novo regime autoritário iraniano de realizar acordos importantes por debaixo do pano com o regime americano como foi o caso da compra de armas nos anos 1980 ( escândalo Irã-contras), a sustentação do regime títere de Karzai no Afeganistão, a própria invasão americana no Iraque a partir de 2003, e mais recentemente a posse do primeiro-ministro Mustafa al-Kadhimi.

Apesar desses acordos, os Estados Unidos retomaram sanções econômicas criminosas em 2018, assassinaram o general Kassem Suleimani em janeiro, deram sinal verde para os atos de sabotagem israelense como parte da política de “pressão máxima” através da qual o Governo Trump busca um novo acordo nuclear mais restrito que lhe renda votos nas eleições americanas.

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Já o imperialismo europeu também quer recolonizar o Irã mas tem uma tática diferente. Os europeus apoiam o acordo nuclear firmado em 2015 e por isso não renovaram o embargo de armas nem aprovaram sanções sobre o Irã no Conselho de Segurança da ONU em agosto de 2020.

Estes fatos mostram a existência de forte opressão imperialista americana contra a nação iraniana. Mas também mostram a disposição do regime burguês iraniano de se acomodar a esta ordem internacional imperialista, e não de derrubá-la.

Na impossibilidade de acordo com o imperialismo americano, o regime iraniano ampliou sua influência regional sustentando regimes burgueses autoritários na Síria, no Líbano e no Iraque, e apoiando os Houthis no Iemen e o Hamas em Gaza. Em escala internacional, aproximou-se dos regimes russo, chinês e venezuelano. Desta forma busca nova negociação com o imperialismo em condições de força, com mais cartas na manga. Mas não tem o objetivo de expulsá-lo da região, e muito menos de liquidá-lo.

As forças políticas iranianas que apoiam a política do imperialismo americano (os monarquistas e o MEK) querem um regime capitalista autoritário que submeta o país à ordem imperialista.

Já as diferentes alas do regime iraniano, seja a “linha-dura” ou a moderada, também querem a manutenção do regime capitalista autoritário e aceitam uma submissão negociada do país à ordem imperialista.

A terceira via nasce das lutas operárias e sociais

A única força social com interesse imediato e histórico de levar adiante a completa libertação nacional e implantar um regime anticapitalista com amplas liberdades democráticas é a classe operária iraniana e seus aliados naturais entre as massas urbanas despossuídas, a juventude, as mulheres e as nacionalidades oprimidas.

Uma nova revolução iraniana que leve a classe operária ao poder poderá dar os passos necessários para alimentar as revoluções em toda a região para liquidar com a dominação imperialista e libertar a Palestina, do rio ao mar.

A essas forças operárias e populares devemos dirigir toda nossa solidariedade para por fim à opressão imperialista, ao regime autoritário e à exploração capitalista.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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