Conforme escalam as tensões na fronteira marítima entre Turquia e Grécia, no Mar Mediterrâneo Oriental, a França decidiu avançar com unhas e dentes em apoio à sua companheira na União Europeia, ao ponto de ameaçar o governo da Turquia. O presidente francês Emmanuel Macron chegou a afirmar que Ancara “não é mais parceira”.
O impasse entre Grécia (e Chipre) e Turquia repousa sobre recursos de hidrocarboneto e influência naval na região, onde as fronteiras marítimas aparentemente se sobrepõem. Segundo a lei internacional, tais disputas de fronteira devem ser solucionadas via diálogo e acordo mútuo. A Turquia aceitou mediação da Alemanha, Rússia e Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); a Grécia, contudo, recusou. Os Estados Unidos também propuseram mediação, mas o Ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov acusou Washington de incitar os países um contra o outro.
Recentemente, Macron passou a ser descrito pelos turcos como “arrogante”, ao tentar mobilizar países da União Europeia contra as atividades da Turquia, sob pretexto de ajudar a Grécia, membro do bloco. Duas semanas antes da cúpula da União Europeia, em 24 e 25 de setembro, Macron decidiu convidar o grupo conhecido como EuroMed 7 para conversas. Trata-se de um grupo informal de sete estados mediterrâneos do bloco europeu, reunido pela primeira vez em 2016 justamente para pressionar a Turquia.
Um oficial da presidência francesa afirmou que o propósito das conversas conduzidas na ilha de Córsega é “alcançar progresso no consenso das relações entre União Europeia e Turquia”. Macron afirmou que a Europa precisa, a partir desta reunião, assumir “uma voz mais clara e unida” sobre as ações turcas, descritas pelo líder francês como “práticas inadmissíveis” e “indignas de um grande estado”.
Ao advertir a Turquia, em antecipação ao encontro, destacou Macron: “Nós, europeus, devemos ser claros e firmes, não com a Turquia como nação ou povo, mas frente ao governo do Presidente Erdogan, que hoje exerce ações inaceitáveis”. Antes da reunião em Córsega, estava claro que a linguagem de Macron frente a Turquia era altamente contundente.
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Contudo, o Primeiro-Ministro da Grécia Kyriakos Mitsotakis afirmou estar “otimista” sobre uma solução pacífica com a Turquia. “Nada me impede de crer que Turquia e Grécia podem ser amigos”, escreveu ao Times, em Londres.
Dado que a maioria dos estados-membros da União Europeia também adotaram a mesma retórica hostil contra a Turquia, devemos questionar por que Macron está mobilizando tais reações frente ao país aliado na OTAN, em particular, sobre suas ações no Mediterrâneo Oriental, onde a França não tem qualquer contato.
O jornalista Hamza Tekin é um crítico voraz da interferência francesa no Mediterrâneo Oriental. “A França tem uma hostilidade histórica em relação à Turquia e Macron tenta renová-la”, argumentou. Outros comentaristas, destacou Tekin, descrevem as ações de Macron como “nova cruzada”.
A razão para retomar tais hostilidades, alegou Tekin, é o “sucesso” de Erdogan em dar fim ao “projeto colonial” da França na Líbia, representado pelo apoio de Paris ao líder renegado Khalifa Haftar e ao “projeto colonial” no norte da Síria e norte do Iraque, onde a França supostamente planejava estabelecer micro-estados leais, sob domínio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado terrorista por Ancara.
Em uma série de tuítes, sob o mesmo contexto, Omer Celik, porta-voz do Partido Justiça e Desenvolvimento (AK), liderado por Erdogan, escreveu: “Macron mantém seu colonialismo, enquanto nosso presidente continua a defender os interesses dos povos oprimidos, proteger a paz e frustrar jogos coloniais.”
Segundo Tekin, Paris também tenta retaliar contra Ancara, pois muitos países africanos “hoje preferem a Turquia às custas de sua lealdade histórica à França”, que os colonizou e continua a explorar seus recursos naturais.
Não obstante, apesar de seus melhores esforços, Macron até então fracassou em mobilizar apoio europeu contra a Turquia. Este fato confirmou-se por declaração de Josep Borrell, chefe de assuntos exteriores da União Europeia, que destacou, logo após encontro com ministros de toda a Europa, na última semana, que Paris não pode persuadir outras nações do bloco a comprometer-se com a política de linha dura contra Ancara.
Macron, segundo Tekin, tenta obter ganhos à França via União Europeia, mesmo embora muitos membros do bloco mantenham boas relações com a Turquia. “A União Europeia não deu à França o que queria contra a Turquia, pois seus estados-membros reconhecem o quão danosa poderá ser a resposta turca, visto que Ancara detém muitas vantagens diplomáticas, econômicas e outras, com as quais pode reagir aos países europeus”. Tekin acrescentou ainda que, caso a missão de Macron fosse fácil, poderia muito bem ter angariado êxito há dois ou três meses atrás.
Enquanto isso, há claro descontentamento na Grécia sobre a política de Macron no Mediterrâneo Oriental, algo óbvio a partir dos comentários do premiê grego de que seu país poderia ser “amigo” da Turquia. A parlamentar comunista grega Liana Kanelli reiterou que a França demonstra apoio à Grécia somente por interesses próprios na região. “Ninguém se aproxima da Grécia porque nos ama”, declarou Kanelli durante um programa de entrevistas. “Ninguém está morrendo por nossos interesses”.
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Reconhecendo seu fracasso em mobilizar apoio, Macron viu-se obrigado a recuar, a fim de manter alguma postura digna. A Turquia, afinal, é membro da OTAN e consentiu no diálogo condicional via mediação da Alemanha, sem envolvimento da França.
“Não somos ingênuos, mas queremos retomar conversas com a Turquia, em boa fé”, declarou Macron após a cúpula em Córsega. Segundo a rede Politico, o líder francês mudou o tom do discurso ao oferecer um gesto conciliatório. Seu desejo “profundo” é retomar o “diálogo frutífero com a Turquia” e alcançar o que foi chamado de “Pax Mediterranea”, construída conforme compartilhados os recursos energéticos e as conquistas culturais e acadêmicas, na região.
Mudar de uma retórica hostil a um tom conciliatório é certamente bom, mas basta? Trata-se de uma dura lição ao presidente francês, que parece cobiçar um passado colonialista e ignorar a lei internacional, a relação entre os países e a organização dos protocolos estrangeiros. Sobretudo, parece ignorar o fato de que a Turquia não é uma república do passado, no que se refere à sua autonomia, comércio, assuntos militares e influência. A Turquia ascendeu em termos de influência sobre o mundo islâmico e além e a França, em particular, poderia fazer bem em aceitar tal fato.
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